LARANJA MECÂNICA
De Stanley Kubrick. Com Malcolm McDowell, Patrick Magee, Michael Bates e Warren Clark.
28/12/05 – Silvio Pilau
É difícil para as gerações mais novas (eu incluso) compreenderem filmes como Laranja Mecânica em sua totalidade. Isto pelo simples fato de não terem acesso ou lembranças do impacto que o lançamento de obras como a de Kubrick causaram em suas épocas. O mundo era muito diferente quando Laranja Mecânica chegou aos cinemas e, de certa forma, o próprio cinema era muito diferente. Porém, conquanto muito tenha mudado desde então, estas obras conseguem manter-se atuais ao longo dos anos, em grande parte devido às suas mensagens atemporais. É essa longevidade que caracteriza um clássico. E é por isso que Laranja Mecânica continua uma obra quase intocável, mesmo com as gerações mais novas.
Roteirizado pelo próprio Kubrick a partir da obra literária de Anthony Burgess, o filme segue a trajetória de Alex, um jovem morador de alguma cidade inglesa em um futuro próximo. Na companhia de seus amigos, ou drugues, como os chama, Alex tem o costume de praticar atos de violência, como estupro, espancamento e até assassinato por simples prazer. Porém, quando capturado pela polícia, Alex é submetido a um tratamento inovador que busca eliminar o instinto violento de criminosos como ele.
E é fascinante acompanhar a sagacidade do roteiro de Kubrick. Para mostrar como a violência não é exclusiva de Alex e seus amigos, o cineasta faz com que as mesmas vítimas do bando ajam de forma semelhante quando têm a chance. É uma espécia de círculo vicioso de violência.
Mas tão importante quanto o que Laranja Mecânica tem a dizer é a forma como Kubrick diz. Assim como toda obra do diretor, a narrativa é irrepreensível, contando com um requinte visual e um domínio da técnica cinematográfica que talvez ainda não tenha sido igualado por outro cineasta. Sabe-se que Kubrick era perfeccionista ao extremo e tal dedicação é percebida em cada instante de Laranja Mecânica.
Desde a impecável cena inicial com Alex olhando fixamente para a câmera ao final aberto a interpretações, Laranja Mecânica parece ter sido concebido com muita calma e preciosismo. A impressão que fica é a de que cada plano - e, conseqüentemente, cada gesto dos atores e objetos colocados em cena – foi exaustivamente estudado, ponderando a participação dos mínimos detalhes que aparecem na tela. Kubrick tem a capacidade de tirar o máximo de cada tomada. É a forma completando o conteúdo.
Assim, Laranja Mecânica possui seqüências brilhantemente concebidas e executadas, trazendo imagens que já se tornaram icônicas. Cenas como a de Alex no tratamento Ludovico, com os olhos arregalados, ou o espancamento ao som de Singin’ in the Rain ou Beethoven tornaram-se parte do imaginário da cultura ocidental.
A música, aliás, como é comum nas obras de Kubrick, é parte essencial de Laranja Mecânica. O cineasta é capaz de encontrar a sinergia perfeita entre imagem e som, como fica claro nas cenas comentadas no parágrafo acima. Mais do que isso, em Laranja Mecânica a música ainda faz parte da história, uma vez que o personagem é devotado a Beethoven e fica proibido de escutar o mestre após passar pelo tratamento.
Sendo Laranja Mecânica um filme mais de história e forma do que de personagens, há pouco espaço para os atores brilharem. O único que recebe devido tempo em tela para isso é Malcolm McDowell, no papel de Alex, e ele encarna a oportunidade com grande devoção. Seu Alex passa pelos mais diversos estados de espírito e o ator transita entre as diferentes mudanças com talento. Reparem na diferença entre o Alex do início do filme, o Alex da prisão e o Alex perdido, após a cena em que ele é recusado por seus pais quando volta para casa.
Polêmico (há uma cena em que o protagonista se imagina flagelando Cristo na cruz), porém divertido, Laranja Mecânica é um filme obrigatório de ser assistido. Certamente, nem todos irão gostar e menos irão entender tudo aquilo que Kubrick quis dizer com a obra. Esta, porém, é uma das grandes qualidades de Laranja Mecânica: além da técnica e da narrativa irrepreensíveis, o filme levanta muitas questões e é passível de múltiplas interpretações. Resta ao espectador tirar as suas.
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