Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Friday, May 29, 2009

UMA NOITE NO MUSEU 2



UMA NOITE NO MUSEU 2 (NIGHT AT THE MUSEUM 2)
De Shawn Levy. Com Ben Stiller, Amy Adams, Robin Williams, Hank Azaria, Owen Wilson, Steve Coogan, Ricky Gervais, Christopher Guest, Jonah Hill, Bill Hader e Alain Chabat.


Não é segredo algum que sequências nada mais são do que meros produtos para acrescentar milhões aos cofres dos estúdios. Afinal, se algo deu certo, por que não explorar mais uma vez? Ocasionalmente, ainda surge uma ou outra continuação com reais ambições artísticas, que busca desenvolver história e personagens e acrescentar algo à obra original, como O Poderoso Chefão 2 ou Antes do Pôr-do-Sol. Na maioria das vezes, porém, elas são apenas reedições do antecessor, realizadas com mais dinheiro, mas sem qualquer inspiração. É o caso, por exemplo, deste Uma Noite no Museu 2.

Escrito por Thomas Lennon e Robert Ben Garant (também roteiristas da produção de 2006), o filme tem início com o ex-guarda noturno Larry Daley exibindo produtos de sua empresa em um programa de televisão. Após largar o emprego no Museu de História Natural de Nova York, Larry se tornou um grande empresário, mas ainda visita seus antigos amigos que voltam à vida durante à noite. Em uma das visitas, descobre que eles serão enviados ao Museu Smithsonian, de Washington. Chegando lá, o pequeno cowboy Jedediah pede a ajuda de Larry, dizendo que o antigo faraó egípcio Kahmenrah quer aproveitar sua nova vida para conquistar o mundo.

O que se vê a partir daí é nada mais do que a fórmula do filme original repetida à exaustão – e, convenhamos, uma fórmula que nem tinha dado tão certo assim. Os roteiristas e o diretor Shawn Levy não demonstram o menor pudor em repetir gags, como a dos tapas nos macacos, e reutilizar truques, como o corte para um plano silencioso após a cena em que Otávio corre pela grama. Na realidade, Uma Noite do Museu 2 apresenta pouquíssimos resquícios de originalidade: durante a maior parte da projeção, o filme não passa de cenas do personagem de Ben Stiller correndo pelo museu enquanto encontra algumas figuras históricas.

De certa forma, isso até traz algum apelo. Esperar pela próxima personalidade que Larry irá conhecer talvez seja a única coisa que realmente salve Uma Noite no Museu 2 de um desastre. O problema é que a imensa maioria desses encontros não são bem aproveitados pelo roteiro, que parece optar pelo mero desfile de efeitos especiais (fantásticos, diga-se de passagem) em detrimento às ideias originais que poderiam sair destes momentos. Além disso, como a quantidade de personagens é imensa, eles não passam de curiosidades, caricaturas, sem jamais se tornarem para o público algo mais do que as próprias figuras de cera que, no filme, realmente são.

Muito disso se deve também ao fraco timing cômico do diretor Shawn Levy para a comédia. O cineasta consegue tornar previsível a maioria das piadas e, mais impressionante ainda, é capaz de estragar as poucas vezes em que elas funcionam. Por exemplo, a rápida participação de Jonah Hill como o guarda que tenta impedir Larry de tocar nos objetos começa divertida, mas estende-se tanto que acaba por cansar. O mesmo vale para a cena na qual Kahmenrah quase tem um ataque ao falar para o protagonista sobre uma linha que ele não pode cruzar: o momento começa divertido, principalmente graças à interpretação de Hank Azaria, mas Levy deixa a cena rolar por tanto tempo que ela chega a ficar irritante.

Azaria, aliás, talvez seja o único membro do elenco que consegue se destacar. O ator diverte-se à beça no papel de um afetado e megalômano faraó egípcio, garantindo a maioria das poucas risadas de Uma Noite no Museu 2. Os demais atores – um incrível grupo de comediantes formado por nomes como Robin Williams, Christopher Guest, Ricky Gervais e o próprio Stiller, entre outros – são desperdiçados pelo fraco material dos roteiristas e pela direção equivocada de Levy, que parecem mais preocupados em criar um espetáculo visual para encher os olhos da criançada do que um filme genuinamente engraçado.

Na verdade, para não dizer que tudo são espinhos, a produção ainda consegue funcionar em uma ou outra piada ocasional. O momento mais inspirado é a referência a 300, de Zack Snyder, quando Jedediah e Otávio atacam com fúria diversos sapatos no meio de uma batalha. É uma sequência divertida e uma homenagem que possui algum sentido, ao contrário da referência ao filme A Rocha, totalmente gratuita. Outra ideia razoavelmente inspirada é a dos quadros ganharem vida, que acrescenta mais uma possibilidade à história, mas também é aproveitada de maneira ineficaz.

