Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Wednesday, April 23, 2008

Humanos, demasiadamente humanos.

Tem louco para tudo. Sabemos disso. Basta ler algumas notícias nos jornais que fica claro como a capacidade humana de surpreender não deixa de, bem, surpreender. Tento imaginar, por exemplo, o que pode levar um padre, um homem entregue a Deus e à religião, acordar um dia decidido a se amarrar a balões com gás hélio e sair voando por aí com o objetivo de entrar para o Livro dos Recordes.

Alguém consegue entender o que se passava na cabeça daquele cidadão? Talvez tenha levado muito ao pé da letra coisas como “subiu aos céus” e decidiu fazer o mesmo. O fato é que o caso do padre maluco e voador é só mais um exemplo dessa máquina fascinante, complexa e perturbadora que é o ser humano. Essa história, não fosse real e provavelmente tivesse causado a morte do religioso, seria digna de uma comédia pastelão, de um episódio do Chaves. O acontecimento é tão estapafúrdio que é difícil segurar o riso quando se ouve falar nisso.

Ok, posso estar sendo um pouco insensível com o padre fascinado com o mito de Ícaro, mas, de certa forma, senti até um pouco de alívio com essa notícia. Por quê? Simplesmente porque desviaram um pouco a atenção do caso sensacionalista envolvendo a morte da pequena Isabella. Não queria escrever nada sobre o assunto, até porque a mídia está dando cobertura muito mais que exagerada ao caso, mas acabei sentindo necessidade de colocar aqui algumas opiniões.

E, convenhamos, também não há como ficar mudo diante de cenas vergonhosas como a da turba em frente à delegacia pedindo justiça sem saber dos fatos, de crianças que nem sabem o que acontece segurando cartazes condenando os suspeitos (sim, até que provem o contrário, eles ainda são suspeitos) e da própria mídia julgando-os como culpados. Revista Veja, teu nome é irresponsabilidade!

Tá certo que tudo aponta para o pai e a madrasta, mas eles ainda não foram acusados formalmente. O que mais me surpreende não é o caso em si. Por mais monstruoso e incompreensível que seja, o assassinato de Isabella, sabemos, não é algo tão incomum assim. Isso acontece diariamente, com pais abandonando bebês em sacolas, crianças tirando a vida de outras crianças e tudo aquilo que sabemos que acontece, mas temos medo de admitir.

O que interessa tanto no caso é que, desta vez, o hediondo crime não ocorreu em uma favela dominada pela selvageria e falta de condições. Foi em um prédio da classe média, com uma família “aceita” pela sociedade. Foi um assassinato cometido por mim, por você e por aqueles do nosso meio. Os principais suspeitos são pessoas com as quais poderíamos ser amigos, convidar para um churrasco e bater papo sobre futebol e cinema.

Esta é a verdadeira razão do assassinato de Isabella estar ganhando tanto destaque. A multidão de imbecis que se amontoa em frente à delegacia para xingar o casal Nardoni não passa de conseqüência. Estes, sim, fazem parte de outra camada da sociedade, mais ignorante, e que viram nisso uma chance de aparecer na televisão. Nada mais que isso. É gente que, se estivesse frente a frente com Alexandre e Ana Carolina, certamente ficaria calada, mas em meio à multidão saciam a sede de sangue posicionando-se como verdadeiros justiceiros, defensores da moral e da ética sem nem ao menos saber o que isso significa.

Justiça. Justiça não é assumir o papel de capataz e condenar o casal a ser linchado publicamente. Eles já perderam uma filha. A vida deles já mudou para sempre. Justiça é deixar que tenham um julgamento idôneo, baseado em evidências, não em pré-julgamentos. Eles podem até ter cometido o crime, mas não cabe a mim, a você e muito menos a quem acampa naquele circo que virou o caso condenarem os dois. “Olho por olho, o mundo vai ficar cego”, dizia Gandhi.

Em um mundo ideal, a gente se afastaria um pouco. Daríamos espaço para que fosse realizado um trabalho competente e justo. Mas não vivemos em um mundo ideal. Vivemos em um mundo de pessoas fracas, de seres capazes de realizar qualquer coisa para aparecer. Gente que precisa de catarses como essa para liberar sua besta interior. E, no fundo, deixemos de ser hipócritas, gente como nós, que assiste ao desenrolar dos fatos com olhos grudados na telinha. Nada mais que seres humanos. Complexos, únicos e surpreendentes. Como aquele padre que se perdeu em meio às nuvens do litoral catarinense.

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