Despedida
Em um dia como outro qualquer, Ruth estava sentada ao lado do velho marido em seu sofá bege desbotado e rasgado em diversos lugares. Assistiam, juntos, como tantas outras vezes, a um programa de auditório em uma televisão que possuíam há mais de quinze anos, aparelho para o qual a bengala do velho funcionava como controle remoto, bastando ele esticar o braço para trocar o canal.
Em um dia como outro qualquer, Ruth olhou de soslaio para o homem sentado à sua esquerda. Após décadas de cumplicidade e companheirismo, tinha a certeza de conhecê-lo como nem ele mesmo se conhecia. Ruth ainda via, além dos cabelos ralos e das rugas destacadas, o brilho nos olhos de quem encarava a vida com paixão e leveza, características que a encantaram quando era apenas uma garota.
Em um dia como outro qualquer, Ruth ergueu-se do sofá com dificuldades, sentindo em sua perna a dor que há muito a acompanhava. Percebeu o olhar do marido, questionando silenciosamente se ela precisava de ajuda. Ruth apenas fez um movimento com a mão agradecendo a preocupação do companheiro e, após algum esforço, conseguiu se firmar em pé no centro da sala.
Em um dia como outro qualquer, Ruth inclinou-se e beijou sem pressa a testa de seu velho marido. Não era mais o beijo apaixonado de adolescente, mas um gesto de gratidão por tudo o que ele a oferecera. “Está tudo bem, Ruth?”, perguntou ele. “Claro, meu velho. Só vou dar uma descansada”, ela respondeu, com a voz frágil de quem já disse ao mundo tudo o que tinha a dizer.
Em um dia como outro qualquer, Ruth caminhou vagarosamente em direção ao seu quarto. Observou a sua casa com um pequeno sorriso no rosto: a mesa de jantar onde dera tantas risadas, a estante dos livros que tanto a ensinaram, os porta-retratos com as fotos dos netos e bisnetos que haviam trazido novamente a magia da inocência à sua vida, iluminando seus derradeiros anos.
Em um dia como outro qualquer, Ruth entrou no quarto que há anos dividia com o homem que sabia de todos os seus segredos. Fechou a porta atrás de si tentando fazer o menor ruído possível. Sentou-se à beirada da cama e, com os pés, retirou os pequenos sapatos, posicionando-os ao lado do criado-mudo. Respirou fundo e, novamente enfrentando dificuldades, pôs-se em pé.
Em um dia como outro qualquer, Ruth caminhou em direção ao seu armário e abriu a porta de cor ocre. Escolheu um vestido vermelho que adorava, mas há anos não o retirava do guarda-roupas. Retirou por sobre a cabeça o outro vestido que usava, uma peça simples, verde-clara e com estampas de flores. Dobrou-o cuidadosamente e o guardou dentro do armário. Logo após, vestiu a peça vermelha, observando a si mesmo no espelho.
Em um dia como outro qualquer, Ruth tirou do armário um belíssimo sapato preto de salto alto. Calçou-os e perdeu o equilíbrio por instantes, desacostumada a eles, mas conseguiu se manter em pé. Cuidadosamente, caminhou em direção à cama e, novamente, sentou-se na beirada. Respirou fundo mais uma vez. Ofereceu um olhar repleto de ternura ao seu quarto, espaço no qual vivera grande parte de sua longa vida.
Em um dia como outro qualquer, Ruth olhou para a única foto sobre o criado-mudo. Nela, dois homens e duas mulheres sorriam abraçados. Ruth também sorriu, sozinha no quarto. Tentou lembrar-se da época em que aqueles quatro adultos eram crianças, das brincadeiras que fazia com eles, das lições que os ensinou, dos castigos que os infligiu. Não conseguiu lembrar de tudo, mas não se sentiu culpada. Ruth sabia que o tempo apagava certas memórias.
Em um dia como outro qualquer, Ruth verteu uma pequena e solitária lágrima. Sentiu orgulho das pessoas de caráter que seus filhos haviam se tornado. Agradeceu pela sorte de ter escolhido um marido que permaneceu sempre ao seu lado. E, acima de tudo, nada lamentou, tendo a certeza de que vivera exatamente a vida que poderia ter vivido.
Em um dia como outro qualquer, Ruth colocou seus óculos ao lado da foto dos filhos. Deitou-se sobre a cama, estendendo as pernas e posicionando as duas mãos sobre o peito. Ruth respirou profundamente por duas vezes e sorriu com graça. Olhava para o teto, enquanto a sua mente viajava pelo tempo.
