À moda antiga
O relógio marcava três horas da manhã quando Lúcio bateu na porta do apartamento ao lado do seu. Ao contrário do vizinho, que dormia há tempos, Lúcio ainda não pregara o olho. Estivera em casa, bebendo, pensando em Mariana e em como ela continuava dominando sua alma.
- Davi! – berrava, jogando o punho contra a porta. – Davi, abre! Davi!
Depois de alguns segundos, a porta foi aberta por um jovem magro, com os cabelos desgrenhados e vestindo pijama azul.
- Que é isso, Lúcio? Tá maluco? Sabe que horas são?
- Não importa. Preciso da tua ajuda.
- Você está bêbado, vai dormir.
- Não! – disse enfaticamente Lúcio. – Preciso do teu violão.
- Meu violão? Pra quê? – Davi perguntou, surpreso.
- Vou reconquistar a Mari.
- Com um violão?
- Com uma serenata.
- Mas você nem toca, Lúcio.
- Você se surpreenderia.
Davi conhecia o amigo e sua forma de lidar com os assuntos relacionados às mulheres. Sabia tratar-se de um sedutor irreparável, de um homem que sabia valorizar o sexo feminino. E admirava isso. Existiam poucos como Lúcio. Davi apenas sorriu e disse:
- Você não muda mesmo – e virou-se para buscar o violão.
Poucos minutos depois, Lúcio dirigia pelas ruas vazias da madrugada, com o violão no banco do carona. Em sua mente, tentava escolher uma música que se adequasse ao momento, uma que levasse Mari à loucura. Mas nada vinha. Chegou à conclusão de que o melhor seria decidir na hora. Deixar o momento agir sobre ele. Permitir que a inspiração viesse diretamente do amor que não o abandonava.
Estacionou em frente ao edifício de Mari e desceu do carro. Na calçada, perdeu alguns segundos procurando a melhor posição para tocar. Posicionou o violão junto ao corpo e começou a passar o dedo pelas cordas. Em poucos segundos, um homem que dormia enrolado em jornais perto de onde Lúcio se encontrava levantou-se e veio em sua direção. Lúcio parou, encarando o mendigo. Este o olhou de volta e sorriu, como se tivesse compreendido Lúcio em todo o seu ser. Depois, voltou para sua cama feita de lixo e continuou observando.
Lúcio tentou concentrar-se novamente no violão. Vez ou outra, carros passavam a toda velocidade pela rua, emitindo ruídos que atrapalhavam sua concentração e eliminavam toda a beleza do momento e da canção que pretendia cantar. Mas ele não desistia. Focando-se unicamente no instrumento, voltou a tirar algumas notas.
Finalmente começou a cantar. Sabia que sua voz não era das melhores, mas isso não importava. O que impressionaria Mari era o gesto. Era a atitude de amor que só continuava existindo em livros e filmes. Pôs-se a interpretar mais alto, para que ela o ouvisse.
A música acabou e nada de Mari aparecer. Determinado, Lúcio iniciou outra. Uma luz foi acesa. Mas na janela do segundo andar, que não era o de Mari. Na janela, apareceu um senhor gordo, de bigode. Gritava furiosamente:
- Você está louco!? O que quer aqui!? Caia fora! Cala essa boca senão eu chamo a polícia!
Lúcio, porém, não pretendia se entregar. Embriagado após dezenas de latas de Skol e com os limites do bom senso arruinados pela paixão, encarnou Romeu e dirigiu-se ao homem:
- Ó, alma infame! Como ousas colocar-te no caminho do amor? Que forças tens quando comparado à grandiosidade do sentimento que a tudo cria? Limita-te, ser pequeno, aos teus aposentos e deixa esta alma destruída buscar o único alimento capaz de sustê-la!
O homem não soube o que dizer ou fazer por alguns instantes. Cogitou estar diante de um louco, de um doente, mas não deixaria que esse psicótico impedisse sua noite de sono.
- Você está louco, guri! Tem cinco segundos para dar o fora daqui!
Outras pessoas já apareciam nas janelas acompanhando o que acontecia. O mendigo também observava a tudo, fascinado.
- Pois faças o que tiveres que fazer, homem insólito – exclamava Lúcio. – Nada em teu poder será capaz de me parar!
