Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Thursday, July 30, 2009

INIMIGOS PÚBLICOS


Por falta de tempo, não vou escrever uma crítica aos moldes de sempre sobre Inimigos Públicos. Até gostaria, pois o filme merece. Mas quero deixar um comentário registrado sobre mais esse grande trabalho de Michael Mann. Como provavelmente tem gente desinformada por aí e nunca ouviu falar do filme, esclareço: Inimigos Públicos se passa nos anos 30 nos EUA, os anos chamados de Grande Depressão, alcunha da época de dificuldades surgida após a quebra da bolsa de valores em 29. A história é sobre John Dillinger, um famoso assaltante de bancos, e a jornada dos homens da Lei para capturá-lo – estes, liderado pelo agente Melvin Purvis. Ok, vamos ao comentário, que espero ser breve. Inimigos Públicos é quase uma obra-prima. Quase. Mann fez, sem dúvida, um dos grandes trabalhos do ano, mas que poderia ter sido genial caso o cineasta tivesse polido melhor a subtrama envolvendo o agente Purvis. Interpretado por Christian Bale, Purvis é um mistério para a plateia. Nada é apresentado para permitir uma maior compreensão do personagem, o que reduz aquilo que poderia – e talvez deveria – ter sido o centro da obra: o embate entre a ordem e a desordem, entre a Lei e o crime, entre Purvis e Dillinger (Mann já trabalhou sobre dualidades em outros de seus filmes, como Fogo Contra Fogo, O Informante e Colateral). O agente é oco, vazio, desprovido de personalidade, e Bale, apesar de grande ator, nada pode fazer com o material. Isso fica ainda mais escancarado quando John Dillinger surge como um personagem forte e complexo, repleto de carisma. O bandido domina o filme e faz de Purvis uma mera sombra pálida, incapaz de proporcionar o equilíbrio ao duelo. Dillinger é interpretado de forma brilhante pelo grande Johnny Depp (a versatilidade do ator é algo que sempre surpreende), que compõe o personagem como um verdadeiro poço de autoconfiança e charme, sem deixar de lado o aspecto humano. Assim, o que poderia ter sido uma grande saga sobre o crime na linha de seu próprio Fogo Contra Fogo ou Batman – O Cavaleiro das Trevas acaba como um grande filme sobre um único personagem: John Dillinger. Para se ter uma idea, ao final da produção alguns dos policiais parecem infinitamente mais interessantes do que Purvis, como o gorducho que espanca Billie e o agente Winstead. Tirando essa falha, tudo é impecável. Desde o preciosismo da recriação da época à belíssima utilização da trilha sonora, passando pelo contexto sobre as celebridades e chegando até a interpretação de Marion Cotillard, Inimigos Públicos é um grande filme. Mas é único graças a Michael Mann. O cineasta ainda é um dos poucos “autores” do cinema norte-americano e filma de maneira extremamente peculiar: a cada poucos minutos, Mann (com a ajuda do fotógrafo Dante Spinotti) apresenta um plano diferenciado e original, que, somado à utilização de câmera digital, captura expressões dos atores e atmosfera do momento com perfeição. Mais do que isso, o diretor é um artesão hábil ao construir sequências inteiras impecáveis, como aquela na qual Dillinger para em um sinal vermelho durante uma fuga, o extraordinário e divertido momento no qual invade o quartel-general da força-tarefa criada para capturá-lo, e, claro, os tiroteios. Se a cena de Fogo Contra o Fogo é lembrada até hoje como referência, o mesmo vai acontecer com os confrontos de Inimigos Públicos. Ao contrário do que normalmente ocorre, Mann corta a trilha sonora, apostando no impressionante trabalho dos efeitos sonoros para trazer realismo às cenas. Além disso, seu estilo de filmar praticamente “joga” o espectador para o meio das balas a níveis absurdos de tensão. Ninguém – repito, ninguém – filma um tiroteio como Michael Mann. Na verdade, ninguém filma qualquer coisa como Michael Mann. Mesmo com alguns deslizes, seus trabalhos são obras sempre únicas, repletas de visão e talento. E Inimigos Públicos, desde já, é um dos melhores.

Nota: 8.5

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