Um barzinho, uma cerveja e um violão.
Foi após mais um longo dia de
trabalho. Lentamente, metro a metro, eu percorria uma das mais movimentadas
avenidas da cidade. Naquele encontro caótico de luzes e sons quase oníricos, conduzindo
o carro ainda anestesiado pelas horas anteriores, passei em frente a um pequeno
bar no lado direito da rua. O adjetivo ao lugar é preciso, garanto; o boteco
consistia em nada mais que um balcão na parte de dentro e uma única mesa com
cadeira na parte de fora.
Ali
estava sentado o rapaz.
Enxerguei-o
por breves segundos. Ele devia ter em torno de trinta anos. Com longos cabelos castanhos
desgrenhados e uma descuidada barba da mesma cor, parecia não se preocupar em
se encaixar nas regras de beleza impostas pela sociedade – uma percepção
ratificada pelo desbotado moletom vermelho, que parecia implorar por melhores
tratos.
À
sua frente, na mesa, a cerveja era a única companheira. O copo ainda cheio
parecia ter sido esquecido, como se trocado, em uma traição dolorosa e insensível,
pelo violão que o homem carregava nos braços. Era nele que o jovem depositava a
sua paixão. No instrumento claramente marcado pelo tempo, já sem cor, com
arranhões e diversos adesivos, o rapaz entregava toda a sua devoção. Com
contagiante dedicação, olhos fechados e rosto expressivo, interpretava de forma
sensível alguma canção que jamais chegou aos meus ouvidos.
Se
cantava felicidade, se cantava paixão, se cantava tristeza, isso é algo que se
perdeu no ar frio daquela noite. Jamais saberei. Porém, pouco importa. A força
daquele momento estava em sua simplicidade. Estava na própria ignorância de
tudo o que o cercava. Para aquele homem, não existia o estressante engarrafamento,
o caos urbano ou os prédios imensos e desalmados à sua volta. A ele, não
importava estar tocando e cantando a uma plateia de pedra e de metal que não o reconhecia.
Não pensava em seus sonhos irrealizados, em suas dificuldades financeiras, em
suas más escolhas, em possíveis aventuras amorosas que esculpiram dolorosas
rugas em sua face.
O que
importava, ali, era a união indelével entre ele, o violão e os goles da
cerveja.
Aquele
era um momento de autoconhecimento. Era a sessão de psiquiatria que conseguia
pagar. Era o instante em que relaxava, em que se tornava um com a arte para
poder respirar novamente e seguir em frente com a sua vida. Era o seu instante
pessoal. Era pura inspiração.
Ninguém
o filmava. Ninguém queria a sua foto. Ninguém, além de mim, parecia presenciar o
que acontecia naquela abandonada mesa de bar. Naquele homem, os outros
enxergariam um louco. Veriam ali apenas um maluco, um pária, uma excluído da
sociedade. Porém, já disseram outras vezes, loucos talvez sejam aqueles que não
conseguem ouvir a música que ele ouvia.
Naquele
breve instante, perdido talvez para sempre no cada vez mais veloz caminhar do
tempo, o sofrido homem estava feliz. Naqueles poucos minutos, saboreando sua
cerveja e expressando-se através da música, ele provavelmente tenha encontrado
a si mesmo.
Talvez,
ali, ele tenha compreendido algo maior. Talvez, ali, ele tenha percebido que
nunca é solitário quem tem a sua própria companhia.
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