Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Thursday, June 14, 2007

O Pagamento

Não se pode dizer que assassino de aluguel sempre foi a carreira dos sonhos de Augusto. Quando criança, nas aulas da tia Rejane, ele jamais levantou a mão dizendo que queria matar pessoas quando crescesse. Mas, agora, ali estava Augusto, prestes a cumprir seu primeiro serviço. Aos vinte e sete anos, deixava de ser limpador de piscinas para iniciar uma nova carreira.

Cauteloso, utilizando as táticas de invisibilidade que aprendera em livros e filmes, Augusto caminhava pela casa de dois andares. A escuridão era total. Quando chegou à cozinha, Augusto escutou algo. Retirou seu revólver e aguçou os sentidos. O som vinha de um aposento próximo, de onde saía a única luz no local.

Augusto encostou o corpo contra a parede e pôs-se a espiar a sala. Um homem de aproximadamente quarenta anos e bastante acima do peso estava sentado no sofá. Diante de si, uma pequena mesa de vidro e um pano branco estendido desleixadamente. Sobre o pano, uma arma.

Era o alvo. Mas o que diabos fazia ele com aquela arma? Augusto não chegou a ficar com medo, mas teve a certeza de que seu próximo movimento deveria ser executado com perfeição. Caso contrário, o homem poderia reagir.

Continuou observando atentamente. O homem chorava e olhava para a arma. A televisão à sua frente estava desligada, assim como o rádio ao lado. Quando o homem levou as mãos aos olhos, Augusto avançou. Com a agilidade de um gato no escuro, em um segundo Augusto estava diante do homem.

- Parado! Não se mexa! – gritou Augusto.

Perplexo, o homem não se mexeu. Depois, perguntou:

- Quem é você? O que faz na minha casa?

- Fui contratado para matar você. E é o que vou fazer.

Neste instante, o homem começou a rir. Alguns segundos depois, já gargalhava, por algum motivo que fugia à compreensão de Augusto. Ansioso, ele ameaçou o homem:

- Cala a boca! Do que você está rindo?

O homem respirou fundo algumas vezes e relaxou. Ainda com uma arma apontada para seu rosto, disse:

- Você não vê como essa situação é ridícula?

- Ridícula? – indagou Augusto, com o sangue já fervendo nas veias. – Vamos ver se você vai continuar achando ridículo após levar uma bala no meio do nariz.

- Cara, você não notou nada? – perguntou o alvo.

- Não preciso notar nada. Só estou aqui pra cumprir meu trabalho e ir embora.

- Por que acha que estou com essa arma na mesa aqui na minha frente?

Augusto olhou para o objeto mortal sobre a mesa. Não disse nada. O homem prosseguiu.

- Eu estava prestes a me matar, cara. Enfiar uma bala na minha cabeça. Partir desta pra melhor por minha própria vontade. Você está ameaçando matar um cara prestes a se matar. Entendeu por que a situação é ridícula?

Diante desta exposição dos fatos, Augusto ficou sem ação. Não sabia como agir. Atirava no homem ou não? Fora contratado para cometer um assassinato. Seu primeiro. Não queria que fosse dessa forma, com o consentimento do alvo. Pela inexperiência, nem sabia se matando nessas circunstâncias ainda receberia o pagamento.

- Então, meu amigo, ou você aperta o gatilho ou eu faço isso. Pra mim, qualquer opção está ótima.

Augusto continuava pensando, olhando fixamente para o homem. Ficaram em posição estática por alguns segundos até que o homem lentamente foi em busca da arma na mesa.

- Nem pense nisso! Não se mexa! – esbravejou Augusto.

- Vai fazer o quê? – disse o alvo. – Me matar? Vá em frente.

Pensando rápido, Augusto atirou. Porém, mirou na coxa esquerda do homem. O corpo pesado pareceu ter dado um pulo para trás, enquanto o homem levava as mãos à perna grossa e urrava de dor.

- Desgraçado! Filho da puta! Por que fez isso?

- Você vai esperar até eu definir o que fazer. Se não me obedecer, eu atiro na outra perna – Augusto explicou, pegando a arma do homem sobre a mesa e guardando-a dentro da calça.

- Filho da puta!

Ainda apontando a arma para o homem, Augusto pegou seu celular e discou. Esperou alguns segundos, enquanto o alvo continuava esbravejando.

- Alô... Não, ainda não está feito. Tive um contratempo... Não, nada sério, mas... Sim, eu sei... Mas é que foi algo inesperado... Ele estava prestes a se matar... É verdade... Na hora que eu cheguei, ele iria dar um tiro na própria cabeça... Não sei o motivo, você deve saber melhor que eu... Sim... Aqui?... Agora?... Por quê?... Tudo bem, eu espero.

Augusto desligou. O homem já não gritava mais, a dor parecia ter diminuído.

- Nós vamos esperar – disse Augusto.

- Esperar? Esperar o quê? Eu não vou esperar nada! – gritou o homem.

- Quer levar uma bala na outra perna?

O gordo não respondeu.

- Então espera – completou Augusto.

Com a situação sob controle, Augusto sentou numa poltrona ao lado do sofá, agora cheio de sangue. Continuava apontando a arma para o alvo. O homem cuja vida deveria tirar.

- Até quando vamos esperar? – indagou o homem. Augusto não respondeu. Ele tentou de novo: - Quem o contratou? Por que me querem morto?

