Agressores
Parte 1
Margarete não pegava o ônibus todo dia, mas não se podia dizer que era inexperiente. Pelo menos algumas vezes por semana ela requisitava os serviços do transporte coletivo, para voltar à sua casa e passar o resto do dia na companhia dos dois filhos e do marido. Naquela quinta-feira em particular, Margarete se atrasou um pouco no trabalho. Quando chegou à parada, estava vazia. Normalmente, esperava o ônibus na companhia de bastante gente, o que dava uma sensação de segurança. Agora estava sozinha em um local pouco iluminado.
Com os músculos retesados e olhar sempre atento, Margarete esperou pelo ônibus que não vinha. Alguns minutos depois, ela recebeu companhia. Um jovem negro, de aproximadamente vinte anos, calça jeans azul, tênis branco e camiseta colorida parou ao seu lado. Trazia um embrulho na mão direita. Uma arma, pensou Margarete.
O rapaz não disse nada e não chegou muito perto, parando a aproximadamente dois metros de distância. Margarete não olhou para ele. Empertigou-se ainda mais, firmou a bolsa debaixo do braço e fixou o olhar em um ponto à frente, tentando espiar com o canto do olho. Ela estava pronta para correr. Ao menor movimento do rapaz, sairia em disparada.
Arrependeu-se de não ter chamado um táxi. Gastaria um pouco mais, mas agora estaria em segurança ao invés de correr o risco de ser assaltada por um pivete qualquer com uma arma na mão. Queria olhar para o relógio para ver quanto tempo o ônibus já demorava, porém teve receio de mostrar que carregava um objeto de valor em seu pulso. Seria apenas mais um atrativo para o trombadinha assaltá-la.
Notou que sua perna tremia. Margarete nunca havia sido assaltada. Esta seria a primeira vez. Pelo canto do olho, que continuava atento para cada movimento do jovem, viu ele se mexer. Sua mente começou a pensar em alguma maneira de fugir. Sair correndo? Gritar? Reagir? Mas não se moveu. Ficou parada, com medo, no mesmo lugar. O garoto chegava mais e mais perto. Era agora.
- Tia, sabe que horas são? – perguntou o garoto, agora bem próximo dela.
Ela não sabia o que responder. Não conseguia responder. Seu corpo não se mexia, apenas aguardando a retirada da arma que ameaçaria a sua vida. Suava frio e o coração batia como nunca.
Um ônibus parou. Margarete não viu a linha ou o destino. Encarou o transporte como salvação e pulou para dentro. Respirou fundo e, enquanto o ônibus partia, olhou pela janela. O garoto continuava na parada, olhando para ela. Ele tinha algo estranho no olhar. Ainda tinha o embrulho na mão direita.
Margarete não pegava o ônibus todo dia, mas não se podia dizer que era inexperiente. Pelo menos algumas vezes por semana ela requisitava os serviços do transporte coletivo, para voltar à sua casa e passar o resto do dia na companhia dos dois filhos e do marido. Naquela quinta-feira em particular, Margarete se atrasou um pouco no trabalho. Quando chegou à parada, estava vazia. Normalmente, esperava o ônibus na companhia de bastante gente, o que dava uma sensação de segurança. Agora estava sozinha em um local pouco iluminado.
Com os músculos retesados e olhar sempre atento, Margarete esperou pelo ônibus que não vinha. Alguns minutos depois, ela recebeu companhia. Um jovem negro, de aproximadamente vinte anos, calça jeans azul, tênis branco e camiseta colorida parou ao seu lado. Trazia um embrulho na mão direita. Uma arma, pensou Margarete.
O rapaz não disse nada e não chegou muito perto, parando a aproximadamente dois metros de distância. Margarete não olhou para ele. Empertigou-se ainda mais, firmou a bolsa debaixo do braço e fixou o olhar em um ponto à frente, tentando espiar com o canto do olho. Ela estava pronta para correr. Ao menor movimento do rapaz, sairia em disparada.
Arrependeu-se de não ter chamado um táxi. Gastaria um pouco mais, mas agora estaria em segurança ao invés de correr o risco de ser assaltada por um pivete qualquer com uma arma na mão. Queria olhar para o relógio para ver quanto tempo o ônibus já demorava, porém teve receio de mostrar que carregava um objeto de valor em seu pulso. Seria apenas mais um atrativo para o trombadinha assaltá-la.
