FIM DOS TEMPOS
FIM DOS TEMPOS (THE HAPPENING)
De M. Night Shyamalan. Com Mark Wahlberg, Zooey Deschanel, John Leguizamo, Ashlyn Sanchez, Spencer Breslin e Betty Buckle.
O Sexto Sentido é uma obra-prima. Isso não se discute. Quando o filme chegou aos cinemas, em 1999, M. Night Shyamalan foi alçado ao status de gênio. Como sempre, a reação foi exagerada. Como comprovou em seus filmes seguintes, Corpo Fechado e Sinais, Shyamalan é, sim, um diretor de muito talento e possui a capacidade de contar uma história de maneira autoral e diferenciada. No entanto, a genialidade à qual foi atrelado provou-se frágil quando o cineasta entregou duas obras repletas de problemas, A Vila e A Dama na Água, e se dissipa de vez agora com o lançamento do péssimo Fim dos Tempos.
A obra tem início com uma série de eventos em algumas cidades dos Estados Unidos, quando pessoas começam a cometer suicídios em massa, sem qualquer razão aparente. Na Filadélfia, o professor Elliot fica sabendo do acontecido e decide partir com a esposa, um amigo e a filha deste para algum lugar isolado, onde possam ficar a salvo daquilo que pensam ser uma toxina liberada por terroristas. Elliot precisa superar as dificuldades enfrentadas no casamento, ao mesmo tempo em que tenta encontrar uma explicação para o que está acontecendo.
M. Night Shyamalan tem uma peculiaridade: quando acerta, acerta muito bem; quando erra, seu erro é grotesco. Em seus primeiros filmes, as bolas dentro eram incrivelmente mais constantes que as bolas fora, o que resultou em grandes obras. Em seus últimos esforços, a balança se equilibrou, em produções com momentos de brilhantismo e derrapadas homéricas. Com Fim dos Tempos, o resultado é mais uniforme, porém para o lado errado. M. Night Shyamalan, para decepção minha e de muitos que o defendem, é o responsável por um dos piores filmes de 2008.
Os problemas são muitos e devem-se, em sua grande maioria, ao pior roteiro que Shyamalan já escreveu. O ponto de partida é até interessante: pessoas que começam a tirar suas próprias vidas das mais diversas maneiras e sem explicação. No entanto, o que há de bom na história pára por aí. Desde o momento em que a trama e os personagens começam a se desenvolver – ou ao menos tentar –, Shyamalan acumula um equívoco atrás do outro, com opções que beiram o risível e uma preguiça até então inédita em seus trabalhos anteriores.
Um dos grandes méritos do cinema de M. Night Shyamalan sempre foi a forte identificação criada entre a platéia e os personagens. Seja o psicólogo e o garoto de O Sexto Sentido, o amargurado “super-herói” e o homem de vidro de Corpo Fechado e o padre desiludido de Sinais, todos são pessoas complexas e interessantes, com as quais o espectador se preocupa, e centro dos elaborados enredos – a história, antes, girava em torno deles. Em Fim dos Tempos, Shyamalan nem de perto revive o cuidado na construção dos personagens, apresentando superficialidade absurda em diálogos risíveis.
O conflito no casamento entre Elliot e Alma, por exemplo, que deveria ser o núcleo emocional da obra, é abordado de maneira rápida, jamais convencendo que ali está um casal com problemas reais. Do mesmo modo, o protagonista é reduzido à definição de professor-cientista, uma vez que nada se conhece da personalidade dele, enquanto sua companheira passa o filme inteiro como uma idiota completamente dependente do marido. Para somar, a criança que os acompanha durante boa parte de Fim dos Tempos nada tem a acrescentar à história, tanto em termos gerais, quanto no desenvolvimento dos personagens.
Esta falta de preocupação – ou, como disse antes, preguiça – em desenvolver com mais cuidado e propriedade os personagens termina por gerar cenas ridículas e completamente sem sentido, como o inexplicável momento em que o personagem de John Leguizamo quase bate em Alma apenas por ela pegar na mão de sua filha. Um momento sem nexo e despropositado, que serve como exemplo da série de instantes incongruentes que colaboram para formar o caos que é Fim dos Tempos.