Uma Noite do Museu 2 é apenas isso e nada mais. Uma produção boba e nada original, que falha também ao tentar contar uma história – o tratamento dado à trama sobre o protagonista não gostar do que faz, por exemplo, é superficial e risível. Se o primeiro ainda conseguia funcionar por trazer uma ideia nova, esta sequência resulta em uma produção completamente dispensável. Uma Noite no Museu 2 é um filme que não precisava existir.

Nota: 4.0

Wednesday, May 27, 2009

CONTATO

CONTATO (CONTACT)
De Robert Zemeckis. Com Jodie Foster, Matthew McCounaghey, Tom Skerrit, James Woods, William Fitchner, David Morse, Angela Basset e Jena Malone.


Durante boa parte das décadas de oitenta e noventa, Robert Zemeckis foi um dos mais importantes cineastas norte-americanos. Ao contrário do que muitos acreditam, sua influência não se deveu unicamente aos avanços realizados no campo da tecnologia e dos efeitos especiais, como a interação entre desenho animado e live action em Uma Cilada para Roger Rabbit e a união entre imagens de arquivo com atuais em Forrest Gump. Zemeckis também criou alguns dos melhores e mais adorados filmes americanos deste tempo, como a trilogia De Volta para o Futuro e a própria história do homem que via a vida como uma caixa de chocolates.

Contato, realizado três anos após Forrest Gump, normalmente não figura entre as obras mais lembradas do diretor, o que é uma pena: trata-se de um dos melhores e mais inteligentes filmes saídos de Hollywood durante toda a última década. Baseado em uma obra de Carl Sagan, Contato conta a história de uma brilhante astrônoma, vivida por Jodie Foster, que recebe uma mensagem vinda de fora da Terra. Esta mensagem, na realidade, traz informações matemáticas que contém instruções para a montagem de uma máquina gigantesca, que pode se servir de transporte para o ser humano entrar pela primeira vez em contato com seres de outro planeta.

Engana-se quem pensa que Robert Zemeckis e os roteiristas James V. Hart e Michael Goldenberg (com o apoio de Sagan) têm como objetivo realizar apenas mais um filme recheado de ação sobre alienígenas e naves espaciais. Pelo contrário, a intenção dos realizadores com Contato é construir um retrato realista do que poderia ser o primeiro encontro entre humanos e extraterrestres, em uma história que equilibra com maestria o lado humano dos personagens com importantes discussões sobre fé e ciência. Contato é um filme capaz de entreter como poucas ao mesmo tempo em que estimula o intelecto, oferecendo uma experiência cinematográfica completa como poucas nos dias de hoje.

E isso pode ser percebido logo na primeira cena de Contato. Zemeckis leva o espectador em uma estarrecedora viagem de mais de três minutos pelo espaço, começando em nosso planeta e se afastando até muito longe. Enquanto isso, são ouvidas ondas sonoras provindas da Terra que lentamente vão se tornando mais difíceis de escutar, até longos instantes nos quais nada mais se ouve. Um início brilhante, capaz de fazer o espectador sentir toda a imensidão do universo e, ainda mais importante, o quanto o ser humano é pequeno diante desse todo. A cena ilustra com perfeição uma frase que os personagens dizem por várias vezes durante o filme: “Não sei se existe vida em outros lugares. Mas se fôssemos só nós, seria um imenso desperdício de espaço”.

Diretor com alta capacidade técnica, Zemeckis ainda cria alguns belíssimos truques visuais que ajudam a enriquecer a experiência de assistir Contato. São momentos que vão desde o simples, como a câmera “atravessando” o vidro de uma porta, até os mais complexos, como a impressionante sequência na qual a plateia acompanha a pequena Ellie subindo as escadas e abrindo o espelho do banheiro. Outro momento interessante é o plano-sequência na chegada de Ellie ao Centro de Controle após ela ouvir pela primeira vez a mensagem. Zemeckis segue a personagem desde o carro até chegar à sala, subindo escadas e passando por portas em uma cena que não apenas exibe virtuosismo técnico, como também colabora para transmitir toda a excitação daquele momento.

No entanto, por mais completo que seja em termos visuais, o grande trunfo de Contato é, indiscutivelmente, seu roteiro. Zemeckis contou com a colaboração de Carl Sagan (até a morte do autor, no final de 1996) para não deixar de fora do produto final o embate entre fé e ciência, balanceando este aspecto da trama com o lado dramático e a jornada dos personagens. E o trabalho em conjunto realmente valeu a pena. Tirando um ou outro deslize, Contato apresenta uma trama coesa e provocativa, que não teme abordar profundas questões existenciais e filosóficas enquanto funciona como uma grande aventura, mantendo o espectador sempre interessado naquilo que está acontecendo e ansiando pelo que vem depois.

