Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Thursday, March 02, 2006

BOA NOITE E BOA SORTE


BOA NOITE E BOA SORTE (GOOD NIGHT, AND GOOD LUCK.) ****
De George Clooney. Com David Strathairn, George Clooney, Frank Langella, Robert Downey Jr., Patricia Clarkson, Jeff Daniels e Ray Wise.


16/02/06 – Silvio Pilau

Uma das grandes surpresas cinematográficas de 2002 foi a estréia de George Clooney na direção. Com Confissões de uma Mente Perigosa, o ator demonstrou um talento que poucos – ou ninguém – suspeitava, construindo um filme visualmente interessante e agradável de se assistir. Boa Noite e Boa Sorte, seu novo trabalho atrás das câmeras, chega com o respaldo de figurar em diversas premiações, provando que Clooney realmente é um diretor qualificado.

O filme conta a história real da batalha entre Edward R. Murrow, âncora de um programa da CBS, e o senador Joseph McCarthy. O cenário é a década de 50, época em que McCarthy realizou sua chamada “caça às bruxas”, perseguindo pessoas sob a acusação de serem comunistas. Com o apoio de seus colegas de emissora, Murrow foi um dos que levantou a voz contra o senador, afirmando que McCarthy acabou transformando uma investigação em perseguição infundada.
Escrito pelo próprio Clooney em parceria com Grant Heslov, Boa Noite e Boa Sorte assume um tom semi-documental para transmitir uma mensagem de alta relevância. A ausência de trilha sonora e o foco quase total nos fatos narrados passa a sensação de se estar assistindo a um documentário. Há pouca identificação entre público/personagens, mas isto é justificado pela opção de Clooney em abordar o tema desta forma. E é uma escolha inteligente, embora exija extrema segurança na direção – obstáculo que Clooney tira de letra, construindo um filme objetivo, tenso e provocador.
Seus acertos começam já na ambientação de Boa Noite e Boa Sorte. Passado quase totalmente dentro do prédio da CBS, o filme assume um tom quase claustrofóbico, aumentando a tensão dos conflitos presentes na trama. A recriação da época também se destaca, especialmente graças à constante utilização de imagens de arquivo.

Esta, aliás, é uma das principais qualidades da obra. Intercalando cenas reais dos programas da época – incluindo aí seus comerciais – com a recriação do dia-a-dia do programa de Murrow, Clooney transmite incrível veracidade à sua história. É como se os fatos apresentados fossem indiscutíveis, tamanha a credibilidade que eles adquirem junto ao espectador.

O próprio duelo entre Murrow e McCarthy é um exemplo. Ao invés de utilizar um ator para interpretar o senador, Clooney prefere utilizar as verdadeiras imagens da resposta de McCarthy ao repórter, em um brilhante trabalho de edição que engrandece o impacto do filme. O aproveitamento destas imagens explica a belíssima fotografia em preto e branco, que aqui não é apenas um mero exercício de estilo do diretor, sendo escolhida exatamente para se “misturar” com as cenas reais.

Mas não é só aí que Clooney demonstra ser um cineasta diferenciado. Reparem na forma como ele explora a reação dos personagens durante os diálogos. Diversas vezes ao longo do filme, a câmera se fixa na expressão de determinado personagem enquanto outro fala algo, mostrando a forma como este recebe a notícia. É um detalhe sutil, quase imperceptível, mas que faz uma grande diferença.

Sutil também é a forma como o diretor quebra a aparente rigidez de Murrow. Apesar de visto no programa como um homem frio e inabalável, ele nada mais é do que um ser humano, que também fica nervoso e com medo, faceta que Clooney captura com delicadeza, genialidade e sem apelações. Antes do programa no qual Murrow atacar McCarthy, por exemplo, o diretor insere um rápido take do pé do apresentador batendo, uma cena que reflete a tensão pela qual ele passava. Da mesma forma, após o programa, Murrow solta um longo e aliviado suspiro, revelando a pressão que sentiu durante a exibição.

Boa Noite e Boa Sorte, no entanto, não é formado apenas de acertos. Tive a sensação, ao final, de que o filme parecia incompleto. Talvez tenha entrado no cinema com a expectativa de ver um grande duelo entre Murrow e McCarthy, mas este se resumiu a apenas um ataque do apresentador e uma resposta por parte do senador.

O verdadeiro foco da obra não é a rusga entre os dois, mas a coragem de Murrow e da equipe da CBS em assumir uma posição de contestação diante daquilo que eles achavam incorreto. O roteiro utiliza o duelo para transmitir uma contundente mensagem sobre liberdade de pensamento e sobre ética no jornalismo. Mais do que isso, Murrow torna-se uma espécie de porta-voz de um discurso, ainda atual, sobre a mídia e seu potencial crítico e educativo, relegado a segundo plano em detrimento de programas fúteis e de entretenimento. Mesmo com essa mudança de foco, as discussões entre o apresentador e McCarthy acabam decepcionando, especialmente quando o próprio senador afirma que Murrow não é o único que o ataca, enfraquecendo toda a coragem da equipe da CBS.

Outro aspecto que acaba incomodando é a subtrama envolvendo os personagens de Robert Downey Jr. e Patricia Clarkson. A história do casamento secreto dos dois não leva a lugar algum, deixando a dúvida do por que tanto tempo (especialmente em um filme curto como Boa Noite e Boa Sorte) foi perdido na relação do casal.

Clooney também atua na obra, em um papel de pouco destaque. No quesito atuações, quem realmente se destaca é David Strathairn, que interpreta Murrow com uma força impressionante. Apesar dos gestos mínimos e poucas palavras, a determinação e convicção com que cada palavra do apresentador é dita atinge fundo o espectador. Nunca assisti o programa de Murrow para dizer o quão parecida ficou a caracterização, mas é uma performance poderosa e marcante.

Quem merece comentários também é Frank Langella, que interpreta o dono da CBS. Seu personagem talvez seja o melhor construído, sentindo-se preso entre seu papel como jornalista e suas funções de empresário, dualidade que o ator consegue expressar em poucas cenas.

Boa Noite e Boa Sorte ainda demonstra que Clooney é um autor refinado, tanto em termos visuais quanto na condução da história. Seus dois primeiros filmes comprovam que aquele ator antes preso a papéis de galã pode oferecer muito ao cinema. Seu mais recente trabalho peca em alguns momentos, mas é um filme de grandes qualidades e com uma mensagem contundente.

Ao final, porém, o que fica com o espectador não é o aprendizado de uma parte da História americana ou o nome dos personagens, mas sim a postura ousada e análise crítica e atual de Edward Murrow sobre o verdadeiro papel da mídia e da televisão:

“Este instrumento pode ensinar, pode iluminar; sim, ele pode até inspirar. Mas ele só pode fazer isso se as pessoas estiverem determinadas a usarem-no para esse fim. De outra forma, não passará de fios e luzes em uma caixa.”

1 Comments:

Anonymous Marcio said...

Gostei muito dessa resenha do filme "Boa noite e boa sorte", sou estudante de Comunicação Social e assisti esse filme semana passada. Embora, sinceramente, tenha achado o filme um pouco chato,talvez por abordar um tema muito particular da história norte-americana, deu para aproveirar muitos pontos importantes que pautam a ética dos futuros profissionais da comunicação, mesmo da área de Publicidade como é o meu caso. Meu professor nos pediu para fazermos um resumo desse filme e responder uma pergunta sobre a ética do jornalista Murrow, esse texto me ajudou muito a formular minha resposta!

5:09 AM  

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