Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Monday, May 21, 2007

Apenas um Trabalho

Tudo o que ele queria uma cerveja. Nem precisava ser gelada. A intenção era somente que seu paladar sentisse o gosto amargo da cevada enquanto, sentado no balcão, pensaria na vida. Foi o que fez, cotovelos apoiados na madeira desgastada e fedorenta. Dois olhos fechados que enxergavam mais do que ele queria, revivendo as imagens dos erros que cometera durante os últimos dias.

Foi então que ele a viu. Sentada em uma mesa no canto, solitária, com uma Cuba Libre diante de si. A bebida parecia abandonada sobre a mesa, enquanto ela tragava seu cigarro com um estilo que ele jamais havia presenciado. Linda, ele pensou, nunca daria bola pra mim. Mas bem que ele precisava. Fazia mais de oito meses que não sabia o que era estar com uma mulher. Nesse momento da sua vida, com todos os problemas, aquilo seria um alívio.

Para surpresa dele, os olhares se cruzaram. Três segundos depois, ela levantou e foi na direção dele. Era mais bonita do que ele imaginava. Apesar de pequena em altura, tinha tudo no lugar. Seios firmes que sutilmente subiam e desciam a cada passo, ansiando por escapar de um vestido que só poderia ser alguns números menor. Pernas que fizeram-no pensar no desperdício que seria se permanecessem juntas por toda a noite. E o rosto. Que rosto.

- Tudo bem? – perguntou ela, com uma voz angelicamente maliciosa, enquanto sentava ao lado dele, cruzando as pernas.

- Oi – ele respondeu, ainda incrédulo que uma mulher daquelas estivesse dando-lhe atenção.

- Tudo bem com você? Parece meio abalado.

- Sim, estou com alguns problemas.
- Quero ajudar – disse ela, com um olhar que quase o fez derrubá-la no chão e possuí-la ali mesmo.

- O que você faz num lugar desses? – ele indagou, tentando descobrir por que uma mulher daquelas estava solitária em um bar de segunda categoria.

- Estou trabalhando.

Puta, pensou ele. Só podia.

- Legal. E o que você faz?

- Resolvo problemas.

- Tipo o meu?

- Tipo o seu.

Ele deu mais um gole da cerveja já quente. Perguntou:

- Quanto você cobra?

- O suficiente para deixar o cliente satisfeito.

- E se eu for exigente?

- Eu dou conta.

Ela ainda segurava o cigarro. Era tão linda que, saindo da boca dela, o cheiro da fumaça parecia um perfume.

- Por que não vamos para outro lugar? – ofereceu ela.

- Tipo onde?

- Seu apartamento.

- Agora?

- Agora.

Trocaram um rápido olhar e, sem mais nada dizer, levantaram-se. Ele jogou uma nota de alto valor sobre o balcão, sem pensar na gorjeta que dava. Saíram do ambiente esfumaçado para a rua fria. Ela colocou o casaco e passou o braço por entre o dele.

- Onde está seu carro? – ela perguntou.

- Logo ali.

A noite escura de inverno estava silenciosa. Passaram pelos restos de um cachorro atropelado na rua, o que fez voltar à mente dele as imagens que o perturbavam. Ninguém estava por perto.

Chegaram ao carro. Ele desligou o alarme e ela o puxou, ficando de frente um para o outro. Os rostos distanciavam-se apenas alguns centímetros. Ele ansiava por um beijo.

Ela o trouxe para mais perto de si e colou os lábios nos dele. O frio foi esquecido por breves e quentes segundos. O braço direito dela subiu, envolvendo o pescoço dele.

A faca entrou com a facilidade de quem já sabe o que faz. Na nuca, em um movimento de baixo para cima. Pouco sangue, morte rápida e eficiente.

Ela afastou o rosto do dele. A vida se esvaía lentamente daqueles olhos que viram e erraram demais. Ela adorava este momento, esta visão. Deleitava-se no poder que sentia ao ser responsável por uma morte.

O corpo caiu já sem vida. Ela olhou em volta, retirou a faca e a limpou. Luvas e roupas continuavam limpas como antes. Enrolou a arma em um saco plástico, guardou-o na bolsa e partiu.

Ele ficou deitado na rua, a apenas alguns metros da carcaça do cachorro atropelado.

Mais um contrato bem cumprido, ela pensou.

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

O próprio demônio...
;o)

11:18 AM  
Blogger Dinha said...

Acho que a licitação tem te deixado um tanto cirúrgico e sangüíneo ultimammente... hehehe

5:24 AM  

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