Terra de Maravilhas
Assisti recentemente a um filme chamado Crimes em Wonderland. A obra enfoca um período da vida do ex-astro pornô John Holmes (que, segundo o filme, comeu aproximadamente 14.000 mulheres), quando, já em decadência, envolveu-se no assassinato de quatro pessoas. A peça cinematográfica é interessante, mesmo sem oferecer nada de sensacional, e merece uma olhada somente pela interpretação de Val Kilmer no papel principal e pela linda Kate Bosworth.
Mas esse texto não é sobre o filme. Como bom cinéfilo, estava vasculhando pelos extras do DVD, tentando encontrar algo de interessante, quando me deparei com uma seção que dizia "Imagens da cena do crime", ou algo parecido. Pensei: "Legal, vai dar pra ver como era o apartamento verdadeiro, onde aconteceram os crimes". Não sei por que razão, mas achei que eram imagens do local, apenas para curiosidade dos cinéfilos. Acreditava que não seria nada mais do que isso.
Estava errado. Para minha surpresa, a seção do DVD era uma filmagem realizada logo depois dos assassinatos. Feita pela polícia, mas sem terem tocado em nada da cena do crime. De baixa qualidade – afinal, trata-se de uma gravação amadora e feita em 1981 –, a fita de aproximadamente meia hora é mórbida ao extremo, mostrando em detalhes as manchas de sangue na parede, chão e sofás, os móveis revirados e, o que realmente me chocou, os corpos desfigurados.
O tais crimes em Wonderland foram assassinatos brutais, sem piedade. Não foram crimes, digamos, "limpos", como um tiro no peito ou estrangulamento. As vidas das quatro pessoas foram tiradas a porradas, tendo suas cabeças dilaceradas com pedaços de pau. E esse extra do DVD não poupa o espectador disso tudo. Eu havia recém assistido à história cinematográfica, conhecia toda a trama, sabia dos assassinatos, tinha visto até a encenação do crime. Mas aqueles vinte e poucos minutos assistindo ao cenário real de tudo aquilo teve, em mim, um impacto muito mais forte do que as quase duas horas de filme.
No entanto, assisti a tudo, do início ao fim. Por quê? Não sei. Fazia essa pergunta a mim mesmo a cada segundo, cada vez que a câmera ia de um aposento para outro e mostrava mais sangue e corpos sem vida. Por mais que aquilo me chocasse, não conseguia desviar a atenção daquelas imagens grotescas. Cheguei a cogitar que eu poderia ser uma espécie de sádico, que, por baixo de toda a minha aparência pacata e pregadora da não-violência, morasse algum obscuro adorador de sangue e tripas.
Mas aí pensei melhor. Não é só comigo que isso acontece. A violência exerce, sim, um fascínio sobre o ser humano. Gostamos de ver sangue. Adoramos assistir pessoas brigando. Morte vende. Assassinatos dão lucro. Para nos sentirmos seguros, para sermos tomados pela ilusão de imunidade, acompanhamos a violência em terceiros, em pessoas desconhecidas. Isso, de alguma forma, faz a gente se sentir melhor com nós mesmos.
É como se, olhando para esse banho de sangue, possamos nos reconfortar, liberando essa nossa necessidade intrínseca pela violência. Talvez todos tenhamos uma "besta humana", para usar o termo concebido por Émile Zola, dentro de nós, sempre pronta para atacar e cometer atos dessa natureza. Por isso somos atraídos por coisas como o citado extra do DVD, que alimenta esse nosso algo interior, impedindo-o de aflorar. Assistimos sangue, morte e violência, mesmo com repulsa, para não cometermos tais atos. Ou, quem sabe, para tentarmos nos iludir de que tudo isto está longe de nosso dia-a-dia. De que estamos seguros do outro lado da tela ou das revistas e jornais.
Nesse caso, é difícil chegar a alguma conclusão. A única coisa certa é que este fascínio existe e vai continuar existindo por muito tempo, como bem sabiam os produtores que colocaram aquele filmezinho macabro nos extras de Crimes em Wonderland.
2 Comments:
Somos todos predadores. Um viva aos nossos instintos e nossa inteligência que cria formas de detê-los.
Caro Silvio eu também assisti esse filme com tamanha repulsa, ai!
Me lembro da agonia que eu estava ao ver as cenas fictícias do crime. Não vi os extras por já estar apavorada com a estupidez e violência da raça humana. Mas, concordo contigo somos consumidores de sangue e massacre, principalmente alheios.
Um beijo.
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