Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Thursday, February 12, 2009

O LEITOR


Ainda faltam três para assistir (Quem Quer Ser um Milionário?, Milk e Frost/Nixon), mas já afirmo que O Leitor é o filme mais fraco dos cinco indicados ao Oscar na categoria principal. Tudo bem que o diretor Stephen Daldry é um dos queridinhos da Academia, mas somente os velhinhos que comandam aquela premiação quadrada para conseguir julgar esse trabalho repleto de problemas como um dos melhores do ano. E não são falhas pequenas, mas deslizes que prejudicam a apreciação da obra como um todo. Para começo de conversa, o filme demora um pouco a realmente fisgar o espectador. A história inicial do romance de Hannah com Michael é feita de forma abrupta e causa alguns momentos de estranheza – se o público entende os motivos do rapaz, a entrega fácil da mulher soa implausível. Assim que a intimidade entre ambos é estabelecida, a história flui melhor e os personagens começam a envolver, até porque fica claro que há, por trás de tudo, um segredo a ser revelado. E é exatamente esse segredo que permeia o segundo – e mais forte – ato de O Leitor, centrado no julgamento de um dos personagens. Ali, o arco dramático da trajetória de Michael é desenvolvido, Kate Winslet tem seus melhores momentos e, mais importante, é quando Daldry e o roteirista David Hare levantam algumas questões importantes, que vêm a ser o centro de toda a narrativa do filme. A mais relevante delas diz respeito a agir ou não agir diante daquilo que se acha correto. Isso vale tanto para o segredo de Hannah, que se estende à nação alemã durante a Segunda Guerra, quanto para o dilema particular de Michael, cuja decisão acaba por influenciar o restante de sua vida. Em relação ao nazismo, Daldry e Hare colocam discussões válidas nas bocas dos personagens sobre o fato de todos saberem que Hitler e seus comparsas faziam com os judeus na época, mas ninguém teve coragem de se posicionar contra. É essa culpa, por saber ter sido conivente com atos de extrema crueldade, que aflige o povo germânico e dá o tom desse momento de O Leitor, o que fica claro em uma declaração do professor interpretado por Bruno Ganz a Michael: “Se vocês não aprenderam com a gente, não adiantou de nada”. A questão é: o que a eu faria no lugar dos personagens? Infelizmente, logo em seguida Daldry se submete à Síndrome do Oscar e derrapa no melodrama, realizando um terceiro ato desastroso. Personagens começam a tomar atitudes que não condizem com o que havia sido apresentado até então (a última ação de Hannah é a principal delas), outros que mal haviam aparecido surgem para dar encerramento à trama (a filha da sobrevivente e a filha de Michael) e Daldry simplesmente deixa claro o fato de que não faz a menor idéia de como encerrar o filme. No entanto, o maior de todos os problemas de O Leitor concerne a própria personagem de Hannah. Ao final do filme, ela continua um mistério ao espectador. Ainda que a platéia já conheça seus segredos, é impossível ter noção sobre que tipo de pessoa ela realmente é: ignorante, inteligente, dissimulada, má, boa? Tudo isso junto? Uma linha tênue separa um personagem complexo de um mal construído e Hannah se encaixa na segunda categoria. A sua sisudez do ato inicial contrasta com a fragilidade do momento do julgamento, assim como a ignorância central à narrativa jamais é apresentada em outro instante. Esse desenvolvimento problemático não consegue ser salvo nem com o incrível talento de Kate Winslet, que brilha em momentos específicos, mas é prejudicada pelo roteiro na construção da personagem. Assim, como o espectador jamais conhece a verdadeira Hannah, mesmo que a culpa não seja de Winslet, acredito que este está aquém de outros trabalhos da atriz, tornando a indicação ao Oscar injustificada (nesse sentido, ela está muito melhor no superior Foi Apenas um Sonho). Essa distância entre público e personagens impede qualquer resquício de emoção e faz com que os momentos nos quais Daldry tenta explorar o silêncio e os olhares sejam apenas entediantes – seja o que estiver passando no interior dessas pessoas, este sentimento não se reflete do lado de cá da tela. No geral, O Leitor é um filme bom, mas nada além disso. Possui um enredo interessante, ótimas atuações (o garoto Daniel Kross é excelente) e levanta valorosas discussões. Mas é inegável que possui uma série de problemas, que tornam-se ainda mais claros quando se reflete sobre o filme. Está longe, mas longe mesmo, de ser um dos melhores do ano.

Nota: 6.0

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