Da mesma forma, Shyamalan, sempre brilhante na construção da atmosfera de seus filmes, peca na tentativa de estabelecer as próprias regras do que acontece. Tudo bem que os personagens partem de suposições para compreender os eventos, mas o cineasta se contradiz e qualquer credibilidade que a história pretendia ter se esvai pelo ralo. Por exemplo, em determinado momento, chega-se à conclusão de que pequenos grupos estão livres do ataque. Porém, outros pequenos grupos sofrem, sim, e apenas os protagonistas parecem escapar. Além disso, por que algumas pessoas são atingidas de maneira diferente? Enquanto umas começam com desnorteamento total, outras ainda conseguem falar e se surpreender com tudo.
Mas não é só isso. Shyamalan jamais consegue fazer o espectador acreditar na possibilidade de um evento deste tipo, o que leva a cenas e diálogos que beiram a insanidade, como quando um personagem diz que “árvores falam com arbustos e arbustos falam com a grama”. E, ainda mais importante, o cineasta não tem história suficiente para um longa-metragem, e “enche lingüiça” com piadinhas sem graça, como um doido falando sobre cachorros-quentes, e situações que nada têm a ver com a história que está sendo contada, como a inserção da velha maluca perto do final.
No entanto, o maior problema do roteiro de Fim dos Tempos é mesmo a maneira como justifica os acontecimentos. O ponto de partida, com as pessoas se suicidando sem razão, é interessante, porém é uma idéia difícil de dar continuidade. É fácil criar uma situação promissora; difícil é conseguir desenvolvê-la mantendo o apelo. Shyamalan tentou, mas sua explicação para os acontecimentos é uma das idéias mais estapafúrdias que já vi no cinema. Se os personagens fossem melhor trabalhados, seria mais fácil de engolir, mas isso não acontece. Ainda que a mensagem transmitida tenha boas intenções, a maneira como é contada parece mais um delírio dos personagens. Nem o próprio Shyamalan parece acreditar na resposta que criou, pois coloca uma cena onde um personagem parece pedir de joelhos a boa vontade da platéia com a solução proposta ao dizer que “há coisas fora da nossa compreensão”.
E é uma pena que, no campo da direção, onde Shyamalan quase nunca erra, os erros também são grandes. Ao contrário de seus outros filmes, não existe a tensão crescente, até porque Fim dos Tempos muda de tom com o vento (um vento normal, não vento assassino). Por exemplo, as tentativas de humor são excessivas e, em sua maioria, fracassadas. Na verdade, quando a produção tenta o humor, o resultado é de dar vergonha (como quando Elliot conversa com uma planta), enquanto as cenas mais engraçadas vêm sem essa intenção (como a dos tigres, um momento totalmente fora de propósito e contra o poder da sugestão que Shyamalan pregou em todos os seus filmes).
Os problemas de direção estendem-se, também, à condução dos atores. Completamente fora do que seus personagens pedem, o elenco está homogeneamente ruim, mesmo levando em conta o péssimo material que tem em mãos. Mark Wahlberg, por exemplo, exagera nas caras e bocas sem sentido, construindo um personagem de desenho animado ao invés de uma pessoa real. Enquanto isso, Zooey Deschanel parece não saber se faz parte de uma comédia, drama ou suspense e John Leguizamo não demonstra outra expressão além de uma cara de aflito. São atuações precárias, dignas de um filme amador – e, levando-se em conta o fato de que sabemos o quanto estes atores podem render, a culpa recai mesmo sobre Shyamalan.
Por que, então, a nota quatro? O fato é que M. Night Shyamalan sabe como poucos criar um quadro e filmar uma cena. O talento do cineasta é claro e, mesmo quando o equívoco é quase completo, como em Fim dos Tempos, Shyamalan ainda assim entrega momentos que fogem do óbvio e surpreendem pela qualidade com que são filmados. As cenas iniciais, por exemplo, estão entre as melhores coisas que o diretor já realizou, com destaque para a impecável seqüência na qual a câmera acompanha os suicídios na linha do chão, sem mostrar as mortes, mas seguindo a arma que cai. O mesmo vale para alguns outros instantes (como o da gravidez), onde não restam dúvidas que se está diante de um cineasta diferenciado.
E esta é a grande decepção de Fim dos Tempos. Sou fã de M. Night Shyamalan e sei que ele é capaz de entregar ótimos filmes, mas, desta vez, os equívocos estão escancarados. Fim dos Tempos é caótico em sua estrutura, não gera tensão, apresenta personagens irritantes e apela para absurdos com uma constância irritante. Ainda acredito em Shyamalan, mas não foi desta vez que ele recuperou o prestígio outrora conquistado. E é bom que isso aconteça em seu próximo trabalho, pois a paciência começa a se esgotar.