Em sua essência, Contato é um filme sobre a busca de um sentido maior em nossas existências. Essa reflexão é realizada pela protagonista, a doutora Ellie Arroway. Cientista brilhante, Ellie é uma pessoa excessivamente empírica, que se recusa a aceitar qualquer possibilidade de acreditar em uma força maior como Deus – mesmo que isso possa custar a ela a maior realização de sua vida. Por essa razão, dedica-se de corpo e alma a perscrutar os céus em busca de algum sinal de fora, algo que possa trazer o mínimo de iluminação a essas perguntas. Em certo momento, Ellie responde ao personagem de Matthew McCounaghey, após ele perguntá-la por que ela aceitaria arriscar a vida ao embarcar nessa viagem: “Desde pequena sempre quis saber: por que estamos aqui? Qual o sentido? Se for para encontrar ao menos uma fração da resposta, acho que vale uma vida humana”.

E é sobre a dicotomia entre a racional Ellie e o religioso Joss (McCounaghey) que se constrói a discussão entre a fé e a religião, tema central de Contato – e que ganha uma dimensão maravilhosa com a reviravolta final. Como acreditar em algo que não se pode provar? Por outro lado, se nem mesmo a ciência consegue provar, já não seria essa uma razão para acreditar? Um dos personagens afirma que a ciência é a busca pela verdade. Mas e a religião também não o é? Será que a ciência e a fé estão essencialmente em pólos opostos ou será que podem se complementar? Unidos, não poderiam oferecer respostas mais completas às grandes questões? Em certo momento, Ellie comenta que, como cientista, precisa de evidências para acreditar em algo. Joss responde com um argumento preciso, que a deixa sem qualquer reação: “Você consegue provar que amava seu pai?”

Os diálogos, aliás, são outra qualidade de Contato. O roteiro oferece falas extremamente inteligentes e repletas de significado, tanto no sentido de fazer o espectador compreender melhor os personagens quanto no que concerne às reflexões propostas. Por exemplo, em determinado momento, Ellie está dando uma entrevista a uma emissora de TV quando ocorre a seguinte conversa:

APRESENTADOR: E como você sabe as intenções deles?
ELLIE: Acho que eles só nos pedem um pouco de...
APRESENTADOR: Fé?
ELLIE: Eu ia dizer “espírito aventureiro”.

Esse diálogo, aparentemente sem grande importância, é a síntese perfeita das convicções da protagonista. Em poucas palavras, o roteiro oferece uma profunda compreensão sobre quem é Ellie Arroway e no que ela acredita, tornando crível o fato de se sacrificar para encontrar as respostas que sempre buscou. O mesmo vale para a cena na qual ela está deitada com Joss, quando conta como perdeu o pai e a mãe tão cedo. Ele diz: “Deve ser difícil ficar sozinho”, uma resposta que traz a sutileza de tratar não somente de uma vida sem os pais, mas de uma existência sem a crença em algo maior, sem o conforto que a fé é capaz de oferecer.

E é impossível não se admirar com o incrível talento de Jodie Foster ao compor esta personagem complexa, profunda e real. Foster é uma atriz capaz de expressar uma imensa gama de emoções apenas com o olhar e, em Contato, ela não apenas constrói uma pessoa verdadeira em termos gerais, como também brilha em momentos específicos. Reparem, por exemplo, como a atriz expressa, através de respiração rápida e olhar irrequieto, o nervosismo antes de ser chamada para discursar após o presidente. Mas a cena na qual Foster demonstra como é, de fato, uma das maiores atrizes das últimas décadas é o inquérito após a “viagem”. Ali, a atriz está nada menos que espetacular, transmitindo toda a emoção que a experiência teve para a personagem enquanto se vê obrigada a confrontar tudo aquilo no qual sempre acreditou.

Mas a atriz não é o único destaque do elenco. Matthew McCounaghey demonstra que já foi um ator promissor e interessante antes de enveredar pelas ridículas comédias românticas que protagoniza atualmente. Ao mesmo tempo, Tom Skerrit ganha pontos por conseguir fazer de Daniel Drumlin um personagem humano e real, mesmo que o roteiro busque a antipatia do espectador por ele e John Hurt, que encarna de maneira impecável o excêntrico bilionário S. R. Hadden, diverte-se e rouba praticamente todas as cenas nas quais aparece. Por outro lado, James Woods atua com preguiça, não oferecendo o menor esforço para fugir da caricatura de seu personagem.

O trabalho de Robert Zemeckis também é extremamente eficaz no sentido de construir um filme repleto de suspense e tensão. Há sempre o interesse sobre o que poderá ocorrer e por mais revelações a respeito da natureza da mensagem ou da viagem. Assim, o cineasta jamais deixa Contato perder o ritmo, mesmo em suas quase duas horas e meia de duração. Além disso, Zemeckis ainda demonstra habilidade ao construir uma tensão absurda durante toda a cena envolvendo o lançamento da cápsula, em um exemplo irrepreensível de como utilizar efeitos especiais de forma a realmente oferecer maior dimensão à história e à jornada pessoal dos personagens.

