Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Thursday, November 12, 2009

OS FANTASMAS DE SCROOGE


OS FANTASMAS DE SCROOGE (A CHRISTMAS CAROL)
De Robert Zemeckis. Com as vozes de Jim Carrey, Gary Oldman, Robin Wright Penn e Cary Elwes.


Há aproximadamente dois anos, após assistir A Lenda de Beowulf, escrevi as seguintes palavras sobre o filme: “A impressão que fica é a de que Zemeckis parece uma criança feliz com seu novo brinquedo, disposta a utilizá-lo até gastar. (...) A Lenda de Beowulf não é um ruim, mas o resultado serve como aviso ao cineasta: se continuar insistindo na brincadeira, pode acabar tendo que brincar sozinho.”

O brinquedo em questão era a chamada “captura de performance”, nova tecnologia que aproveita as próprias expressões dos atores para desenvolver uma animação digital. Antes do filme já citado, Robert Zemeckis também utilizara a novidade em O Expresso Polar. Justiça seja feita, ambas as produções estavam longe de poderem ser consideradas fracas, porém jamais atingiam a qualidade que Zemeckis apresentou em alguns de seus trabalhos tradicionais, mais especificamente De Volta para o Futuro, Forrest Gump – O Contador de Histórias e Contato.

Mesmo com a recepção morna aos seus dois últimos esforços, Zemeckis optou por continuar brincando com a tecnologia. Seu novo filme, Os Fantasmas de Scrooge, é uma adaptação de Um Conto de Natal, a clássica história de Charles Dickens, através dessa ferramenta. Para quem não conhece, o enredo conta a história de Ebenezer Scrooge, um velho ranzinza que passou a sua vida juntando fortuna e desprezando qualquer contato com as pessoas. Em uma noite de Natal, ele recebe a visita de três fantasmas, que o apresentam a visões do passado, presente e futuro, levando-o a reavaliar sua própria vida.

O primeiro fato importante a ser lembrado é que a história de Dickens já recebeu dezenas (se não centenas) de adaptações. É um dos contos mais lidos e lembrados de todos os tempos. Segundo o IMDB, as versões cinematográficas da jornada de Scrooge tiveram início em 1901; desde então, praticamente todas as décadas foram agraciadas com alguma revisitação da obra, passando pelos mais diversos gêneros. A mais recente versão ocorreu ainda este ano, com o desastroso Minhas Adoráveis Ex-Namoradas.

Como, então, transformar uma história tão querida e conhecida em algo novo para o público? Robert Zemeckis optou pela animação com a “performance de captura”. De certa forma, sua escolha foi correta. Ninguém jamais assistiu uma versão da obra de Dickens com tamanho esplendor visual como em Os Fantasmas de Scrooge. A tecnologia demonstra claras evoluções em relação ao que foi feito em O Expresso Polar e A Lenda de Beowulf: é fascinante acompanhar em detalhes todas as rugas do rosto de Scrooge ou a fantástica iluminação proveniente das velas, por exemplo. Da mesma forma, os cenários criados pela equipe de Zemeckis são exuberantes e ricos em detalhes, com a beleza realçada pelo 3-D – bem aproveitado, por sinal, e não utilizado como mero recurso por si só.

O que também contribui para fazer de Os Fantasmas de Scrooge um verdadeiro espetáculo para os olhos é a própria habilidade do diretor. Zemeckis sabe como construir planos inspirados e repletos de elegância, aproveitando ao máximo a beleza proveniente do CGI. Cenas como a de Scrooge saindo da neblina para chegar em casa ou a do mesmo personagem visto na sombra de um relógio demonstram a capacidade do cineasta para compor um quadro visualmente irrepreensível, comprovando toda a capacidade técnica não somente de Zemeckis, mas também de toda a sua equipe.

Infelizmente, se acerta nessas questões, Zemeckis peca na narrativa, jamais encontrando o tom de seu filme. O clássico de Dickens se tornou atemporal por ser capaz de falar com pessoas de qualquer idade e de qualquer época, mas as opções do cineasta acabam fazendo com que a obra não consiga se adequar a qualquer público. Em certos momentos, Os Fantasmas de Scrooge parece um videogame, com cenas de ação desnecessárias construídas com o único objetivo de atrair o público infantil pela velocidade e apelo visual, como aquela na qual Scrooge reduz de tamanho. Por outro lado, o filme traz trechos sombrios, com imagens que podem impressionar os mais novos, além de ter um ritmo devagar, principalmente em seus primeiros instantes.

A principal falha de Os Fantasmas de Scrooge, porém, é jamais fazer a plateia acreditar totalmente na transformação do personagem. O núcleo da história de Dickens sempre foi a jornada de Ebenezer Scrooge, que começa a obra como um velho casmurro e termina como um homem generoso. Zemeckis parece tão embasbacado com a tecnologia que perde um pouco a noção do que importa. A mudança de Scrooge não é realizada de forma gradual e, portanto, torna-se pouco crível. Na verdade, o personagem parece encontrar a sua redenção logo na aparição do primeiro fantasma, o que enfraquece a sua jornada.

Dessa forma, o filme acaba sendo estéril em termos emocionais. Toda a criatividade e capacidade técnica vistas na questão visual não encontram paralelo em termos dramáticos. Os Fantasmas de Scrooge não deixa de ser uma realização impressionante e, a certo ponto, importante, por mostrar a evolução tecnológica dos efeitos digitais. É uma pena, porém, que fique no meio do caminho no que realmente importa: a história e os personagens, coração do clássico de Charles Dickens.

Será que desta vez Robert Zemeckis aprendeu a lição?

Nota: 5.0

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