Nota: 4.0
De M. Night Shyamalan. Com Mark Wahlberg, Zooey Deschanel, John Leguizamo, Ashlyn Sanchez, Spencer Breslin e Betty Buckle.
O Sexto Sentido é uma obra-prima. Isso não se discute. Quando o filme chegou aos cinemas, em 1999, M. Night Shyamalan foi alçado ao status de gênio. Como sempre, a reação foi exagerada. Como comprovou em seus filmes seguintes, Corpo Fechado e Sinais, Shyamalan é, sim, um diretor de muito talento e possui a capacidade de contar uma história de maneira autoral e diferenciada. No entanto, a genialidade à qual foi atrelado provou-se frágil quando o cineasta entregou duas obras repletas de problemas, A Vila e A Dama na Água, e se dissipa de vez agora com o lançamento do péssimo Fim dos Tempos.
A obra tem início com uma série de eventos em algumas cidades dos Estados Unidos, quando pessoas começam a cometer suicídios em massa, sem qualquer razão aparente. Na Filadélfia, o professor Elliot fica sabendo do acontecido e decide partir com a esposa, um amigo e a filha deste para algum lugar isolado, onde possam ficar a salvo daquilo que pensam ser uma toxina liberada por terroristas. Elliot precisa superar as dificuldades enfrentadas no casamento, ao mesmo tempo em que tenta encontrar uma explicação para o que está acontecendo.
M. Night Shyamalan tem uma peculiaridade: quando acerta, acerta muito bem; quando erra, seu erro é grotesco. Em seus primeiros filmes, as bolas dentro eram incrivelmente mais constantes que as bolas fora, o que resultou em grandes obras. Em seus últimos esforços, a balança se equilibrou, em produções com momentos de brilhantismo e derrapadas homéricas. Com Fim dos Tempos, o resultado é mais uniforme, porém para o lado errado. M. Night Shyamalan, para decepção minha e de muitos que o defendem, é o responsável por um dos piores filmes de 2008.
Os problemas são muitos e devem-se, em sua grande maioria, ao pior roteiro que Shyamalan já escreveu. O ponto de partida é até interessante: pessoas que começam a tirar suas próprias vidas das mais diversas maneiras e sem explicação. No entanto, o que há de bom na história pára por aí. Desde o momento em que a trama e os personagens começam a se desenvolver – ou ao menos tentar –, Shyamalan acumula um equívoco atrás do outro, com opções que beiram o risível e uma preguiça até então inédita em seus trabalhos anteriores.
Um dos grandes méritos do cinema de M. Night Shyamalan sempre foi a forte identificação criada entre a platéia e os personagens. Seja o psicólogo e o garoto de O Sexto Sentido, o amargurado “super-herói” e o homem de vidro de Corpo Fechado e o padre desiludido de Sinais, todos são pessoas complexas e interessantes, com as quais o espectador se preocupa, e centro dos elaborados enredos – a história, antes, girava em torno deles. Em Fim dos Tempos, Shyamalan nem de perto revive o cuidado na construção dos personagens, apresentando superficialidade absurda em diálogos risíveis.
O conflito no casamento entre Elliot e Alma, por exemplo, que deveria ser o núcleo emocional da obra, é abordado de maneira rápida, jamais convencendo que ali está um casal com problemas reais. Do mesmo modo, o protagonista é reduzido à definição de professor-cientista, uma vez que nada se conhece da personalidade dele, enquanto sua companheira passa o filme inteiro como uma idiota completamente dependente do marido. Para somar, a criança que os acompanha durante boa parte de Fim dos Tempos nada tem a acrescentar à história, tanto em termos gerais, quanto no desenvolvimento dos personagens.
Esta falta de preocupação – ou, como disse antes, preguiça – em desenvolver com mais cuidado e propriedade os personagens termina por gerar cenas ridículas e completamente sem sentido, como o inexplicável momento em que o personagem de John Leguizamo quase bate em Alma apenas por ela pegar na mão de sua filha. Um momento sem nexo e despropositado, que serve como exemplo da série de instantes incongruentes que colaboram para formar o caos que é Fim dos Tempos.