No entanto, Contato não é totalmente desprovido de problemas. Zemeckis e os roteiristas cometem alguns – pequenos – deslizes que poderiam ter sido evitados. O mais claro deles é o romance entre Ellie e Palmer. Não há o menor motivo para os personagens se envolverem dessa forma; acredito, inclusive, que seria ainda mais eficaz se os dois acabassem se tornando apenas confidentes, amigos, um do outro. O romance é tratado de forma rápida e jamais chega a convencer, falha que salta aos olhos assim que o roteiro exige isso do espectador. O mesmo vale para a cena na qual os personagens de James Woods e Angela Basset falam sobre uma gravação da viagem de Ellie: Zemeckis erra ao oferecer ao público uma resposta que ele deveria interpretar por si mesmo.

Mas isso é pouco, muito pouco, diante de tudo o que Contato oferece. Zemeckis, Sagan e os roteiristas não fizeram apenas um filme narrativamente impecável, mas uma obra capaz de desafiar o espectador a pensar. Uma obra que força o público a buscar suas próprias soluções em relação a alguns dos grandes temas da humanidade. Talvez a grande pergunta ao final de Contato é: estamos preparados para algo como o que é visto na trama? Infelizmente, baseado no fato de que um dos grandes filmes dos anos noventa esteja hoje quase esquecido, minha resposta é não.

Nota: 9.0

Tuesday, May 19, 2009

A Chance.

A bola veio com precisão milimétrica. Alçou vôo como se a gravidade não tivesse qualquer influência. Leve, sutil, graciosa. Wesley girou o corpo em direção a ela. Quase não precisou se mover. A bola começou a cair gentilmente. Sem peso, sem força. Uma amante buscando um abraço. Repousou em seu peito como se estivesse se deitando para dormir.

No momento em que amorteceu a bola, Wesley lembrou de seu pequeno irmão Douglas. Pensou nas noites em que ninguém conseguia dormir no humilde casebre enquanto o garoto sofria para respirar. Reviveu os momentos de desespero nos quais batia no peito de Douglas como se pudesse espantar a asma. E repassou toda a dor sentida pela família quando ele parou de respirar aos oito anos da mais tenra idade.

Enquanto a bola caía gentilmente sobre a parte de cima seu pé, Wesley viu com o canto do olho o adversário vindo em sua direção. Instintivamente, puxou o pé para trás, deixando a bola quicar no chão. Como se tivessem combinado a jogada, a esfera subiu apenas o suficiente para que uma leve encostada na parte de baixo dela a levantasse um pouco acima de sua altura. A bola penteou o cabelo do adversário, que passou reto, sem ver sinal a magia de Wesley.

Foi quando pensou nos duros anos nos quais a família somente podia contar uns com os outros. Wesley, seis irmãos e a mãe, que trabalhava em dois empregos e mal conseguia colocar comida na mesa. Lembrou de como se sentia como se fosse um nada, como se não tivesse importância para ninguém. Em sua cabeça, repassou o instante em que percebeu que a sociedade não o enxergava e, se quisesse sair dali, precisava vencer por si mesmo.

Após livrar-se do adversário, Wesley parou a bola na grama. Estava perfeitamente posicionado. Com um leve toque, colocou-a no lugar ideal para o arremate, um pouco à direita de seu pé. Enquadrou o corpo, jogou o braço esquerdo para equilibrar-se e lançou a perna ao encontro da bola. Ouviu o barulho seco da batida, o som dos pedaços da grama sendo arrancados do chão e nada mais. O estádio todo, apesar de lotado, aguardava em silêncio absoluto.

A bola voava, assim como as lembranças de Wesley. A ausência de som o fazia reviver as noites frias na casa de madeira velha, quando nada mais ouvia além dos lamentos no quarto ao lado. Levava horas angustiantes para dormir, sabendo que a mãe chorava por não conseguir oferecer aos filhos o mínimo para uma vida digna. No silêncio desolador, sonhava em escapar daquele lugar para proporcionar à mãe tudo o que ela merecia.

Wesley, assim como as mais de oitenta mil pessoas ao seu redor, observava. Com o olhar atento, acompanhava o traçado da bola, que começava a fazer uma leve curva para a esquerda. O chute que parecia despretensioso parecia atraído magneticamente para o gol. Maliciosamente, a bola era puxada em direção às redes. Quando o goleiro percebeu que havia sido enganado pela curva, era tarde demais. A bola caía, certa de seu destino. O grito de gol começou a ser expelido.

Até ela explodir no travessão. Teimosa, reticente, lascívia. Provocou para não entregar. Em todo o estádio, mãos à cabeça. Não somente pelo gol perdido, mas pela expectativa criada e não cumprida. A trave branca tremia, como se estivesse rindo de todos. A bola saía pela linha de fundo, quicando sem a menor pressa, certa de ter atraído todas as atenções. Certa de que havia feito o seu espetáculo.

