Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Wednesday, November 19, 2008

Fio de esperança.

Ninguém poderia supor, ao me ver entrar no escritório naquela terça-feira, que até o final do dia eu estaria morto.

Na realidade, ninguém se preocupava. Ser chefe tem dessas. Por mais que você ache que seus funcionários são seus amigos, eles estão nem aí. Enquanto a grana deles estiver na conta no fim do mês, preferem evitar qualquer contato. O mito da medusa. Olho no olho e podem virar pedra.

A minha morte não foi planejada. Não. Não acordei aquela manhã sem querer saber as manchetes do dia seguinte no jornal. Para mim, era um dia como qualquer outro. A chatice do trabalho. Ter que comandar um bando de incompetentes que nem sabe direito para que funciona o seguro que vende. A mesma merda em casa, com a esposa no ouvido enquanto o guri corre gritando com aquela voz insuportável. O mesmo CD tocando pela milésima vez no engarrafamento.

Um dia especial como qualquer outro.

Exceto que, ao final, eu estaria morto.

É difícil se olhar e ver que, aos quarenta e nove anos, tudo o que você fez pelo mundo foi abrir uma empresa que corrige as cagadas das pessoas. O playboy metido a machão que bate o Audi que ganhou do papai ao se exibir pros amigos. O executivo que se acha o super-herói e dirige depois de beber no puteiro. O apressadinho que costurava o trânsito para não se atrasar pro encontro com a amante. É pra esses merdas que eu trabalho. Pra eles eu pago. Para que esqueçam seus erros e os cometam tudo de novo.

Tudo bem, tinha um filho. E daí? Somente mais um perdedor pra passar três quartos de sua existência dentro de um escritório. Mais uma pessoa que vai fazer as mesmas merdas que milhões fizeram antes dele. E, caso ele construa alguma coisa, vai jogar tudo fora por causa de uma mulher que vai enlouquecer sua cabeça.

Estudar. Trabalhar. Procriar. Morrer.

Nada mais do que isso.

Na mais do que já fiz.

Exceto morrer. Ainda não tinha morrido. Ou melhor, tinha. Morrido todos os dias. Pelo menos, era assim que me sentia. Só faltavam os vermes devorando meu corpo. Só faltava a areia entrando por cada um dos meus poros. A morte, como dizem os cientistas, física. Porque de resto eu já era

Mas aconteceu. À noite. Voltando pra casa. Aquele filho da puta que passou o sinal vermelho e bateu em cheio na minha porta.

Sim, filho da puta. Um fato que me dou conta só agora. Por mais que eu odiasse toda aquela minha vida, não queria morrer.

Hoje, vejo que é porque eu ainda tinha esperança de poder fazer algo. Tinha a esperança de mandar tudo pro inferno e viver vendendo drinques na beira de uma praia paradisíaca. Tinha a esperança de mudar.

Agora, nem isso eu tenho.

Nada mais.

Nessas horas agradeço por já estar morto.

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