Do que são feitos os sonhos.
Porra.
Não era isso o que eu esperava quando larguei meu emprego de contador para virar um detetive particular. Já são três e quarenta e cinco da tarde e passei o dia inteiro jogando Paciência no computador do meu escritório.
Sim, meu. Está lá na porta, marcado com decalques no vidro:
A pergunta é: desde quando detetive particular virou sinônimo de paparazzi?
Porra.
Quatro dias já no escritório e apenas dois possíveis clientes. Os dois queriam que eu descobrisse se o cônjuge estava traindo ou não.
Fodam-se.
Não era isso o que eu esperava. Não era mesmo.
Larguei a vida dos números para investigar casos importantes. Queria desaparecimentos misteriosos, queria assassinatos inconclusos, queria femmes fatales dando golpes mortais em seus maridos para ficar com a grana do seguro.
Não vou ficar tirando fotos de um marido ou de uma esposa fodendo outras pessoas. Não mesmo.
Garanto que Sam Spade e Phillip Marlowe nunca passaram por isso.
Fiz bem em chutar estes dois cornos para fora do escritório. Eles que procurassem um palhaço, um fotógrafo, um sei lá o quê, mas não um detetive particular.
Para me acalmar, acendo um cigarro e dou uma bela tragada. Tusso quatro vezes e o jogo no chão. Ainda não me acostumei.
Também, fumo há apenas quatro dias. Odeio cigarro, na verdade, mas um investigador como eu não pode se considerar investigador sem fumar. Faz parte do papel.
Toca o telefone. Já estragado, mesmo com este pouco tempo de uso. Consigo falar somente por viva-voz. Aperto o botão.
- Sr. Monty, tem uma moça aqui na recepção querendo falar com o senhor.
Era a voz da minha secretária. Lindo timbre, corpo gordo, rosto grotesco. Quase vomitei na primeira vez que a vi. Fiquei com pena e contratei.
- Quem é, dona Fátima?
- Ela não quer me dizer o nome, mas afirma que precisa falar com você.
- Aguarde alguns minutos, por favor.
Desligo o telefone. Não tenho ideia de quem possa ser, mas preciso desarrumar o escritório. A maldita secretária ainda arruma tudo quando chega. Idiota. Não entende que o escritório de um detetive como eu deve ser bagunçado.
Espalho papéis pela mesa, jogo revistas no chão e derrubo cinzas de cigarro na cadeira para o cliente. Respiro fundo e aperto o botão do viva-voz.
- Dona Fátima, deixe-a entrar.
Instantes depois, a porta se abre. O que entra por ela tira meu fôlego.
Não é a mulher dos meus sonhos mais lascivos. Não.
É a mulher dos meus sonhos profissionais.
Um vestido branco justo espreme as curvas capazes de fazer um campeão de automobilismo derrapar. O salto alto preto dá o toque de elegância, como se ela precisasse disso. O cabelo não é loiro, mas um amarelo falso, de farmácia. Brilhante e deslumbrante. E um rosto que me faz começar a crer em hipnose.
- Muito prazer. Sou Marcus Monty – afirmo, apertando a sua mão quente e delicada.
- Carmela Luz – ela fala.
Carmela Luz. Loira. Bem vestida. Sensual.
Senti no meu âmago que o negócio era sério. Finalmente chegava às minhas mãos o caso que eu esperava para dar partida à minha carreira de investigador.
É a femme fatale que eu procurava.
- Sente-se – digo.
Sentamos os dois, eu atrás da mesa e ela na cadeira. Instantes em silêncio.
- Aceita um cigarro? – ofereço.
- Claro.
Acendo o dela e depois um para mim. Começo a tossir na primeira tragada.
- Tudo bem? – ela me pergunta.
- Sim, sem problema – consigo falar, ainda sem parar de tossir.
Levo um tempo para voltar ao normal. Ela apenas observa.
- Em que posso ajudá-la, sra. Luz?
Ela sopra a fumaça do cigarro.
- Preciso da ajuda de um detetive particular.
- Imaginei isso.
De um açougueiro não seria.
- O senhor sabe quem eu sou?
- Não – respondo, sinceramente.
- Meu marido é o dono da Galecki. Conhece essa empresa?
Conheço.
- Conheço. É a maior empresa de aço do estado.
- Exatamente. Preciso que o senhor encontre o meu marido.
Mal consegui esconder a minha excitação. É o caso que eu procurava. O desaparecimento de um milionário. Sua esposa loira e deslumbrante.
Perfeito.
Dou mais uma tragada no cigarro. Tusso por sete segundos.
- O senhor tem certeza de que quer fumar?
Apenas faço um sinal com a mão, dizendo que está tudo bem.
Quando começo a falar, toca o telefone.
- Desculpe-me – falo à mulher à minha frente. Depois, ao aparelho: - Sim, sra. Fátima?
- Sr. Monteiro, é a sua esposa na linha.
- Diga para ela que eu...
Tarde demais. A idiota já passou a ligação.
- Marquinhos? – reconheço a voz da minha esposa.
Decido explicar a situação à moça sentada.
