Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Friday, February 17, 2006

O Jovem Músico

Para falar a verdade, nem lembro onde ficava aquele local. Deve ter sido há uns vinte anos, logo depois que me separei da Clara. Só recordo que era um bar pouco movimentado, com mais da metade das mesas aguardando clientes que nunca viriam. Como qualquer boteco, o cheiro de cigarro era o que mais se destacava, fato que não me incomodava, uma vez que na época eu também fumava sem parar. Não queria ouvir música. Na verdade, acho que nem sabia que ali tinha música ao vivo. Mas fazia uns quinze minutos que estava sentado, sem ter encostado na cerveja, quando o músico entrou. Era um jovem, provavelmente com menos de vinte anos. Vestia uma calça jeans azul desbotada, uma camiseta branca amassada e tênis preto. Simplicidade total. Como já disse, eu não queria ouvir música, preferia ficar apenas bebendo e pensando na Clara. Pelo jeito, meus poucos companheiros de bar também não estavam interessados em qualquer espécie de melodia, já que nem se movimentaram quando o rapaz entrou. Ele trazia um violão preto, lindo, brilhoso, que parecia ser a única coisa nova em todo o bar. Tímido, apenas cumprimentou com a cabeça o público que não dava a menor bola para ele. Sentou-se e começou a passar seus longos dedos pelas cordas do violão. Eu, que já ficara intrigado com a aparência do músico, quedei-me hipnotizado assim que fez soar o primeiro acorde. Vi logo de início que ele tocava mal. Muito mal. O som que tirava do violão não era digno da beleza do instrumento. Sua voz era esganiçada e o jovem tinha dificuldades em encontrar o tom correto de cada música. Durante as duas horas que tocou, ele assassinou, no mínimo, uns doze clássicos do rock, isso sem contar as músicas que eu não conhecia, provavelmente de sua autoria. No entanto, durante estas duas horas, não consegui desviar o olhar dele. Nada mais fiz exceto observá-lo atentamente. Quando o show acabou, olhei para o meu copo e percebi que ele ainda estava cheio. O que me contagiou na performance do garoto não foi a música ou a voz. Nem mesmo a surpresa pela aparência dele durou muito. O que fez eu esquecer da cerveja, esquecer do bar, esquecer de Clara, foi a forma como ele tocava. Apaixonadamente, como se nada mais importasse. Como se aquele violão preto fosse sua amante negra cheia de curvas, que ele acariciava com o único objetivo de torná-la mais feliz. Os olhos fechados a cada nota simbolizavam o poder que a música tinha sobre ele. Ela o envolvia, o circundava e parecia dominá-lo de tal forma que eu sentia que, se ele parasse de tocar, seu coração poderia entrar em colapso. Era claro. Para ele, a música era mais do que uma profissão, mais do que um hobby, mais do que uma paixão. Era a sua razão de ser. Tocar e cantar, mesmo mal e para uma platéia reduzida e desinteressada como aquela que eu fazia parte, era o alimento de sua vida. O ânimo de sua alma. Ninguém prestou atenção nele, exceto eu. Admito que não o aplaudi quando encerrou sua apresentação. Fiquei constrangido em ser o único a realizar tal gesto. De qualquer modo, ele era ruim, talvez não merecesse aplausos. Mas merecia reverência pelo fato de tocar sem se preocupar com mais nada, simplesmente por amor à música. Queria dizer isso a ele. Queria cumprimentá-lo. Voltei ao bar no dia seguinte. Ele não estava lá. Nunca mais tocou ali e nunca mais o vi. Ocasionalmente, em tempos nostálgicos de minha vida, como esse, penso no rapaz. Não deve ter alcançado o sucesso em sua carreira. Faltava-lhe talento para isso. Acredito que deve continuar tocando até hoje. Talvez mal como antes, talvez um pouco melhor. Mas, com certeza, da mesma forma contagiantemente apaixonada daquela noite. Daquelas duas horas mágicas que muito me ensinaram.

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