Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Friday, October 24, 2008

Agonia.

O hospital estava silencioso. Os corredores, quase vazios, exceto por médicos residentes que transitavam com cara de sono na fria madrugada. O cheiro típico do local não mais incomodava as narinas de Marcelo, agora absorto em seus próprios pensamentos. Na sala de espera, sentado em uma cadeira desgastada, ele olhava distante, com os cotovelos cravados nos joelhos e a cabeça apoiada nas mãos.

A dúvida trazia a ansiedade. A falta de informações sobre o estado de sua mulher o angustiava. Há mais de duas horas ela havia entrado por uma daquelas portas. Desde então, nada. Nenhuma novidade sobre o que acontecia lá dentro ou como Lisandra estava. Enquanto isso, pessoas machucadas entravam e saíam, colocando na cabeça de Marcelo idéias que ele tentava evitar.

Marcelo pensava nela. Pensava em todos os momentos que passaram juntos. No primeiro beijo, encostado no portão verde da casa do pai de Lisandra. No casamento modesto, mas caloroso, com convidados chegando de outros estados em cima da hora. Pensava nas noites em que ficavam abraçados na cama, com o frio dominando o pequeno apartamento de dois quartos. Pensava nos planos que faziam para o futuro, sonhando com uma vida que um dia alcançariam.

Pensava em como tudo certamente mudaria a partir de agora. Em uma noite.

Começaram a chegar os parentes e amigos. Os pais de Marcelo, a mãe de Lisandra, a ex-colega de faculdade e atual melhor amiga. Um a um, todos perguntavam como ela estava. Marcelo respondia, com tremor na voz, um rápido “não sei”. Diziam que tudo iria ficar bem, que não havia motivos para se preocupar. Lisandra era forte. Marcelo, porém, permanecia intranqüilo, sem saber o que poderia acontecer.

Tudo havia sido tão rápido. De uma hora para outra, Marcelo se viu a caminho do hospital, com a esposa sofrendo ao lado, enquanto experimentava os limites do Corsa azul, presente dos pais. O desespero e a dor de Lisandra não saíam de sua cabeça. Agora, ali no hospital, a poucos metros de onde Marcelo estava, a pessoa que mais importava em sua vida provavelmente se via cercada por médicos, em dor.

Em meio a um destes devaneios, a porta se abriu. O som ecoou nos corredores silenciosos. Marcelo reconheceu um dos médicos que os receberam na chegada ao hospital. Trazia a cabeça baixa, caminhando sem pressa até o grupo. De súbito, Marcelo levantou, retesando todos os músculos do corpo, na espera da chegada do médico. Não queria demonstrar desespero. Tinha que ser forte.

O médico não levantava a cabeça. Somente o fez após parar, a dois metros de Marcelo. Olharam-se diretamente nos olhos.

Disse o médico:

- Parabéns. Você é pai de um lindo menino.

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