Da mesma forma, Shyamalan, sempre brilhante na construção da atmosfera de seus filmes, peca na tentativa de estabelecer as próprias regras do que acontece. Tudo bem que os personagens partem de suposições para compreender os eventos, mas o cineasta se contradiz e qualquer credibilidade que a história pretendia ter se esvai pelo ralo. Por exemplo, em determinado momento, chega-se à conclusão de que pequenos grupos estão livres do ataque. Porém, outros pequenos grupos sofrem, sim, e apenas os protagonistas parecem escapar. Além disso, por que algumas pessoas são atingidas de maneira diferente? Enquanto umas começam com desnorteamento total, outras ainda conseguem falar e se surpreender com tudo.
Mas não é só isso. Shyamalan jamais consegue fazer o espectador acreditar na possibilidade de um evento deste tipo, o que leva a cenas e diálogos que beiram a insanidade, como quando um personagem diz que “árvores falam com arbustos e arbustos falam com a grama”. E, ainda mais importante, o cineasta não tem história suficiente para um longa-metragem, e “enche lingüiça” com piadinhas sem graça, como um doido falando sobre cachorros-quentes, e situações que nada têm a ver com a história que está sendo contada, como a inserção da velha maluca perto do final.
No entanto, o maior problema do roteiro de Fim dos Tempos é mesmo a maneira como justifica os acontecimentos. O ponto de partida, com as pessoas se suicidando sem razão, é interessante, porém é uma idéia difícil de dar continuidade. É fácil criar uma situação promissora; difícil é conseguir desenvolvê-la mantendo o apelo. Shyamalan tentou, mas sua explicação para os acontecimentos é uma das idéias mais estapafúrdias que já vi no cinema. Se os personagens fossem melhor trabalhados, seria mais fácil de engolir, mas isso não acontece. Ainda que a mensagem transmitida tenha boas intenções, a maneira como é contada parece mais um delírio dos personagens. Nem o próprio Shyamalan parece acreditar na resposta que criou, pois coloca uma cena onde um personagem parece pedir de joelhos a boa vontade da platéia com a solução proposta ao dizer que “há coisas fora da nossa compreensão”.
E é uma pena que, no campo da direção, onde Shyamalan quase nunca erra, os erros também são grandes. Ao contrário de seus outros filmes, não existe a tensão crescente, até porque Fim dos Tempos muda de tom com o vento (um vento normal, não vento assassino). Por exemplo, as tentativas de humor são excessivas e, em sua maioria, fracassadas. Na verdade, quando a produção tenta o humor, o resultado é de dar vergonha (como quando Elliot conversa com uma planta), enquanto as cenas mais engraçadas vêm sem essa intenção (como a dos tigres, um momento totalmente fora de propósito e contra o poder da sugestão que Shyamalan pregou em todos os seus filmes).
Os problemas de direção estendem-se, também, à condução dos atores. Completamente fora do que seus personagens pedem, o elenco está homogeneamente ruim, mesmo levando em conta o péssimo material que tem em mãos. Mark Wahlberg, por exemplo, exagera nas caras e bocas sem sentido, construindo um personagem de desenho animado ao invés de uma pessoa real. Enquanto isso, Zooey Deschanel parece não saber se faz parte de uma comédia, drama ou suspense e John Leguizamo não demonstra outra expressão além de uma cara de aflito. São atuações precárias, dignas de um filme amador – e, levando-se em conta o fato de que sabemos o quanto estes atores podem render, a culpa recai mesmo sobre Shyamalan.
Por que, então, a nota quatro? O fato é que M. Night Shyamalan sabe como poucos criar um quadro e filmar uma cena. O talento do cineasta é claro e, mesmo quando o equívoco é quase completo, como em Fim dos Tempos, Shyamalan ainda assim entrega momentos que fogem do óbvio e surpreendem pela qualidade com que são filmados. As cenas iniciais, por exemplo, estão entre as melhores coisas que o diretor já realizou, com destaque para a impecável seqüência na qual a câmera acompanha os suicídios na linha do chão, sem mostrar as mortes, mas seguindo a arma que cai. O mesmo vale para alguns outros instantes (como o da gravidez), onde não restam dúvidas que se está diante de um cineasta diferenciado.
E esta é a grande decepção de Fim dos Tempos. Sou fã de M. Night Shyamalan e sei que ele é capaz de entregar ótimos filmes, mas, desta vez, os equívocos estão escancarados. Fim dos Tempos é caótico em sua estrutura, não gera tensão, apresenta personagens irritantes e apela para absurdos com uma constância irritante. Ainda acredito em Shyamalan, mas não foi desta vez que ele recuperou o prestígio outrora conquistado. E é bom que isso aconteça em seu próximo trabalho, pois a paciência começa a se esgotar.
Nota: 4.0
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