O gordo da janela desapareceu dentro do apartamento. Quando Lúcio acreditava ter vencido o embate, o homem ressurgiu. Desta vez, empunhando um revólver preto na mão direita. Apontava diretamente para Lúcio, que ficou com medo pela primeira vez.
- Saia já daqui antes que eu te dê um tiro!
- Calma, meu senhor – Lúcio pediu, mudando o tom. Seus devaneios shakesperianos sucumbiram diante da ameaça e falou com a maior sinceridade: – Só quero que a mulher a quem amo me escute.
- Não me interessa. Eu tenho que acordar cedo pra trabalhar o dia inteiro amanhã. Já inventaram o telefone, sabia?
- Mas, senhor...
O homem deu um tiro pra cima.
- Se não quiser que o próximo seja na sua cara, vá embora.
Lúcio ficou parado por alguns segundos, pensando no que fazer. Cabisbaixo, virou-se e foi em direção ao carro. Ouviu a janela do homem fechando atrás de si.
Algo parecia prestes a estourar em seu peito. Dentro do carro, pôs as duas mãos no volante e encheu os olhos de lágrimas. Não teve tempo de começar a derramá-las. Um leve som metálico ao seu lado chamou a atenção. Virou a cabeça e viu três homens apontando armas diretamente para sua cabeça.
- Desce – disse um deles.
Como um robô anestesiado, Lúcio obedeceu. Pegou o violão e saiu do carro. Não sabia se era o fato de não ter conseguido chegar até Mari, o medo por ter quatro armas apontadas para si em poucos minutos ou tudo o que bebera antes, mas sentia-se desolado. Impotente, viu os três homens saírem dirigindo seu carro, enquanto ficava na calçada, com o violão na mão direita.
Percebeu um olhar fixo em si. Era o mendigo. Lúcio olhou para aquela criatura rejeitada pela sociedade. Os olhares se fixaram um no outro por alguns segundos.
- É, meu amigo – falou o homem com roupas esfarrapadas, dormindo em meio a jornais velhos –, não há mais lugar para nós nesse mundo. Não há mais lugar para amantes à moda antiga.
- Davi! – berrava, jogando o punho contra a porta. – Davi, abre! Davi!
Depois de alguns segundos, a porta foi aberta por um jovem magro, com os cabelos desgrenhados e vestindo pijama azul.
- Que é isso, Lúcio? Tá maluco? Sabe que horas são?
- Não importa. Preciso da tua ajuda.
- Você está bêbado, vai dormir.
- Não! – disse enfaticamente Lúcio. – Preciso do teu violão.
- Meu violão? Pra quê? – Davi perguntou, surpreso.
- Vou reconquistar a Mari.
- Com um violão?
- Com uma serenata.
- Mas você nem toca, Lúcio.
- Você se surpreenderia.
Davi conhecia o amigo e sua forma de lidar com os assuntos relacionados às mulheres. Sabia tratar-se de um sedutor irreparável, de um homem que sabia valorizar o sexo feminino. E admirava isso. Existiam poucos como Lúcio. Davi apenas sorriu e disse:
- Você não muda mesmo – e virou-se para buscar o violão.
Poucos minutos depois, Lúcio dirigia pelas ruas vazias da madrugada, com o violão no banco do carona. Em sua mente, tentava escolher uma música que se adequasse ao momento, uma que levasse Mari à loucura. Mas nada vinha. Chegou à conclusão de que o melhor seria decidir na hora. Deixar o momento agir sobre ele. Permitir que a inspiração viesse diretamente do amor que não o abandonava.
Estacionou em frente ao edifício de Mari e desceu do carro. Na calçada, perdeu alguns segundos procurando a melhor posição para tocar. Posicionou o violão junto ao corpo e começou a passar o dedo pelas cordas. Em poucos segundos, um homem que dormia enrolado em jornais perto de onde Lúcio se encontrava levantou-se e veio em sua direção. Lúcio parou, encarando o mendigo. Este o olhou de volta e sorriu, como se tivesse compreendido Lúcio em todo o seu ser. Depois, voltou para sua cama feita de lixo e continuou observando.
Lúcio tentou concentrar-se novamente no violão. Vez ou outra, carros passavam a toda velocidade pela rua, emitindo ruídos que atrapalhavam sua concentração e eliminavam toda a beleza do momento e da canção que pretendia cantar. Mas ele não desistia. Focando-se unicamente no instrumento, voltou a tirar algumas notas.
