Convicções
- Henrique, você realmente não acredita em Deus?
- Não, não acredito.
Henrique já perdera as contas de quantas vezes entrara nessa discussão. Por que era tão difícil para as pessoas respeitarem a sua opinião? Por que, sempre que o assunto era levantado, alguém tentava convencê-lo do contrário, em um colóquio que terminaria no mesmo lugar?
Estava num bar perto da sua casa, tomando cerveja com Marina, uma amiga de longa data, e Carla, amiga de Marina e recém-apresentada a Henrique. Foi Carla quem fez a pergunta a ele, que não estava nem um pouco disposto a entrar mais uma vez nesse assunto.
- Mas por quê? Como? – insistiu Carla. – Você realmente acredita que tudo isso aqui veio do nada?
- Olha, pra falar a verdade, não sei de onde veio. Acho que ninguém sabe e talvez jamais saberemos. Mas acreditar que um cara lá em cima, em um momento de tédio, decidiu criar o mundo, é uma solução simples e fácil demais, não acha?
- Não, não acho. Não posso crer que ainda existem pessoas que pensam dessa forma. Eu olho à minha volta e acho inevitável chegar à conclusão de que tudo foi concebido por alguma inteligência superior.
- E quem concebeu essa inteligência superior? – indagou Henrique, de forma um tanto apática, como se já tivesse seguido esse mesmo roteiro milhares de vezes antes. – Se tudo foi concebido por uma inteligência superior, de onde surgiu essa inteligência superior?
- Desde sempre. Deus é eterno, sempre existiu. Não surgiu em uma explosão de átomos ou sei lá o quê.
- Pois se você consegue aceitar o fato que Deus sempre existiu, deve aceitar o fato de que alguma coisa, talvez um átomo, como você mesmo colocou, possa ter existido desde sempre.
Marina apenas observava a conversa de Marina e Henrique. Ela própria já havia acompanhado o amigo falar sobre isso diversas vezes, inclusive de forma muito mais apaixonada do que defendia agora a sua opinião.
Enquanto isso, Carla continuava tentando convencer Henrique de que seu ponto de vista era o correto.
- E a morte, então? Se você acha que não existe uma força maior, é porque tudo acaba no exato instante em que perdemos a vida.
- Talvez.
- Mas, então, qual o sentido de tudo isso? Por que estamos aqui se este não é apenas um estágio, uma passagem? – perguntava Carla.
- Eu não sei, Carla. Essa é a questão. Nem você sabe. Tudo isto que você está falando se baseia em fé, em crença. Ninguém tem fatos concretos sobre isso. O que eu sei é que não existe Deus lá no céu. Não existe um São Pedro lhe esperando na entrada do Paraíso.
- Isso do São Pedro no portão todo mundo sabe que é brincadeira. Mas e os milagres que acontecem ao redor do mundo? Todos estes acontecimentos que apenas são explicados através da fé?
- Isso não é verdade. Cada vez mais surgem explicações racionais para estes eventos. O poder da mente humana é incomensurável. É tão poderosa que conseguiu criar um personagem que conseguisse tornar a vida de todos mais fácil. No caso, Deus.
Carla balançou a cabeça. Olhava para Marina, como se pedindo ajuda. Esta apenas dava de ombros, como se dizendo que esta briga não era com ela.
- Não estou acreditando nisso – continuou Carla. – Você é cético demais.
Henrique tomou mais um gole de sua cerveja, sem dizer nada.
- E Jesus? Vai dizer que também não existiu?
- Não vou. Acho que ele existiu, sim. E foi um grande homem. Um líder e um ser evoluído. Mas filho de Deus... Nessa eu não caio.
- Mas e tudo o que ele fez? Você que...
Pela primeira vez, Marina se manifestou, interrompendo a conversa.
- Ai, gente. Sei que é um assunto interessante e sempre válido pra discussões. Mas eu te conheço, Henrique. E eu te conheço, Carla. Vocês vão ficar nessa por um bom tempo e nenhum vai mudar de opinião. Então, podemos falar sobre outra coisa?
Henrique e Carla olharam para Marina. Ele, com um olhar, agradecia à amiga pela intromissão. Já Carla gostaria de continuar, mas cedeu aos apelos da amiga.
- Marina está certa. – falou Henrique. – Eu respeito a sua opinião, Carla. Acho que é um direito seu acreditar e eu não tenho nada a ver com isso. Mas eu não acredito em Deus. Para mim, ele não existe e não faz a menor diferença na minha vida.
O trio continuou conversando, em meio às cervejas e petiscos, por um bom tempo e sobre os mais diversos temas.
À noite, já em casa, Henrique voltou a pensar no assunto. Enquanto deitava na cama, tentava lembrar de quantas vezes já tivera aquela discussão. Não poderia dizer com precisão. E, ao contrário do que seus debatedores pretendiam, a cada vez ele saía mais convicto de suas posições.
Apagou a luz do abajur ao lado e virou-se para dormir. Pensou mais um pouco e, com a mão direita, fez o sinal da cruz.
Por via das dúvidas, pensou ele.
1 Comments:
Sodadi!
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