O vício está no ar
-
Olá, meu nome é Maurício Pilar e eu sou um viciado em oxigênio.
Não
foi fácil para Maurício chegar a este ponto. Antes de ser capaz de reconhecer o
seu vício, de procurar ajuda e iniciar o tratamento, Maurício sofreu como
qualquer outro dependente.
Por
vinte e três anos, o oxigênio foi a sua vida. Sempre que perguntado quando o
problema teve início, ele respondia:
-
Desde que me lembro.
Mas
ele sabia que, na verdade, tudo começou antes mesmo de suas lembranças. A
primeira vez que usou oxigênio Maurício provavelmente não tinha consciência do
que estava fazendo. Levado por um instinto natural, ele pôs o ar à sua volta para
dentro do corpo pela primeira vez quando ainda era um recém-nascido coberto de gosma.
O
vício foi instantâneo. Ao preencher seus pulmões com aquele gás, Maurício
sentiu o prazer que se repetiria por toda a vida. E nunca mais o largou. O
oxigênio tornou-se indispensável. Era parte de si. Ao longo dos anos, ele chegou
até mesmo a perder a vergonha. Maurício respirava na frente de todos, alheio a
tudo e indiferente aos olhares de seu pai, sua mãe, amigos e colegas.
Como
ocorre com qualquer dependente, sua vida seguiu ladeira abaixo. Maurício não
conseguia aceitar que era um viciado. Negava o problema de todas as formas.
Dizia, inabalado:
-
Se quiser, eu paro.
Mas
não parava. Nunca parou. O vício foi ficando cada vez pior. Maurício usava oxigênio
logo ao acordar. Usava durante o trabalho. Usava em encontros com garotas.
Usava em jantares de família, com seus adoráveis avós à mesa. Certa vez, ao
acordar durante a madrugada, flagrou-se usando sem ao menos perceber, enquanto
dormia.
Foi
o momento em que cogitou buscar algum tratamento. Primeiro, tentou abandonar o
oxigênio por sua própria força de vontade. Não foi possível. As crises de
abstinência eram fortíssimas. Sou rosto ficava roxo, quase azulado, a cabeça
começava a doer e logo estava de volta ao oxigênio.
O
acontecimento definitivo para aceitar ajuda foi em uma partida de futebol com
os amigos. Ao receber um lançamento pelo lado esquerdo do campo, Maurício
precisou correr como nunca antes tinha corrido para alcançar a bola. Logo em
seguida, sentiu uma inédita necessidade de oxigênio. Começou a respirar de
forma acelerada, incontrolável, incessante. Inspirava, expirava, inspirava,
expirava. Precisou sair do jogo para sustentar seu vício.
Ao
final do jogo, comentou:
-
Hoje vi que estou dependente demais. Preciso tratamento.
Assim
o fez. Na clínica, encontrou um novo sentido para a sua existência. Ao
interagir com outros respirólatras, Maurício se identificou. Viu que não estava
sozinho. Ele poderia superar o problema caso se dedicasse de forma completa e
irrestrita.
Com
o apoio dos colegas, pouco a pouco foi deixando para trás aquela vida. Evoluiu,
vagarosamente, para superar o problema. Sentia-se feliz como nunca antes. As
possibilidades se abriam. O futuro era amplo. A felicidade, sua nova companheira.
Após
muita luta e muito esforço, após uma entrega quase total, ele conseguiu. Em um
instante mágico à beira da piscina azul, ao lado de novos amigos e sob um insistente
sol de janeiro, percebeu que havia largado de vez o oxigênio.
Maurício,
finalmente, livrara-se do vício.
Três
minutos depois, estava morto.
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