Finalmente começou a cantar. Sabia que sua voz não era das melhores, mas isso não importava. O que impressionaria Mari era o gesto. Era a atitude de amor que só continuava existindo em livros e filmes. Pôs-se a interpretar mais alto, para que ela o ouvisse.
A música acabou e nada de Mari aparecer. Determinado, Lúcio iniciou outra. Uma luz foi acesa. Mas na janela do segundo andar, que não era o de Mari. Na janela, apareceu um senhor gordo, de bigode. Gritava furiosamente:
- Você está louco!? O que quer aqui!? Caia fora! Cala essa boca senão eu chamo a polícia!
Lúcio, porém, não pretendia se entregar. Embriagado após dezenas de latas de Skol e com os limites do bom senso arruinados pela paixão, encarnou Romeu e dirigiu-se ao homem:
- Ó, alma infame! Como ousas colocar-te no caminho do amor? Que forças tens quando comparado à grandiosidade do sentimento que a tudo cria? Limita-te, ser pequeno, aos teus aposentos e deixa esta alma destruída buscar o único alimento capaz de sustê-la!
O homem não soube o que dizer ou fazer por alguns instantes. Cogitou estar diante de um louco, de um doente, mas não deixaria que esse psicótico impedisse sua noite de sono.
- Você está louco, guri! Tem cinco segundos para dar o fora daqui!
Outras pessoas já apareciam nas janelas acompanhando o que acontecia. O mendigo também observava a tudo, fascinado.
- Pois faças o que tiveres que fazer, homem insólito – exclamava Lúcio. – Nada em teu poder será capaz de me parar!
O gordo da janela desapareceu dentro do apartamento. Quando Lúcio acreditava ter vencido o embate, o homem ressurgiu. Desta vez, empunhando um revólver preto na mão direita. Apontava diretamente para Lúcio, que ficou com medo pela primeira vez.
- Saia já daqui antes que eu te dê um tiro!
- Calma, meu senhor – Lúcio pediu, mudando o tom. Seus devaneios shakesperianos sucumbiram diante da ameaça e falou com a maior sinceridade: – Só quero que a mulher a quem amo me escute.
- Não me interessa. Eu tenho que acordar cedo pra trabalhar o dia inteiro amanhã. Já inventaram o telefone, sabia?
- Mas, senhor...
O homem deu um tiro pra cima.
- Se não quiser que o próximo seja na sua cara, vá embora.
Lúcio ficou parado por alguns segundos, pensando no que fazer. Cabisbaixo, virou-se e foi em direção ao carro. Ouviu a janela do homem fechando atrás de si.
Algo parecia prestes a estourar em seu peito. Dentro do carro, pôs as duas mãos no volante e encheu os olhos de lágrimas. Não teve tempo de começar a derramá-las. Um leve som metálico ao seu lado chamou a atenção. Virou a cabeça e viu três homens apontando armas diretamente para sua cabeça.
- Desce – disse um deles.
Como um robô anestesiado, Lúcio obedeceu. Pegou o violão e saiu do carro. Não sabia se era o fato de não ter conseguido chegar até Mari, o medo por ter quatro armas apontadas para si em poucos minutos ou tudo o que bebera antes, mas sentia-se desolado. Impotente, viu os três homens saírem dirigindo seu carro, enquanto ficava na calçada, com o violão na mão direita.
Percebeu um olhar fixo em si. Era o mendigo. Lúcio olhou para aquela criatura rejeitada pela sociedade. Os olhares se fixaram um no outro por alguns segundos.
- É, meu amigo – falou o homem com roupas esfarrapadas, dormindo em meio a jornais velhos –, não há mais lugar para nós nesse mundo. Não há mais lugar para amantes à moda antiga.
2 Comments:
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Fantástico.
Mas já percebeste que todos teus textos de romance têm fins infundados diante das circunstâncias que começam?
Acredito que o amor que tens recalcado aí dentro é muito maior do que qualquer mulher seja capaz de receber. Porém, deverias aprender a te doar mais, quiçá, amar mais.
Não tenhas medo de fazer serenata. Sempre há lugar para nós, amantes à moda antiga.
E não duvides que um dia alguém irá te dar o céu. Te garanto que não há de demorar.
De coração meu anjo, leio teus textos com 4 olhares diferentes. O de amiga, o de ex-futura esposa, o de fã e o de psicóloga.
Te cuida.
Beijo grande
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