Em um dia como outro qualquer, Ruth fechou os olhos pela última vez.
Era um dia como outro qualquer.
Em um dia como outro qualquer, Ruth olhou de soslaio para o homem sentado à sua esquerda. Após décadas de cumplicidade e companheirismo, tinha a certeza de conhecê-lo como nem ele mesmo se conhecia. Ruth ainda via, além dos cabelos ralos e das rugas destacadas, o brilho nos olhos de quem encarava a vida com paixão e leveza, características que a encantaram quando era apenas uma garota.
Em um dia como outro qualquer, Ruth ergueu-se do sofá com dificuldades, sentindo em sua perna a dor que há muito a acompanhava. Percebeu o olhar do marido, questionando silenciosamente se ela precisava de ajuda. Ruth apenas fez um movimento com a mão agradecendo a preocupação do companheiro e, após algum esforço, conseguiu se firmar em pé no centro da sala.
Em um dia como outro qualquer, Ruth inclinou-se e beijou sem pressa a testa de seu velho marido. Não era mais o beijo apaixonado de adolescente, mas um gesto de gratidão por tudo o que ele a oferecera. “Está tudo bem, Ruth?”, perguntou ele. “Claro, meu velho. Só vou dar uma descansada”, ela respondeu, com a voz frágil de quem já disse ao mundo tudo o que tinha a dizer.
Em um dia como outro qualquer, Ruth caminhou vagarosamente em direção ao seu quarto. Observou a sua casa com um pequeno sorriso no rosto: a mesa de jantar onde dera tantas risadas, a estante dos livros que tanto a ensinaram, os porta-retratos com as fotos dos netos e bisnetos que haviam trazido novamente a magia da inocência à sua vida, iluminando seus derradeiros anos.
Em um dia como outro qualquer, Ruth entrou no quarto que há anos dividia com o homem que sabia de todos os seus segredos. Fechou a porta atrás de si tentando fazer o menor ruído possível. Sentou-se à beirada da cama e, com os pés, retirou os pequenos sapatos, posicionando-os ao lado do criado-mudo. Respirou fundo e, novamente enfrentando dificuldades, pôs-se em pé.
Em um dia como outro qualquer, Ruth caminhou em direção ao seu armário e abriu a porta de cor ocre. Escolheu um vestido vermelho que adorava, mas há anos não o retirava do guarda-roupas. Retirou por sobre a cabeça o outro vestido que usava, uma peça simples, verde-clara e com estampas de flores. Dobrou-o cuidadosamente e o guardou dentro do armário. Logo após, vestiu a peça vermelha, observando a si mesmo no espelho.
Em um dia como outro qualquer, Ruth tirou do armário um belíssimo sapato preto de salto alto. Calçou-os e perdeu o equilíbrio por instantes, desacostumada a eles, mas conseguiu se manter em pé. Cuidadosamente, caminhou em direção à cama e, novamente, sentou-se na beirada. Respirou fundo mais uma vez. Ofereceu um olhar repleto de ternura ao seu quarto, espaço no qual vivera grande parte de sua longa vida.
Em um dia como outro qualquer, Ruth olhou para a única foto sobre o criado-mudo. Nela, dois homens e duas mulheres sorriam abraçados. Ruth também sorriu, sozinha no quarto. Tentou lembrar-se da época em que aqueles quatro adultos eram crianças, das brincadeiras que fazia com eles, das lições que os ensinou, dos castigos que os infligiu. Não conseguiu lembrar de tudo, mas não se sentiu culpada. Ruth sabia que o tempo apagava certas memórias.
Em um dia como outro qualquer, Ruth verteu uma pequena e solitária lágrima. Sentiu orgulho das pessoas de caráter que seus filhos haviam se tornado. Agradeceu pela sorte de ter escolhido um marido que permaneceu sempre ao seu lado. E, acima de tudo, nada lamentou, tendo a certeza de que vivera exatamente a vida que poderia ter vivido.
Em um dia como outro qualquer, Ruth colocou seus óculos ao lado da foto dos filhos. Deitou-se sobre a cama, estendendo as pernas e posicionando as duas mãos sobre o peito. Ruth respirou profundamente por duas vezes e sorriu com graça. Olhava para o teto, enquanto a sua mente viajava pelo tempo.
Em um dia como outro qualquer, Ruth fechou os olhos pela última vez.
Era um dia como outro qualquer.
1 Comments:
muito emocionante!!!
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