Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Friday, June 08, 2012

Um barzinho, uma cerveja e um violão.


Foi após mais um longo dia de trabalho. Lentamente, metro a metro, eu percorria uma das mais movimentadas avenidas da cidade. Naquele encontro caótico de luzes e sons quase oníricos, conduzindo o carro ainda anestesiado pelas horas anteriores, passei em frente a um pequeno bar no lado direito da rua. O adjetivo ao lugar é preciso, garanto; o boteco consistia em nada mais que um balcão na parte de dentro e uma única mesa com cadeira na parte de fora.

            Ali estava sentado o rapaz.

            Enxerguei-o por breves segundos. Ele devia ter em torno de trinta anos. Com longos cabelos castanhos desgrenhados e uma descuidada barba da mesma cor, parecia não se preocupar em se encaixar nas regras de beleza impostas pela sociedade – uma percepção ratificada pelo desbotado moletom vermelho, que parecia implorar por melhores tratos.

            À sua frente, na mesa, a cerveja era a única companheira. O copo ainda cheio parecia ter sido esquecido, como se trocado, em uma traição dolorosa e insensível, pelo violão que o homem carregava nos braços. Era nele que o jovem depositava a sua paixão. No instrumento claramente marcado pelo tempo, já sem cor, com arranhões e diversos adesivos, o rapaz entregava toda a sua devoção. Com contagiante dedicação, olhos fechados e rosto expressivo, interpretava de forma sensível alguma canção que jamais chegou aos meus ouvidos.
           
            Se cantava felicidade, se cantava paixão, se cantava tristeza, isso é algo que se perdeu no ar frio daquela noite. Jamais saberei. Porém, pouco importa. A força daquele momento estava em sua simplicidade. Estava na própria ignorância de tudo o que o cercava. Para aquele homem, não existia o estressante engarrafamento, o caos urbano ou os prédios imensos e desalmados à sua volta. A ele, não importava estar tocando e cantando a uma plateia de pedra e de metal que não o reconhecia. Não pensava em seus sonhos irrealizados, em suas dificuldades financeiras, em suas más escolhas, em possíveis aventuras amorosas que esculpiram dolorosas rugas em sua face.

O que importava, ali, era a união indelével entre ele, o violão e os goles da cerveja.

            Aquele era um momento de autoconhecimento. Era a sessão de psiquiatria que conseguia pagar. Era o instante em que relaxava, em que se tornava um com a arte para poder respirar novamente e seguir em frente com a sua vida. Era o seu instante pessoal. Era pura inspiração.

            Ninguém o filmava. Ninguém queria a sua foto. Ninguém, além de mim, parecia presenciar o que acontecia naquela abandonada mesa de bar. Naquele homem, os outros enxergariam um louco. Veriam ali apenas um maluco, um pária, uma excluído da sociedade. Porém, já disseram outras vezes, loucos talvez sejam aqueles que não conseguem ouvir a música que ele ouvia.

            Naquele breve instante, perdido talvez para sempre no cada vez mais veloz caminhar do tempo, o sofrido homem estava feliz. Naqueles poucos minutos, saboreando sua cerveja e expressando-se através da música, ele provavelmente tenha encontrado a si mesmo.

            Talvez, ali, ele tenha compreendido algo maior. Talvez, ali, ele tenha percebido que nunca é solitário quem tem a sua própria companhia.

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