Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Saturday, April 26, 2008

Supermercado Brasil

Pense em um grande supermercado. Faça de conta que este supermercado é o único que você pode freqüentar. Para sobreviver, você precisa comprar nele. Precisa gastar boa parte do seu dinheiro ali, para que tenha de volta recursos essenciais à vida. O preço que você paga por cada mercadoria é alto e, para piorar, aumenta com freqüência absurda. Quanto mais se paga, porém, menos se tem. Os produtos estão cada dia mais escassos, a carne vem estragada, o pacote de arroz vem pela metade.

Enquanto isso, os caras que mandam no mercado surgem de ternos novos, dirigindo carros zero quilômetro e bronzeados por viagem a praias paradisíacas. Parece que todo o dinheiro que você paga vai para eles, porque você não tem nada de retorno. Aquilo pelo qual você paga é cada vez pior. Ainda assim, não dá pra evitar. É o único supermercado e, se não comprar ali, não há como sobreviver.

Para quem ainda não conseguiu compreender a analogia, o Brasil é o nosso supermercado. Os preços das mercadorias, os impostos. As mercadorias, direitos básicos como segurança, saúde e educação. Os donos do supermercado, claro, os políticos. Nós, bem, nós continuamos sendo o povo, aquele com o qual ninguém se preocupa quando não há necessidade de votos e que é largado à vida para que dê um jeito de se virar.

Dizem que o brasileiro tem memória curta, mas acho que todos ainda vão se lembrar da polêmica recente em torno da CPMF, a tal da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira. Como diz o próprio nome, provisória. Claro que, quando chegou a data limite proposta para o final dessa taxa, nossos amigos donos do supermercado Brasil quiseram prorrogar, dizendo que o dinheiro arrecadado com a CPMF faria falta, principalmente à saúde, e que teria que ser criado outro imposto.

Pois bem. Por algum milagre, o imposto foi extinto. E, por algum milagre, o Brasil nunca arrecadou tanto em impostos. Só em março, foram R$ 51 bilhões, 7% a mais em relação ao mesmo mês no ano passado. De janeiro a março, quase R$ 162 bilhões foram arrecadados em “contribuições” do bolso do trabalhador. Sim, R$ 162 bilhões, com “b” de bola mesmo. Vai me dizer que a CPMF faria falta?

Não entendo nada de economia e contabilidade, mas é muita grana. Isso só em impostos. Apenas naquele valor que teoricamente pagamos para ter acesso a itens essenciais para a cidadania. Temos? Acho que a resposta é clara. Então, para onde vai todo esse dinheiro? Onde vai parar a porcentagem de nosso salário que pesa em nossas contas todo mês?

Aí abrimos o jornal e assistimos o noticiário para sermos informados que R$ 5 milhões de reais foram gastos com o tal do cartão corporativo em finais de semana (finais de semana!), que políticos utilizam dinheiro público para alugar jatinhos e passear com a família e que outros sustentam a amante com a mesma grana. E a minha saúde, a minha educação, a minha segurança, as mercadorias pelo qual paguei e espero retorno, acabam ficando para depois.

O Brasil é o país que mais arrecada com impostos em todo o mundo. Aceitaria pagar tudo isso numa boa se nosso Sistema de Saúde não deixasse pessoas morrerem na fila. Pagaria com boa vontade se as crianças não largassem escola para entrar no tráfico. Contribuiria até mais se tivesse a certeza de que garotinhos de seis anos não serão arrastados por quilômetros no asfalto.

Mas eu pago por tudo isso e depois tenho que pagar ainda mais, com planos de saúde, para colocar grades na minha casa e por nada baratas escolas particulares. Gastos que, teoricamente, estariam nos impostos, mas acabam saindo do limitado salário de cada brasileiro. Um povo que sofre, mas continua acordando às 4h da manhã para trabalhar todo dia. Um povo ainda honrado, valoroso, mas, infelizmente, talvez por cansaço, talvez por decepção, cada vez mais inerte.

Um povo cada vez mais passivo dentro deste supermercado. Cada vez mais parado. Ao contrário do dinheiro, que continua saindo do bolso sabe-se lá com qual destino.

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