Nada. Augusto nem esboçava reação.

- Olha, eu estou morto mesmo. Se não for pelas suas mãos, será pelas minhas. Só quero saber quem o contratou. Eu tenho esse direito.

- Você já vai saber.

Cinco minutos depois, Augusto e o homem ouviram um barulho de carro.

- Ela chegou – disse Augusto.

- Ela? – espantou-se o alvo. – Quem é ela?

Augusto abriu a porta da sala. Uma mulher bem vestida, de uns trinta e cinco anos, mas esforçando-se para parecer mais nova, entrou na casa.

- Olá, Ricardo – disse ela, dirigindo-se ao homem com uma bala na perna sentado no sofá.

- Clarice! – assustou-se o homem cujo nome era Ricardo. – O que você faz aqui?

- Não interessa o que faço aqui. É verdade que você iria se matar?

Ricardo olhou para Augusto, que observava tudo a uma certa distância, ainda com a arma na mão.

- É – confirmou Ricardo, baixando os olhos.

- Mas por quê? Foi pelo que aconteceu entre nós?

- Clarice, você que eu sempre vou te amar. Não consigo viver longe de você. Prefiro esta saída.

Os dois ficaram um tempo se olhando. Em seguida, Clarice levantou e começou a caminhar pela sala, sob os olhares atentos de Augusto e Ricardo. Ela parecia pensar em algo distante, alheia a tudo. De súbito, voltou-se na direção de Ricardo, ajoelhou-se na frente dele colocou uma mão em cada joelho do homem.

- Ricardo, me desculpe – disse, soluçando.

- Já tinha te desculpado, Clarice. Você me traiu, mas eu já tinha te desculpado. Foi você quem quis se separar.

- Não, Ricardo. Peço desculpas por isso – Clarice fez um gesto na direção de Augusto, que não entendia nada.

- Como assim? – perguntou Ricardo.

- Eu contratei o Augusto para matá-lo.

Ricardo arregalou os olhos e saltou para trás no sofá. Parecia ter levado outro tiro. A incredulidade estava expressa em cada linha do seu rosto. Recobrou a respiração antes de falar.

- Desconfiei. Mas... Mas... por quê?

- Dinheiro. Seu seguro de vida. Eu precisava dele.

- Não acredito, Clarice! Você me queria morto?

- Não! Essa é a questão. Eu achava que o queria morto. Mas quando o Augusto ligou dizendo que você queria se matar, eu comecei a pensar melhor. Não quero o dinheiro. Quero a gente de novo.

Por alguns segundos, Ricardo e Clarice apenas se olharam. Um grito quebrou o silêncio.

- Ei!

Era Augusto, novamente com a arma em punho, agora apontada para os dois.

- Que história é essa, Clarice? – prosseguiu Augusto. – E nós?

- Vocês? – perguntou Ricardo. – Que história é essa de vocês? Peraí, de onde vocês se conhecem?

- Vai, Clarice. Conta pra ele. Conte antes de eu atirar na outra perna desse gordinho.

Ricardo virou seu olhar para Clarice. Não entendia o que estava acontecendo ali.

- Clarice? – perguntou Ricardo.

Clarice levantou e afastou-se alguns passos. Voltou-se para Ricardo e disse:

- Foi com o Augusto que eu traí você. Depois, ele se ofereceu para matá-lo pra gente ficar com o dinheiro e eu topei.

- Meu Deus! – exclamou Ricardo, sem acreditar em seus olhos e ouvidos.

- Mas eu mudei de idéia, meu amor – suplicou Clarice, correndo de volta para os joelhos de Ricardo. – Não quero mais. Quero passar o resto da minha vida com você. Quero que você me perdoe.

- Clarice, espero que você esteja brincando. Porque, se estiver falando sério, não sei até quanto tempo vou conseguir segurar este gatilho – ameaçou Augusto.

- Desculpe, Augusto. Desculpe mesmo. Mas eu amo o Ricardo. Quero ficar com ele. Pode ir embora.

Mal ela terminou a frase, seu cérebro já estava espalhado por todo o colo de Ricardo. Augusto atirara.

Ricardo estava apavorado. Não sabia o que fazer. Tinha uma bala alojada na perna, a mulher amada em seu colo com a cabeça aberta, sangue para todo lado e um assassino de aluguel com uma arma apontada para seu rosto.

- Vocês pediram por isso – disse Augusto.

- Espere. Eu te dou o dobro do que ela te pagou. Não quero morrer – foi o apelo de Ricardo, em meio a lágrimas.

- Ela não iria me pagar em dinheiro.

Atirou. Uma única vez, bem na testa de Ricardo. O sangue voou para a parede branca.

Augusto demorou para se mexer. Quando o fez, foi até o corpo de Clarice, que tanto o havia prometido.

- Puta – falou, entre os dentes.

Levantou-se, limpou suas digitais e colocou a arma na mão dela. Logo depois, saiu pela rua, nenhuma lágrima escorrendo. Rosto impassível.

Fizera o serviço. Porém, o pagamento que levaria para casa agora jazia sobre o tapete, envolto em uma poça de sangue escuro.

2 Comments:

Blogger Pree said...

Quando tu vai lançar teu livro?
bj

8:22 PM  
Blogger Ferla said...

Silvio e sua histórias! auhAUhUAhUhauh
fico massa! ;)

6:09 AM  

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