Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Wednesday, March 28, 2007

A Entrevista

- Sente-se.

- Ok.

- Então, sr. Leão. Posso chamá-lo de Carlos?

- Se quiser, pode. Mas por que você me chamaria de Carlos?

- Não é seu nome?

- Não.

- Mas diz aqui no currículo que você enviou que...

- Eu não enviei currículo nenhum.

- Como não? Você não está aqui pra entrevista de emprego?

- Não. Nem sabia que estavam entrevistando. Na verdade, nem sei o que essa empresa faz.

- Então o que você faz aqui? Por que estava sentado ali na recepção?

- Eu vim esperar o Adriano, a gente combinou de almoçar juntos.

- E por que não disse isso antes?

- E por que não perguntou isso antes?

- Porque eu chamei você, disse pra sentar e você não falou nada. Por que veio comigo até a sala?

- Achei que você queria bater um papo. Já li as revistas da recepção, então topei. Matar o tempo até o Adriano sair.

- Então você não está aqui pelo emprego? É isso?

- Isso depende.

- Depende do quê, criatura do céu? Você veio aqui pra quê?

- Pra comer.

- Quê?

- Já disse, vim pra almoçar com o Adriano, o meu amigo. Mas se você está oferecendo emprego, eu aceito.

- Não estou oferecendo emprego!

- Então por que me chamou aqui?

- Não te chamei! Quer dizer... Chamei, mas porque achei que você estava aqui pela entrevista de emprego.

- Quanto?

- Quanto o quê?

- Quanto vocês me pagam pra eu trabalhar aqui? Nunca vi uma oferta de emprego sem falarem do salário.

- Sr. Leão, Carlos, ou seja lá qual nome a pobre da sua mãe escolheu pra você. Não tem nenhuma oferta. Estou entrevistando pessoas pro cargo de gerente e você não veio pela entrevista. Então, cai fora.

- Já fui gerente.

- Como assim?

- Já fui gerente de banco e de lojas de eletrodomésticos. Posso começar amanhã, se quiser.

- Não vou contratar você.

- Por que não? Sou talentoso e estou desempregado.

- Se é talentoso, por que está desempregado?

- Porque as pessoas dão emprego pra gente que nem sabe com que está falando.

- Isso foi uma indireta?

- O “in” é por sua conta.

- Olha aqui, meu amigo, você está me desrespeitando. Por favor, se retire.

- Não vai me contratar?

- Por que eu iria te contratar?

- Porque sou talentoso e estou desempregado, já disse.

- Eu não faço questão de ter você aqui. Se você quer trabalhar, ligue e marque um horário para entrevista que falamos sobre isso.

- Por que ligar pra marcar um horário se já estou aqui?

- Porque você não veio pelo emprego. Veio pra almoçar com o Adílson e...

- Adriano.

- Adriano, que seja! Quando quiser trabalhar aqui, marque um horário que a gente conversa.

- Já estamos conversando, sem ter marcado horário.

- Isso não é conversa!

- Não? É uma viagem a dois pro Havaí, então?

- Digo... Claro que é uma conversa, mas não sobre emprego.

- É só a gente falar sobre o emprego.

- Agora não dá mais.

- Por que não? Só mudar o assunto. As pessoas fazem isso a toda hora.

- De qualquer forma, por que você iria querer trabalhar aqui?

- Cara, presta atenção: sou talentoso e estou desempregado.

- Talentoso em quê?

- Cara, você é burro. Já disse que fui gerente.

- Burro? Não vou admitir que me chamem assim. A conversa está encerrada.

- Ah, era mesmo uma conversa, então.

- Sim, era uma conversa. Não é mais. Adeus.

- Tá, estou saindo, não precisa empurrar.

- Saia já daqui.

- Pode pelo menos chamar o Adriano pra mim?

- Que Adriano? Aqui não tem Adriano.

- Como? Não é o Escritório Fedrizzi e Silva?

- Não! Claro que não! É Belizzi. Belizzi!

- Putz, errei o lugar. Foi mal, então.

- Adeus.

- Tchau. Até segunda.

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