Wesley ajoelhou-se e levou as mãos ao rosto. Lamentava pela oportunidade desperdiçada. Olhou à sua volta e viu os companheiros já de volta ao jogo. Sabia o que devia fazer. Como sempre fizera em sua vida, ergueu-se. Pôs-se, mais uma vez, de pé. Não seria fácil. Nunca o foi. Mas tinha a certeza de que superaria mais esse desafio. Tinha a certeza de que aproveitaria a próxima chance. Porque, mais do que ninguém, Wesley sabia o quão raras elas podiam ser.

Monday, May 18, 2009

O garoto e o mar.

Martin era um garoto que costumava pescar sozinho e estava há setenta e dois dias sem pegar um peixe. Morava em uma cidade pequena do litoral. Há pouco tempo, ganhara um pequeno bote de um dos mais experientes pescadores do local. Gostava de navegar durante as tardes ociosas para pescar com uma vara velha de seu pai. Sonhava em um dia pegar o maior peixe já visto e ser respeitado pela cidade.

Naquele sábado, prometeu à mãe que voltaria em breve. Pegou o livro que estava lendo, o equipamento necessário à pescaria e partiu para o mar. Não tinha o costume de ir muito longe da costa, mas, naquela tarde, a temperatura agradável e a falta de vento fizeram com que ganhasse confiança para se afastar um pouco mais.

Escolheu uma posição e parou o barco. Colocou a isca no anzol e jogou-a ao mar. Em seguida, encostou-se no bote e abriu o livro para matar o tempo até algum peixe desavisado cair em sua armadilha.

Não demorou muito. Mal tinha lido duas linhas quando a vara começou a ser puxada. Martin prontamente agiu, segurando-a com as duas mãos e firmando-se no bote. Sentiu que aquele peixe era dos grandes. Começou a imaginar que teria seu sonho realizado. Dentro de breve, estaria levando para a cidade um peixe gigantesco.

Aguentou por exatos sete segundos. De súbito, o peixe deu um puxão e os braços frágeis e pernas finas do garoto não foram suficientes para sustentá-lo sobre o barco. Foi carregado para a água e, logo em seguida, para o fundo. Sem qualquer esforço, a natureza vencera.

Sobre o barco, as páginas amareladas do livro de Hemingway eram folheadas com o vento que começava a soprar.

Thursday, May 14, 2009

Pensamento

Tudo o que tenho é o que contenho.

STAR TREK


STAR TREK
De J.J. Abrams. Com Chris Pine, Zachary Quinto, Zoe Saldana, Simon Pegg, Karl Urban, Bruce Greenwood, Winona Ryder, Jennifer Morrison, Anton Yelchin e Leonard Nimoy.


J.J. Abrams é um cara corajoso. Somente alguém com muita ousadia – ou uma certa tendência ao masoquismo – aceitaria reformular completamente uma das séries mais cultuadas e veneradas de todos os tempos. Criada há mais de 40 anos por Gene Roddenberry, Jornada nas Estrelas solidificou-se, com uma dezena de filmes e séries de TV, como um dos grandes ícones da cultura pop, fazendo com que personagens como Kirk e Spock adentrassem no imaginário popular. Até mesmo quem não nasceu naquela época já ouviu falar do oficial de orelhas pontudas ou da nave Enterprise.

Mesmo com todos os milhões de seguidores, Jornadas nas Estrelas enfrentava, há anos, um declínio de popularidade, permanecendo viva graças à memória dos fãs que acompanharam as aventuras da tripulação original (antes do Picard de Patrick Stewart assumir). Assim, nada mais óbvio para o estúdio do que imaginar uma completa reinvenção da série, buscando atingir um novo público e aproveitando para fisgar os nostálgicos trekkers que fariam de tudo por ver a equipe mais uma vez nas telonas. Eis que chegamos, finalmente, ao Star Trek de J.J. Abrams.

Escrito por Roberto Orci e Alex Kurtzman (responsáveis pela idiotice conhecida como Transformers – O FilmeStar Trek mostra como a tripulação original acabou se juntando na Enterprise. James Kirk é um jovem impetuoso e rebelde, que decide partir para um treinamento na Federação. Enquanto isso, Spock é um brilhante oficial que, obviamente, tem suas desavenças com Kirk. Quando uma nave pede socorro, ambos acabam se unindo na nave Entreprise, junto ao resto da equipe, para combater o Capitão Nero, um romulano que busca vingança pela destruição do seu planeta, ameaçando acabar com a Terra.

Pois a notícia é boa: Star Trek é um filme repleto de qualidades, uma produção que certamente agradará tanto os fãs quanto os iniciantes no universo da Entrerprise. J.J. Abrams não tem a menor ambição de construir algo mais do que um típico filme-pipoca, que apenas entretém por duas horas, mas o faz com extrema eficiência. Abrams é um cineasta que sabe como capturar o público e oferecer exatamente que ele quer, sem menosprezá-lo – como pode ser percebido na série Lost e em Missão Impossível 3 –, o que acontece novamente aqui. Star Trek é um filme divertido, que equilibra bem enredo e personagens com cenas de ação empolgantes e efeitos especiais nada menos que impecáveis.

