Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Wednesday, October 14, 2009

Anticristo e a arte.

Fui ver o Anticristo, do Von Trier. O que vou escrever aqui não é uma crítica sobre o filme, não se preocupem. Na verdade, nem sei se gostei ou não do que vi. Se me pedissem para dar uma nota, diria que é algo entre 1.0 e 9.0. A obra do auto-proclamado “melhor diretor de cinema do mundo” pode ser uma verdadeira bomba ou uma obra-prima. Ela atende as duas definições. Difícil – se não impossível – defini-la. Certamente a grande maioria vai odiar. Muitos, porém, irão adorar. E centenas de outros vão pensar como eu: que estivemos diante de uma manifestação da arte em sua mais pura forma.

Já faz praticamente 24 horas que assisti e as imagens e a complexidade do trabalho de Von Trier continuam me assombrando. Não consigo esquecê-las. Saí da sala do cinema chocado com o que vi, mas, principalmente, intrigado. Saí pensativo. Voltei para casa pensando no que havia assistido. Fui dormir tentando compreender na totalidade o que o diretor quis dizer. Aproveitei os intervalos do trabalho no dia seguinte para buscar informações e opiniões que me ajudassem a montar a minha própria interpretação. Finalmente, cheguei à conclusão de que a conclusão não necessariamente existe. Explicações, plural, sim. Uma, a definitiva, não.

E foi em meio a essas reflexões sobre o significado de Anticristo que me dei conta de que estive diante de uma verdadeira obra de arte. Posso até não ter gostado do filme, posso ter achado os excessos escatológicos de Von Trier até gratuitos, mas admirei o cineasta por fazer o que fez. Anticristo não é para ser assistido, mas para ser pensado. Para ser apreciado, é preciso refletir sobre seus simbolismos, seus personagens, suas belas imagens e, acima de tudo, sua selvageria. Anticristo é um filme corajoso que ousa cutucar o espectador e fazê-lo sair de seu marasmo intelectual.

Isso é arte. Arte não é Michael Bay ou Dan Brown. Estes dois são entretenimento. Passatempo. A verdadeira arte é aquela capaz de instigar, de questionar. É a que faz a gente enxergar o mundo de outra forma. A que gera novas opiniões, que propõe pontos de vista diferenciados. Arte é o que nos leva a pensar, refletir, e que nos torna mais críticos. Arte de verdade é aquela criação que nos faz evoluir como seres humanos, que oferece ao menos um milésimo de uma compreensão maior sobre aquilo que nos cerca. E, de preferência, o faz através de perguntas, não de respostas, levando-nos a encontrar nossas próprias soluções.

É raro encontrar uma obra assim, seja no cinema, na literatura, na música, na pintura, ou em qualquer outro lugar. A arte que muda o mundo é a arte subversiva, que teima em não se adequar a padrões. O objetivo da arte não é ser aceita, mas provocar reações. É ser, de preferência, contestada. De início, gerar repulsa, ódio, medo. Não apenas através do choque pelo choque. Isso qualquer um faz. Eli Roth acha que é gênio por mostrar sangue e tortura em seus albergues. Ele não é gênio. É apenas um sádico sedento por sangue. Seus filmes são vazios em reflexão. O Anticristo de Von Trier não. Roth mostra, Von Trier desafia. Roth apresenta, Von Trier provoca. Roth é um cineasta, Von Trier é um artista.

Confesso que fazia um bom tempo que um filme não me incomodava tanto quanto Anticristo. Incomodar no bom sentido. No sentido de ser desafiado. De saber que, agora, sou uma pessoa mais completa do que era antes de assistir ao filme. Exagero, talvez, mas sinto aquela sensação prazerosa de que, de alguma forma, cresci. Aprendi algo com essa obra. Somente a arte, a verdadeira arte, a arte que provoca, que instiga, é capaz disso. Essa arte pode mudar uma pessoa e expandir uma forma de pensar. Pode criar uma nova forma de pensar

Esse é o medo das pessoas em relação a esse tipo de arte. A imensa maioria vai odiar Anticristo não porque é um filme ruim, mas simplesmente porque não irá ao menos tentar compreendê-lo. Terá preguiça de pensar sobre ele. Não refletirá sobre o que assistiu ou sobre o que o artista buscou transmitir. Por preguiça, claro, mas também por medo. Um é consequência do outro. Como não querem pensar, não aceitam o que é diferente. O original dá medo. A inovação assusta. O novo traz receio. Tudo o que foge das fórmulas preestabelecidas é pretensioso. A pasteurização domina. O fast-food intelectual reina.

Lars Von Trier é o melhor diretor de cinema do mundo, como falou em Cannes? Não sei dizer. Provavelmente não. Talvez seja impossível apontar um. Mas ele está, certamente, entre os poucos diretores capazes de criar verdadeira arte. De apresentar uma visão original e levar a plateia a refletir sobre aquilo que assiste. Von Trier faz cinema para inquietar, para provocar e para questionar. Por isso, mesmo que eu não consiga dizer se gosto ou não de seu último filme, posso dizer com segurança que o admiro por ter a coragem de ser um artista verdadeiro e único em uma época onde eles são tão raros.

1 Comments:

Blogger Rosele said...

Esse é o efeito de Anticristo!
Assim como você, também me senti perseguida (no bom sentido) por esse filme tão intrigante. As imagens foram me acompanhando durante dias sem parar...
Tive uma necessidade enorme de encontrar com pessoas que também o tinham assistido para poder debater!
Não é um filme fácil, mas fiquei fascinada!
É realmente um obra prima!

Gostei da sua crítica!

10:02 AM  

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