Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

Name:
Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Tuesday, March 07, 2006

A Jaqueta do Osvaldo

Quando reencontrei o Osvaldo ele estava sem a jaqueta. O que era de se esperar, já que fazia mais de vinte anos que a gente não se via. Mas a imagem que eu tinha do Osvaldo era a da jaqueta. Circulando pelos corredores do colégio, pedindo cola nas provas, dando em cima das colegas. Se bobear, ele usava a jaqueta até nas aulas de Educação Física, mas disso eu não lembrava.

- E essa roupa, Osvaldo? – perguntei, observando o terno azul-marinho que ele vestia impecavelmente.

- Tenho que trabalhar, né, Paulinho? Advogado não pode andar mal vestido.

- Não, claro que não.

Começamos a falar sobre assuntos idiotas, o que normalmente acontece quando revemos alguém depois de certo tempo. Na verdade, eu nem prestava atenção no tema em questão. Tinha apenas uma pergunta pra fazer pro Osvaldo e era sobre a jaqueta.

A jaqueta do Osvaldo. Na época do colégio, a jaqueta do Osvaldo era tão ou mais desejada por nós do que a Carla. E olhe que éramos adolescentes em ponto de ebulição e a Carla uma garota tão gostosa que até os professores eram apaixonados por ela. Bom, basta dizer que nunca repetiu de ano, mesmo sem jamais ter tirado uma nota acima de seis.

A jaqueta do Osvaldo. Couro de verdade. Segundo ele, refrescava no verão e esquentava no inverno. Fazia ele parecer o Marlon Brando jovem, apesar de que na época eu não fazia idéia de quem era Marlon Brando. Não havia um garoto em todo o colégio que não invejava o Osvaldo e não desejava ter uma jaqueta igual.

Claro que, pouco depois que o Osvaldo surgiu pela primeira vez com a jaqueta, todo mundo apareceu com uma. Mas nenhuma era igual. O Osvaldo nunca contou onde conseguiu aquela jaqueta, mas ela era diferente de todas. Brilhava mais, chamava mais a atenção. As garotas caíam em cima dele, inclusive a Carla. Houve um tempo em que invejávamos o Osvaldo tanto por ter a jaqueta quanto por ter a Carla.

E ali estava o Osvaldo, vinte e dois anos depois. Devia estar casado, com filhos, uma casa de dois andares e dirigindo um Honda Civic. Provavelmente nem lembrava da jaqueta. Mas ela nunca saiu da minha cabeça. Tudo o que eu queria fazer era perguntar para o Osvaldo que fim levara a jaqueta. Queria ouvir sua resposta, mas ele não parava de falar sobre o artigo não sei que número de uma lei estranha que um cara sem ter o que fazer inventou.

- Osvaldo, faz vinte e dois anos que não nos vemos. Não vamos ficar falando sobre leis, né? – interrompi.

- Claro, Paulinho. Está certo – concordou ele. – Na verdade, tenho que ir, já estou atrasado.

Eu precisava perguntar e tinha que ser rápido.

- Claro, Osvaldo. Bom te ver – enquanto apertávamos as mãos, perguntei: - E a jaqueta, Osvaldo?

- Jaqueta? – ele se surpreendeu, genuinamente surpreso.

- Sim, a jaqueta de couro. Lembra dela? Você a usou por quase dois anos. Aquela jaqueta que todo mundo queria ter.

- Ah, sim! A jaqueta de couro! Nem lembrava mais dela. É verdade, lembro que todos invejavam ela.

Preparei-me para fazer a pergunta derradeira. Com um sorriso malicioso e imperceptível no rosto, questionei:

- Que fim levou ela?

- Não sei. Nunca soube. Deixei no meu armário um dia e quando voltei não estava mais lá. Lembro que fiquei mal por umas três semanas após o acontecido.

- Foi roubada, então?

- Por que você está querendo saber sobre a jaqueta?

- Eu iria fazer uma oferta por ela.

- Sério mesmo?

- Claro, sempre quis ter aquela jaqueta. Não caberia em mim hoje, mas seria só pelo prazer de tê-la.

- Pena que não a tenho mais – Osvaldo disse. E, após um instante, despediu-se: - Bom, Paulinho, tenho que ir. Legal te ver.

- Digo o mesmo, Osvaldo, digo o mesmo.

Despediram-se e segui em direção à minha casa, com um sorriso de satisfação no rosto. Assim que entrei no meu quarto, abri o guarda-roupa e tirei lá de dentro uma jaqueta preta, de couro, um pouco envelhecida, mas ainda bonita.

Não cabia mais em mim, mas isso não importava. Saber que eu a tinha já era o bastante. Saber que o Osvaldo nunca soube disso era ainda melhor.

Silvio Pilau – 28/12/05

0 Comments:

Post a Comment

<< Home