O primeiro aspecto a ser destacado é a reverência de Abrams, Orci e Kurtzman ao material original. São diversas referências à série clássica, algumas delas que até iniciados irão perceber, como a presença de Leonard Nimoy e a narração final sobre ir “audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve”. No entanto, os roteiristas e o cineasta não se limitam às amarras e atualizam a história e personagens o tanto quanto necessário. Modificam, não desrespeitam. Ainda que as características básicas das personalidades se mantenham, Orci e Kurtzman acrescentam novas camadas e criam uma trama ágil, que exige atenção para ser compreendida – quem piscar o olho pode perder o fio da meada sobre às viagens no tempo. Quem quiser, pode até encontrar homenagens a Star Wars, como o planeta de gelo e a briga na perfuradora, que remetem ao planeta Hoth e à cena de ação sobre o poço do Garlacc no universo de George Lucas).

No entanto, ainda que o enredo funcione em aspectos gerais, o roteiro peca em diversos pontos, principalmente ao acelerar alguns momentos que mereceriam maior cuidado. Por exemplo, nada é dito sobre o que fez Kirk mudar de ideia e decidir embarcar com os novos recrutas após recusar o convite do comandante Pike. Além disso, o relacionamento entre Spock e Uhura se limita a duas cenas, a primeira delas ocorrendo praticamente pela metade do filme, o que causa estranhamento no espectador. São alguns pequenos detalhes que poderiam – e deveriam – ser melhor trabalhados, mas que acabam sendo esquecidos, como se fosse prejudicial ao ritmo exigido de uma produção comercial norte-americana.

E ritmo não falta a Star Trek. Desde a ótima cena de abertura e das apresentações de Spock em Vulcano e de Kirk ao som dos Beastie Boys, Abrams pega o espectador pelo pulso e somente larga quando os créditos finais começam a aparecer. O cineasta constrói uma cena empolgante atrás da outra, não somente graças aos efeitos especiais, mas devido a um trabalho de direção hábil e uma montagem repleta de energia. Star Trek jamais deixa a bola cair, ainda que Abrams ocasionalmente apele para alguns recursos desnecessários, como o excesso de planos com a câmera de lado ou balançando. Ainda assim, o filme conta com diversas seqüências de ação irrepreensíveis, como a já citada do início, aquela sobre a perfuradora e o final envolvendo o buraco negro.

Mas o que realmente faz Star Trek funcionar não é o espetáculo visual, e sim os personagens. Era fundamental para o reinício da franquia que Kirk, Spock e cia. conseguissem transmitir carisma e estabelecer uma dinâmica eficiente, o que realmente acontece. Claro que não se exige, agora, uma química igual a que os atores originais possuíam, mas a nova produção inicia de maneira eficaz esse relacionamento que certamente será melhor desenvolvido em futuras produções. Star Trek é a história do nascimento de uma amizade e do surgimento dos laços entre uma equipe, e Abrams jamais perde o esse foco, mesmo em meio às feéricas explosões no espaço.

Claro que os méritos dessa conquista também se devem – e muito – ao elenco. Chris Pine surpreende no papel de Kirk ao carregar o filme com naturalidade, exibindo uma bem-vinda comicidade e retratando o espírito rebelde e contestador do personagem sem se tornar irritante. Ao mesmo tempo, Zachary Quinto demonstra talento ao conseguir transmitir a natureza conflituosa de Spock, preso entre a razão e a emoção. Mas é quando os dois dividem a tela que Star Trek realmente demonstra todo o seu potencial. A química entre Pine e Quinto é ótima e todos os momentos entre os personagens – sejam os cômicos, os dramáticos ou os de ação – convencem sem maiores problemas e, acima de tudo, transmitem a sensação de que algo realmente está sendo erigido ali.

Já em relação ao restante do elenco, o resultado é mais irregular. Se Zoe Saldana encarna Uhura com naturalidade e sensualidade, Simon Pegg exibe mais uma vez seu timing cômico invejável como Scotty e Leonard Nimoy surge completamente dono de seu personagem (em não apenas uma homenagem, mas um papel fundamental à trama), Karl Urban e Anton Yelchin parecem exagerados como McCoy e Checov. Enquanto isso, Winona Ryder e Jennifer Morrison (do seriado House) são completamente subutilizadas, assim como Eric Bana no papel de Nero. Aliás, se há um grande problema em Star Trek é esse: o vilão jamais parece à altura da tripulação da Enterprise.

Contando ainda com uma ótima trilha sonora de Michael Giacchino e bons momentos de humor, Star Trek é um belo ponto de partida para uma franquia que tem tudo para voltar a conquistar admiradores. O filme não tem a ambição intelectual da série original, mas também não se propõe a isso. É feito com o objetivo de divertir e, visto por essa ótica, é muito bem sucedido. E o melhor: deixa o espectador querendo acompanhar novas aventuras de Kirk, Spock e de toda a tripulação da Enterprise. Ponto para Abrams e toda a sua coragem.

