Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Friday, June 01, 2007

O Pedido

- Ei! Acorde!

- Hmmm...

- Acorde, vamos!

- Quê...

- Preciso falar com você.

- Quem... quem é você? Que lugar é esse? Por que eu estou amarrado?

- Está amarrado porque fui contratado pela empresa de cordas para testar o novo produto deles.

- Sério?

- Claro que não! Está amarrado pra não fugir.

- Por que eu fugiria? Quem é você?

- Eu sou Férsio. Sou um vampiro.

- Um vampiro?

- Sim.

- Do tipo que vira morcego, foge de cruz e tem medo de alho?

- Não, isso só existe no cinema.

- Então o que um vampiro de verdade faz?

- Tudo o que aparece no cinema menos as coisas que você citou.

- Quer dizer que você é um cara imortal, que se alimenta de sangue e não pode sair ao sol?

- Isso mesmo. Você esqueceu de dormir em caixão.

- Você dorme em caixão?

- Não. Até tentei, mas me dá dor nas costas. Depois de alguns séculos por aí, é normal a coluna falhar um pouco.

- Você dorme onde?

- Comprei uma cama king size, com colchão terapêutico, numa promoção há três meses.

- E o que tem de vampiresco nisso?

- Um vampiro dorme nela, ué.

- Não acredito em vampiros.

- Eu sei, ninguém acredita. Mas a gente existe.

- Prova.

- Olha aqui.

- Os caninos? Isso não prova nada. Tenho um amigo que tem esses dentes pontudos também, mas nunca vi ele dormindo num caixão.

- Eu não durmo em caixão.

- Tá, nunca vi ele dormindo numa cama king size.

- E o que isso tem a ver?

- Ele dorme numa cama de solteiro.

- Mas ele não é vampiro. Eu sou.

- Prova.

- A única forma de eu provar é sugar teu sangue. Não vou fazer isso.

- Então...

- Olha aqui! Eu não preciso provar pra você que sou um vampiro. Eu sou e pronto. Trouxe-o aqui para você fazer algo pra mim.

- Tá, vamos fazer de conta que acredito que você é vampiro de verdade. O que quer que eu faça?

- Quero que me mate.

- Sério!?

- Sim.

- Por quê?

- Porque não quero mais viver, ora. Por que mais alguém pede pra morrer?

- Mas por que você quer morrer? Ser vampiro deve ser legal.

- Legal... É legal no início. Depois vira um saco.

- Saco por quê? Ser imortal, ter força sobre-humana... Eu sempre quis ser um.

- Pois é, essa história de glamour é equivocada. Coisa que o cinema botou na cabeça das pessoas. Ser vampiro é um fardo.

- Olha, se você quer que eu o mate, explique-me porquê.

- Tá certo, você tem esse direito. Olha pra mim um pouco. Tá me achando um cara charmoso e bem arrumado?

- Não, na verdade você parece um mendigo.

- Claro. A gente não tem reflexo no espelho. Sabe o que é isso? Jamais conseguir me arrumar sem alguém pra me ajudar. Não consigo enxergar a minha própria aparência. Condenado a ser feio por toda a eternidade.

- Mas é só por isso? Contrata uma maquiadora e deu.

- Não é só isso. Eu tenho mais de duzentos e cinqüenta anos. Estou aqui desde antes da Revolução Francesa. Desde antes da Independência do Brasil. Já vi demais deste mundo. Cansei. Ao invés de melhorar, o mundo fica cada vez pior. Não dá pra competir com essa concorrência.

- Tem muitos outros vampiros por aí?

- Até tem, mas não é a questão. A concorrência que digo são dos próprios seres humanos. Eles são mais vampiros que nós. A gente só suga sangue das pessoas para sobreviver. Eles, vocês, sugam tudo do mundo pela própria ganância.

- Mas e daí? Eu também vejo isso todos os dias e não quero me matar.

- Você viu isso por vinte e sete anos da sua vida. Eu vi por duzentos e setenta e três. Vi e vivi a pequenez do homem por tempo demais. Cansei.

- Entendo.

- Claro, tem ainda outras coisas, como a solidão. Até consigo ir a festas a fantasia e levar garotas pra um motel. Vampiro tem necessidades. Mas...

- Mas o quê?

- Mas eu sempre tenho que sair antes do sol nascer. Aí depois elas me ligam perguntando por que eu fugi e coisa e tal. Vou responder o quê? Que sou um vampiro?

- E como você quer que eu o mate?

- Do único jeito que a gente pode morrer.

- Alho?

- Claro que não. Odeio alho, mas não me faz mal nenhum. Odeio porque me deixa com mau hálito.

- Então como?

- Estaca.

- Estaca?

- Estaca. Bem no meu coração.

- Então nisso Hollywood acertou.

- Sim, estaca funciona.

- E por que eu? Por que eu fui o escolhido para matar você?

- Porque você é meu último descendente.

- Quê? Como assim?

- Sim, é verdade. Tenho acompanhado minha família ao longo dos séculos. Até aqui. Eu sou seu sei lá quantos tataravô.

- Não acredito.

- É verdade.

- E só alguém da família pode matar um vampiro?

- Claro que não. Da onde você tirou isso?

- Sei lá, eu pensei que...

- Não, nada a ver. Pára de falar merda. Qualquer um pode matar um vampiro.

- Então?

- Só quero que seja alguém da família.

- Mas não te considero família.

- Não me interessa o que você considera ou não. Você é da família. Quero ser liberado por alguém do meu próprio sangue.

- Sim. Tenho alguma opção?

- Claro.

- Qual?

- Ou me mata ou eu sugo teu sangue.

- Não são exatamente duas boas escolhas.

- É a vida.

- Ok, eu faço.

- Muito obrigado.

- Mas com uma condição.

- Qual?

- Ficar amarrado aqui me deixou com uma dor nas costas.

- E?

- Depois que você morrer, posso ficar com sua cama king size?

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

hauauahuahuahua xD

Gostei!

6:03 PM  

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