- O telefone está estragado. Só consigo falar pelo viva-voz. Desculpe, vai durar não mais que um minuto.
Ela apenas concorda com a cabeça.
- Sim, Rosane – falo ao telefone.
- Marquinhos, que horas você vem pra casa?
- Não sei, Rosane. E meu nome é Marcus. Marcus Monty.
- Não é nada. É Marcos Monteiro.
Tento disfarçar a vergonha na frente de Carmela Luz.
- Aqui, no meu escritório, sou Marcus Monty.
- Tá, tá, tudo bem. Preciso que você compre leite quando vier para casa.
Olho de relance para a loira deslumbrante na minha sala. Embaraço total.
- Foi por isso que me ligou, Rosane? Estou no meio do trabalho.
- Não esqueça.
Desliga. A minha cliente, a mulher que me colocaria no rol dos grandes detetives, ouvira toda a conversa.
Garanto que Sam Spade e Phillip Marlowe nunca passaram por isso.
- Desculpe – falo. – Ela não conhece limites.
- Sem problema. Posso continuar?
- Claro.
Dou outra tragada no cigarro. Mais tosse.
- Então, como ia dizendo, meu marido desapareceu.
Continuo tossindo. Ela parece hesitante em prosseguir, mas não para.
- Há dois dias, cheguei em casa e não o encontrei.
Tosse.
- Achei que ele devia ter ficado até mais tarde no trabalho e não me preocupei.
Mais tosse.
- Fui dormir. Porém, no outro dia de manhã, quando acordei, vi que ele não havia ido para casa.
A tosse continua, mas agora começo a ficar tonto.
- Sr. Monty? O senhor está bem? – ela pergunta, interrompendo sua narrativa.
Agora tusso incessantemente, até perder o equilíbrio e começar a ver pequenos pontinhos pretos.
Apago.
Acordo ainda no escritório, com enfermeiros à minha volta. Deitado em uma maca.
- Não se preocupe, sr. Monteiro – diz um deles. - Foi só um susto.
- Monty – falo.
- Como?
- Aqui no escritório, sou Marcus Monty.
- Sim, senhor.
Arrastam a maca para a salinha da entrada, onde fica a secretária.
A gorda Fátima está em pé ao lado de Carmela Luz, minha femme fatale.
Um contraste e tanto.
A loira me olha com pena. Vejo em sua expressão que perdi minha chance.
Por que inventei de fumar?
Sou levado embora.
Porra.
Garanto que Sam Spade e Phillip Marlowe nunca passaram por isso.
Não era isso o que eu esperava quando larguei meu emprego de contador para virar um detetive particular. Já são três e quarenta e cinco da tarde e passei o dia inteiro jogando Paciência no computador do meu escritório.
Sim, meu. Está lá na porta, marcado com decalques no vidro:
Marcus Monty -
Investigador Particular
Investigador Particular
A pergunta é: desde quando detetive particular virou sinônimo de paparazzi?
Porra.
Quatro dias já no escritório e apenas dois possíveis clientes. Os dois queriam que eu descobrisse se o cônjuge estava traindo ou não.
Fodam-se.
Não era isso o que eu esperava. Não era mesmo.
Larguei a vida dos números para investigar casos importantes. Queria desaparecimentos misteriosos, queria assassinatos inconclusos, queria femmes fatales dando golpes mortais em seus maridos para ficar com a grana do seguro.
Não vou ficar tirando fotos de um marido ou de uma esposa fodendo outras pessoas. Não mesmo.
Garanto que Sam Spade e Phillip Marlowe nunca passaram por isso.
Fiz bem em chutar estes dois cornos para fora do escritório. Eles que procurassem um palhaço, um fotógrafo, um sei lá o quê, mas não um detetive particular.
Para me acalmar, acendo um cigarro e dou uma bela tragada. Tusso quatro vezes e o jogo no chão. Ainda não me acostumei.
Também, fumo há apenas quatro dias. Odeio cigarro, na verdade, mas um investigador como eu não pode se considerar investigador sem fumar. Faz parte do papel.
Toca o telefone. Já estragado, mesmo com este pouco tempo de uso. Consigo falar somente por viva-voz. Aperto o botão.
- Sr. Monty, tem uma moça aqui na recepção querendo falar com o senhor.
Era a voz da minha secretária. Lindo timbre, corpo gordo, rosto grotesco. Quase vomitei na primeira vez que a vi. Fiquei com pena e contratei.
- Quem é, dona Fátima?
- Ela não quer me dizer o nome, mas afirma que precisa falar com você.
- Aguarde alguns minutos, por favor.
Desligo o telefone. Não tenho ideia de quem possa ser, mas preciso desarrumar o escritório. A maldita secretária ainda arruma tudo quando chega. Idiota. Não entende que o escritório de um detetive como eu deve ser bagunçado.
Espalho papéis pela mesa, jogo revistas no chão e derrubo cinzas de cigarro na cadeira para o cliente. Respiro fundo e aperto o botão do viva-voz.
- Dona Fátima, deixe-a entrar.