Nota: 7.0

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Wednesday, May 13, 2009

O oásis do rock.


O dia já anunciava o que seria a noite. Após muito tempo, a terça-feira trouxe água a Porto Alegre. Como em um presságio, a capital gaúcha assumiu ares britânicos, com o céu nublado e muita chuva. Quase um presente de boas-vindas. Parecia ter se transformado em Londres – ou, mais especificamente, Manchester – para fazer Noel, Liam e o resto do Oasis se sentirem em casa.

E em casa eles se sentiram. Se fosse possível, o Gigantinho lotado abraçaria os irmãos. Provavelmente, eles não retribuiriam, o que não teria importância. Ninguém estava lá para resolver problemas de carência. O objetivo era ouvir música. Ouvir rock n’ roll da melhor qualidade, produzido por aquela que talvez seja a banda de maior talento do gênero nas últimas duas décadas.

O show não foi um espetáculo visual ao estilo Kiss. Não foi uma experiência sobrenatural a la Roger Waters/Pink Floyd. Foi, pura e simplesmente, um desfile poderoso de antigos e novos clássicos acompanhado pelo coro de doze mil vozes que tomava o ginásio. Não obstante a pompa e a fleuma britânica, Noel e Liam pareciam um pouco mais abertos, talvez contagiado pela paixão dos fãs.

Desde a típica abertura com a instrumental Fucking in the Bushes (utilizada no filme Snatch) e, logo em seguida, Rock n’ Roll Star, o público teve a expectativa preenchida. Tudo bem que o Oasis não tocou todos os hits (faltaram Live Forever, Stand By Me, Cast no Shadow, Some Might Say e muitos outros), mas, convenhamos, se fosse assim, o show duraria umas quatro horas.

No entanto, ninguém teve motivos para reclamar. Os ouvidos de quem estava lá foram agraciados com interpretações de Supersonic, Wonderwall, Champagne Supernova, The Importance of Being Idle e, claro, a belíssima performance de Don’t Look Back in Anger, com Noel fazendo quase um semiacústico com o público. Junto, versões de músicas do último álbum, Dig Out Your Soul, como as ótimas Falling Down, The Shock of Lightning e I’m Outta Time.

Após a catarse final de I Am the Walrus, a banda se despediu, sob aplausos entusiasmados e reverentes. Quem foi ao Gigantinho sabia que presenciava um momento histórico – nunca se sabe como uma banda como o Oasis voltará. Após, o que ficou não foi a frieza e a postura inclinada de Liam ou o talento para as baladas de Noel. O que o público levou para casa foi a honra de ter presenciado uma noite do mais básico rock n’ roll. Uma noite de liberdade e de purificação.

Uma noite que até a chuva, ao invés de estragar, acabou contribuindo.

Monday, May 11, 2009

O inventor do copo.

Todo mundo já ouviu falar de Alexander Graham Bell ou Thomas Edison. Até mesmo quem não sabe que eles criaram o telefone e a lâmpada elétrica sabe que os dois foram inventores. Sabem que introduziram no mundo alguma coisa importante, fundamental às nossas vidas atuais. São celebridades. São quase como o David Beckham e o Brad Pitt da galáxia dos inventores. Fosse nos dias de hoje, provavelmente estariam fugindo de paparazzi e tendo seus vídeos de sexo divulgados na internet.

Mas claro que Bell e Edison não são os únicos que carregam a palavra “inventor” na carteira de trabalho. Na verdade, por estudarem e experimentarem muitos anos até que seus projetos estivessem prontos, talvez estejam mais para cientistas do que inventores. Digo isso porque inventar é, em essência, criar. É partir de uma inspiração para construir algo até então inédito. As “invenções” de Bell e Edison não se encaixam nessa definição. Elas se tornaram realidade não graças a uma sacada, a uma única ideia, mas a um processo evolutório, com muitos erros e acertos antes do produto final.

Há, porém, um tipo de inventor de verdade, mas que não usufrui da mesma popularidade desse ilustre par. Uma espécie subestimada, que jamais teve o valor que merece. São aquelas pessoas que, graças a um insight brilhante, graças a um momento abençoado de inspiração, tiveram ideias que hoje são indispensáveis em nossas vidas. São heróis anônimos, esquecidos pela história, que ninguém conhece. São gênios de um momento único, cujas invenções hoje são tão ou mais essenciais do que o telefone ou a lâmpada. Mentes brilhantes como aquela inventou, por exemplo, o copo.