Notou que sua perna tremia. Margarete nunca havia sido assaltada. Esta seria a primeira vez. Pelo canto do olho, que continuava atento para cada movimento do jovem, viu ele se mexer. Sua mente começou a pensar em alguma maneira de fugir. Sair correndo? Gritar? Reagir? Mas não se moveu. Ficou parada, com medo, no mesmo lugar. O garoto chegava mais e mais perto. Era agora.
- Tia, sabe que horas são? – perguntou o garoto, agora bem próximo dela.
Ela não sabia o que responder. Não conseguia responder. Seu corpo não se mexia, apenas aguardando a retirada da arma que ameaçaria a sua vida. Suava frio e o coração batia como nunca.
Um ônibus parou. Margarete não viu a linha ou o destino. Encarou o transporte como salvação e pulou para dentro. Respirou fundo e, enquanto o ônibus partia, olhou pela janela. O garoto continuava na parada, olhando para ela. Ele tinha algo estranho no olhar. Ainda tinha o embrulho na mão direita.
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Parte 2
Quando Jefferson saiu do trabalho, a festa de aniversário de sua irmã caçula já havia começado. No início do dia, ela havia feito Jefferson prometer que estaria lá, que comemorariam juntos. Caminhava com velocidade em direção à parada de ônibus para não perder o próximo. Na mão direita, uma boneca – presente para a irmã comprado com seu próprio salário, embrulhada em um papel de presente.
Na parada, apenas uma mulher. Aparentava ter uns quarenta anos e estava bem vestida. Saia longa que ia até as canelas, bota e uma blusa vermelha. Os cabelos loiros caíam ao longo do corpo e segurava uma bolsa firme debaixo do braço. Ela não olhou para Jefferson e ele desistiu de cumprimentá-la. Permaneceu a alguns metros de distância, esperando o ônibus.
Só pensava na festa da sua irmã, acontecendo longe dele. Precisava saber as horas, mas estava sem relógio. Pensou em perguntar para a mulher que estava na parada, mas havia algo estranho nela. Jefferson não sabia bem dizer o que era. Ela parecia nervosa, com medo de alguma coisa. Foi quando, pela primeira vez, passou pela cabeça de Jefferson que a moça poderia estar com medo dele. Com medo de que ele a assaltasse.
Notou que ela o observava com o canto do olho, tentando disfarçar. Fixava a visão em algum ponto fixo à sua frente, mas cuidava cada movimento de Jefferson. Como sempre acontecia, ele ficou constrangido. Decidiu não perguntar as horas para não deixar a mulher ainda mais apavorada. Tentou esquecer a decepção pensando na sua irmã que o esperava.
Mas o ônibus não vinha. Passaram-se alguns minutos e nada. Jefferson começava a ficar ansioso. Olhou para a mulher e viu que ela estava um pouco mais relaxada. Parecia estar consciente de que Jefferson nada faria. Decidiu perguntar. Lentamente, aproximou-se, para não assustar a moça. Mas, a cada passo seu, ela se enrijecia novamente. Quanto mais próximo ele chegava, mais ela parecia ficar nervosa. Mas agora já tinha percorrido metade do caminho. Iria até o fim.
- Tia, sabe que horas são? – perguntou da forma mais suave possível.
A mulher não respondeu. Apertou ainda mais a bolsa sob o braço, provavelmente com receio de que Jefferson a roubasse. O corpo dela parecia tremer e Jefferson viu que ela não responderia. Quando começava a voltar para o lugar de antes, um ônibus chegou. Em um átimo de segundo, a mulher pulou para dentro do coletivo.
Antes de partir, Jefferson conseguiu cruzar seu olhar com o dela. A expressão da mulher era de puro medo. A de Jefferson era de vergonha. Não tinha culpa, mas a vergonha o dominava. Sentia-se desprezado, menor. Sentia-se rejeitado.
Algum tempo depois, estava em casa. Aproveitou a festa da irmã e, antes de dormir, ficou longos minutos se olhando no espelho. O acontecimento de poucas horas antes havia mexido com ele. Jefferson não havia feito nada, mas a mulher o tratara como um criminoso. Foi dormir pensando em muitas coisas. Foi dormir dolorido, como que agredido por algo além da sua compreensão.
*Idéia retirada de um capítulo do livro Cabeça de Porco, de MV Bill e Celso Athayde.
1 Comments:
Paradoxal, instigante, reflexivo, brilhante.
Parabéns! Adoro teus textos.
Beijo
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