Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Wednesday, September 02, 2009

Gozada revolução.

Os milhares de concorrentes já estavam reunidos. Nervosos, caminhavam e corriam de um lado para o outro, esperando o tiro de largada. Aquele era o momento pelo qual esperaram a vida inteira. Pelo qual nasceram. Estavam prestes a cumprir a sua missão.

Em meio ao tumulto, Oscar parecia ainda mais tenso que os demais. Esfregava as mãos e falava sozinho. Não estava agitado unicamente pela grande corrida que tinha diante de si, mas por não encontrar o que procurava. Estava em busca de seu amigo Ernesto. Desde crianças, juravam viver aquele momento juntos.

Finalmente, Oscar o enxergou. Como se estivesse alheio a tudo o que ocorria, Ernesto caminhava tranquilamente, sereno, desdenhando a ansiedade de seus companheiros.

- Emerson, onde você andava? – gritou Oscar, aproximando-se do amigo.

- Pensando – respondeu Ernesto, sem qualquer alteração.

- Pensando em quê? E o que é isso na sua cabeça?

- Uma boina.

Ernesto usava uma boina na cabeça.

- Eu sei que isso é uma boina, mas por que você está com ela? Logo hoje?

- É protesto.

- Protesto contra o quê? Isso é hora de protestar? Agora que chegou a nossa vez de correr?

- Eu não vou, Oscar.

- Não vai? Como não vai?

- Não vou. E se você fosse mais inteligente, também não iria.

Oscar não entendia o que estava acontecendo com o amigo. Sempre imaginaram aquele momento. Sempre sonharam em compartilhar aquela corrida. Sabiam que apenas um chegaria ao final, mas isso fazia parte da natureza deles. Era algo com o qual teriam que conviver.

Afinal, eram espermatozóides prestes a correr em direção ao óvulo.

- Do que diabos você está falando, Ernesto? – Oscar começava a se desesperar.

- Eu não vou. Finalmente compreendi que a nossa existência está errada. Que somos meros peões de um sistema muito maior que nada nos beneficia.

Alguns espermatozóides já começavam a parar para ver aquela cena tão inusitada.

- Ernesto, cale essa boca e se prepare – disse Oscar, puxando o amigo pelo braço. – Nosso humano pode ter orgasmo a qualquer momento e temos que estar à disposição.

- Por quê, Oscar? – perguntou Ernesto, já se desvencilhando do braço do companheiro. – Por que temos que estar à disposição dele? Por que milhões e milhões de nós devemos sacrificar as nossas vidas para que somente um possa prosperar? Isso está errado. Errado! E eu me recuso a fazer parte desse sistema.

O grupo em torno de Ernesto aumentava. Alguns já concordavam meneando a cabeça e outros gritavam palavras de apoio. Ernesto se sentiu encorajado e continuou, agora erguendo a voz.

- Espermatozóides de todo o escroto, uni-vos. Não mais nos subjuguemos a essa competição capitalista na qual apenas um é o vencedor. Não mais cederemos nossas vidas e nossas existências para o prazer de um ser humano. Nós somos o poder. Nós somos o povo.

- É isso aí! – esbravejavam alguns.

- Ele está certo! – clamavam outros.

O apoio incentivou Ernesto a continuar:

- E o pior de tudo é que jogamos fora as nossas vidas sem sabermos o nosso destino. Podemos acabar na mão dele, em um ato solitário de prazer. Podemos acabar dentro de paredes de látex, em um coito sem qualquer futuro para nós. É hora de darmos um basta. É hora de lutarmos por nossos direitos. É hora de nos tornamos os espermatozóides que devemos ser!

Ao seu redor, a multidão explodiu. Os milhares de espermatozóides que ouviam o discurso gritavam o nome de Ernesto incessantemente. Alguém o levantou. Ernesto foi carregado nos ombros por seguidores inebriados com suas belas palavras sobre justiça e igualdade.

Então, um ensurdecedor alarme começou a disparar. Luzes vermelhas piscavam de todos os cantos. As vozes dos protestantes foram caladas pelo apito. A movimentação cessou.

- Está na hora! – alguém gritou.

Os apoiadores de Ernesto ficaram parados. “O que fazer?”, pensavam. Uma coisa é concordar com as ideias de um contestador, outra é agir junto a ele.

Eram milhares, porém, poucos. Um número reduzido diante dos outros milhões que não ouviram as palavras de Ernesto e agora corriam irrefreavelmente. Os companheiros de Ernesto se deram conta de que, se não participassem da corrida, seriam atropelados pela multidão.

Preferiram partir em disparada. Ernesto também correu por sua vida. A princípio, tentava apenas se salvar. Algum tempo depois, percebeu que estava fazendo exatamente o contrário do que propagara em seu discurso. Mas agora era tarde. Só restava correr ao lado dos companheiros e lutar por sua vida.

E foi o que fez. Usou toda a sua velocidade para não ser atropelado e manteve um bom desempenho, sempre no pelotão de frente. Lá, encontrou Oscar e correram lado a lado.

Viu uma luz. Estavam chegando ao destino. Os dois apertaram o passo e ganhara mais algumas posições. Finalmente, chegaram ao final do trajeto e deram o salto definitivo.

Então, quando viu para onde iam, Ernesto sorriu. Mesmo ciente de possuir poucos instantes de vida, sorriu. Sorriu por ter alcançado o seu objetivo.

No momento derradeiro, pelo menos alguém estava engolindo suas ideias revolucionárias.

1 Comments:

Blogger Ci said...

Hahahahahhaa...

O Che dos espermatozóides!

1:51 PM  

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