Pensem por um instante no copo. Reflitam sobre como deveria ser difícil para as pessoas tomarem água ou qualquer outro líquido. Provavelmente, usava-se as mãos ou se bebia como cachorro. Até que alguém, em algum instante iluminado, pensou lá com seus botões: “E se a gente fizer recipiente para reter e facilitar a ingestão do líquido?” Brilhante é pouco. Gênio. Hoje, isso parece óbvio. Mas, em algum lugar, em algum momento há muito tempo atrás, alguém teve essa ideia. Alguém foi o primeiro a pensar nisso. E o nome dessa pessoa desapareceu em meio à poeira da história.

O inventor do copo não é o único. São dezenas, centenas de criações hoje intrínsecas às nossas vidas, mas que jamais damos o valor necessário por parecerem comuns. Encaramos essas facilidades como coisas que sempre existiram, que sempre acompanharam o ser humano. São invenções como, por exemplo, a tampa da privada (quem já sentou direto na porcelana fria sabe a diferença que faz), a haste para óculos (imagino alguém pensando: “E se a gente pendurar isso de algum jeito atrás das orelhas?”) ou uma simples bola (fundamental em praticamente todos os esportes praticados hoje).

Os exemplos são muitos. São criações que fazem parte do dia-a-dia há anos, séculos, milênios, mas que nunca paramos para pensar sobre como surgiram. Nunca lembramos que alguém deve ter pensado nessa solução em um momento de necessidade. Infelizmente, quem foi jamais saberemos. Mas essas mentes merecem homenagem e reconhecimento. São invenções fundamentais e indispensáveis. Invenções que, certamente, deixariam até Bell e Edison orgulhosos e – quem sabe? – com um pouquinho de inveja.

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Wednesday, May 06, 2009

CHE


Che é a primeira parte do filme de mais de quatro horas que Steven Soderbergh realizou sobre o guerrilheiro argentino. Apesar de concebido como um único longa, estúdio e distribuidora optaram por lançar a produção dividida em duas, facilitando aceitação do público. Essa primeira metade é focada nas ações de Che com a guerrilha cubana em Sierra Mestra, nas ações que levariam à Revolução Cubana e à queda do ditador Fulgêncio Batista. Soderbergh, sempre um diretor interessante, opta por uma abordagem distanciada e sem qualquer ideia pré-concebida sobre Guevara. Provavelmente com a consciência do fato de Che ser um personagem polêmico, capaz de despertar tanto admiração quanto repulsa, o cineasta evita tomar partido, limitando-se a apresentar os fatos de maneira quase documental, sem juízo de valor sobre o seu protagonista. Soderbergh não pretende dizer se Che é ou não um herói, optando por retratá-lo como um homem repleto de ideais e dedicado aos seus princípios, capaz de fazer o necessário para alcançá-los. Por exemplo, ainda que retrate Che como respeitoso aos inimigos e, principalmente, aos camponeses, o filme não foge de mostrar que ele poderia ser igualmente cruel sempre que acreditava ser preciso, como quando mata os traidores do Movimento ou quando esbraveja, em plena ONU: “Fuzilamos e continuaremos fuzilando!”. A abordagem é, ao mesmo tempo, a grande força e o calcanhar de Aquiles do filme. Se consegue apresentar um personagem complexo por sua dualidade e evitar a panfletagem, a pieguice e os lugares-comuns típicos de biografias, Che acaba resultando em uma obra fria, sem emoção, que jamais empolga ou apresenta algo de excelente. A narrativa é um pouco lenta e, por não buscar uma construção mais detalhada dos personagens, acaba cansando em alguns momentos, como no longo tiroteio em Santa Clara. Ainda assim, Benicio Del Toro demonstra novamente ser um grande ator (curioso é que foi sob o comando de Soderbergh que Del Toro teve a melhor interpretação de sua carreira, em Traffic), desaparecendo no papel do guerrilheiro, pelo qual levou o prêmio de melhor ator em Cannes. A opção de Soderbergh por intercalar as cenas na selva com o discurso de Che na ONU igualmente é eficaz, por ser capaz de jogar mais luz sobre as motivações do protagonista sem cair na utilização de um recurso que poderia soar apelativo, como a narração em off. Além disso, ao empregar a fotografia em preto e branco, com tons granulados, para as cenas na ONU, o diretor ainda ressalta a importância e a veracidade dos momentos em Sierra Mestra, como se somente ali, combatendo, o verdadeiro Che ganhasse vida e o resto fosse apenas uma parte do que ele realmente era. Ainda que alguns tenham reclamado da divisão do filme, a verdade é que cada uma das partes se sustenta por si só (ao menos a primeira, que foi a única que vi) sem maiores problemas: essa primeira fala sobre a vitória de Che e seus companheiros em Cuba, enquanto a segunda fará o contraponto, sobre a fracassada campanha na Bolívia que resultou na morte de Guevara. Che é, em essência, um bom filme, repleto de opções interessantes por parte de Steven Soderbergh, como o tom realista, realçado ainda pela utilização do espanhol. Mas ainda parece faltar algo, talvez a emoção que a história de uma das mais importantes figuras do século XX deveria ter.

Nota: 7.0