Instantes depois, a porta se abre. O que entra por ela tira meu fôlego.
Não é a mulher dos meus sonhos mais lascivos. Não.
É a mulher dos meus sonhos profissionais.
Um vestido branco justo espreme as curvas capazes de fazer um campeão de automobilismo derrapar. O salto alto preto dá o toque de elegância, como se ela precisasse disso. O cabelo não é loiro, mas um amarelo falso, de farmácia. Brilhante e deslumbrante. E um rosto que me faz começar a crer em hipnose.
- Muito prazer. Sou Marcus Monty – afirmo, apertando a sua mão quente e delicada.
- Carmela Luz – ela fala.
Carmela Luz. Loira. Bem vestida. Sensual.
Senti no meu âmago que o negócio era sério. Finalmente chegava às minhas mãos o caso que eu esperava para dar partida à minha carreira de investigador.
É a femme fatale que eu procurava.
- Sente-se – digo.
Sentamos os dois, eu atrás da mesa e ela na cadeira. Instantes em silêncio.
- Aceita um cigarro? – ofereço.
- Claro.
Acendo o dela e depois um para mim. Começo a tossir na primeira tragada.
- Tudo bem? – ela me pergunta.
- Sim, sem problema – consigo falar, ainda sem parar de tossir.
Levo um tempo para voltar ao normal. Ela apenas observa.
- Em que posso ajudá-la, sra. Luz?
Ela sopra a fumaça do cigarro.
- Preciso da ajuda de um detetive particular.
- Imaginei isso.
De um açougueiro não seria.
- O senhor sabe quem eu sou?
- Não – respondo, sinceramente.
- Meu marido é o dono da Galecki. Conhece essa empresa?
Conheço.
- Conheço. É a maior empresa de aço do estado.
- Exatamente. Preciso que o senhor encontre o meu marido.
Mal consegui esconder a minha excitação. É o caso que eu procurava. O desaparecimento de um milionário. Sua esposa loira e deslumbrante.
Perfeito.
Dou mais uma tragada no cigarro. Tusso por sete segundos.
- O senhor tem certeza de que quer fumar?
Apenas faço um sinal com a mão, dizendo que está tudo bem.
Quando começo a falar, toca o telefone.
- Desculpe-me – falo à mulher à minha frente. Depois, ao aparelho: - Sim, sra. Fátima?
- Sr. Monteiro, é a sua esposa na linha.
- Diga para ela que eu...
Tarde demais. A idiota já passou a ligação.
- Marquinhos? – reconheço a voz da minha esposa.
Decido explicar a situação à moça sentada.
- O telefone está estragado. Só consigo falar pelo viva-voz. Desculpe, vai durar não mais que um minuto.
Ela apenas concorda com a cabeça.
- Sim, Rosane – falo ao telefone.
- Marquinhos, que horas você vem pra casa?
- Não sei, Rosane. E meu nome é Marcus. Marcus Monty.
- Não é nada. É Marcos Monteiro.
Tento disfarçar a vergonha na frente de Carmela Luz.
- Aqui, no meu escritório, sou Marcus Monty.
- Tá, tá, tudo bem. Preciso que você compre leite quando vier para casa.
Olho de relance para a loira deslumbrante na minha sala. Embaraço total.
- Foi por isso que me ligou, Rosane? Estou no meio do trabalho.
- Não esqueça.
Desliga. A minha cliente, a mulher que me colocaria no rol dos grandes detetives, ouvira toda a conversa.
Garanto que Sam Spade e Phillip Marlowe nunca passaram por isso.
- Desculpe – falo. – Ela não conhece limites.
- Sem problema. Posso continuar?
- Claro.
Dou outra tragada no cigarro. Mais tosse.
- Então, como ia dizendo, meu marido desapareceu.
Continuo tossindo. Ela parece hesitante em prosseguir, mas não para.
- Há dois dias, cheguei em casa e não o encontrei.
Tosse.
- Achei que ele devia ter ficado até mais tarde no trabalho e não me preocupei.
Mais tosse.
- Fui dormir. Porém, no outro dia de manhã, quando acordei, vi que ele não havia ido para casa.
A tosse continua, mas agora começo a ficar tonto.
- Sr. Monty? O senhor está bem? – ela pergunta, interrompendo sua narrativa.
Agora tusso incessantemente, até perder o equilíbrio e começar a ver pequenos pontinhos pretos.
Apago.
Acordo ainda no escritório, com enfermeiros à minha volta. Deitado em uma maca.
- Não se preocupe, sr. Monteiro – diz um deles. - Foi só um susto.
- Monty – falo.
- Como?
- Aqui no escritório, sou Marcus Monty.
- Sim, senhor.
Arrastam a maca para a salinha da entrada, onde fica a secretária.
A gorda Fátima está em pé ao lado de Carmela Luz, minha femme fatale.
Um contraste e tanto.
A loira me olha com pena. Vejo em sua expressão que perdi minha chance.
Por que inventei de fumar?
Sou levado embora.
Porra.
Garanto que Sam Spade e Phillip Marlowe nunca passaram por isso.
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