Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Wednesday, December 07, 2005

O EXORCISMO DE EMILY ROSE

O EXORCISMO DE EMILY ROSE (THE EXORCISM OF EMILY ROSE) ***
De Scott Derrickson. Com Laura Linney, Tom Wilkinson, Scott Campbell, Colm Feore, Jennifer Carpenter, Mary Beth Hurt e Henry Czerny.


07/12/05 – Silvio Pilau

No início dos anos 70, uma jovem estudante alemã chamada Anneliese Michels começou a assumir um comportamento estranho. Sem motivo aparente, era dominada por ataques de fúria e parecia ser incapaz de controlar seu corpo. Submetida a tratamento médico, Anneliese não mostrou evoluções para combater a doença. Foi aí que a família optou por um outro caminho. Acreditando que a garota estivesse possuída por demônios, o que ela própria falava, a família convocou um padre para realizar um ritual de exorcismo. Já enfraquecida, Anneliese não resistiu e acabou falecendo. Logo em seguida, o padre e a família foram acusados de homicídio.

Esta história, com algumas alterações, serviu de base para o roteiro de O Exorcismo de Emily Rose. É, indiscutivelmente, uma trama interessantíssima de ser explorada narrativamente, com diversas possibilidades de se construir uma obra riquíssima. Pena que a falta de experiência do diretor Scott Derrickson e algumas falhas do roteiro impeçam o filme de alcançar a qualidade que poderia ter.

Contando praticamente duas histórias ao mesmo tempo (a disputa no tribunal e, em flashbacks, a história da personagem título), a primeira coisa que pode ser dita a respeito de O Exorcismo de Emily Rose, justiça seja feita, é a louvável opção do cineasta em estabelecer uma discussão entre ciência e fé. Contrapondo os dados médicos a respeito da condição da garota com as crenças sobre uma real possessão demoníaca, Derrickson incute no espectador a dúvida daquilo que realmente acontecer.

No entanto, esta qualidade do filme logo é enfraquecida quando se percebe que a intenção não era a de mostrar os dois lados da situação ao espectador, mas, sim, tratar das questões médicas apenas para exibir a estratégia da acusação para ganhar o caso. Ou seja, a ambigüidade que a história poderia ter é dissipada quando se percebe quando Derrickson defende que o exorcismo foi real e os médicos estão todos errados.
Aliás, Scott Derrickson ainda comete alguns excessos em determinados momentos do filme, algo comum com diretores estreantes. Em uma conversa entre o padre Moore e advogada na cela, por exemplo, o cineasta aplica um zoom completamente desnecessário no rosto do homem, tirando toda a seriedade da cena. Da mesma forma, em outra cena ele se aproveita do artifício utilizado por Darren Aronofsky em Réquiem por um Sonho, na qual a câmera parece fixa no corpo do ator, mostrando seu rosto, enquanto ele corre. Se a idéia caía como uma luva no clima de desespero e na edição cinética de Réquiem por um Sonho, em O Exorcismo de Emily Rose a cena fica desconexa com o tom do filme.

E este não é o único problema da obra. As seqüências que deveriam causar tensão no espectador não funcionam, com exceção da primeira delas. Ocorrida dentro do dormitório de Emily – a primeira vez em que ela sofre com o problema – é uma seqüência muito bem conduzida, explorando os espaços do corredor e realmente causando angústia no espectador no momento do ataque sofrido pela personagem.

O diretor, porém, praticamente reproduz esta seqüência ao menos três vezes durante o filme, com outros personagens. O resultado é que as cenas soam repetitivas e, após esta primeira, acabam perdendo a sua força. Além disso, o momento em que Emily tem as primeiras visões (na janela da sala de aula e no rosto das pessoas) mais parece um filme trash do que um terror que tenta ser de primeira linha.
E “tentativa” talvez seja a palavra que melhor resuma o filme. O Exorcismo de Emily Rose é recheado de intenções corretas, apesar de apenas algumas se concretizarem. Além da já citada discussão entre fé e ciência, outro exemplo que poderia ser citado nesse sentido é a opção em deixar de lado os sustos para investir em clima de tensão constante. Pena que, como já foi comentado, o filme se torne repetitivo a partir de certo momento, enfraquecendo esta escolha acertada do cineasta.

O roteiro, igualmente, não consegue se sustentar. Verdade que o desenvolvimento da narrativa deixa um certo clima de mistério quanto ao final. O espectador sabe desde o início o que vai acontecer, mas é atraído pela história para saber como vai acontecer. Mesmo assim, os personagens jamais se tornam simpáticos ou, ao menos, recebem um desenvolvimento adequado.
O advogado de acusação, por exemplo, é um que poderia ter sido explorado mais satisfatoriamente. O roteiro o coloca como um homem de fé, praticante. Um belo ponto de partida para abordar um possível conflito interior entre suas crenças e o fato de estar batalhando para mandar um padre para a cadeia. No entanto, nada nesse sentido acontece e a posição religiosa do advogado parece ser esquecida no desenvolvimento da trama.

Já com a personagem de Laura Linney acontece algo diferente. É a única que possui um arco dramático na história, com suas convicções e personalidade modificadas entre o início e o fim do filme. O fato é que essa transformação jamais convence, apesar da atuação correta de Linney. A dúvida que deveria crescer nela durante a obra acontece muito rapidamente. Sua conversa com o padre, sobre como começa a pensar na possibilidade de existir um plano espiritual, é artificial ao extremo.

Mesmo que jamais se torne entediante e prenda a atenção até o final, O Exorcismo de Emily Rose não passa de uma produção correta. Tem uma bela atuação de Tom Wilkinson e bons momentos, mas é prejudicado pela soma de suas pequenas falhas e possibilidades não exploradas. E claro, padece diante da sombra de William Friedkin e seu assustador O Exorcista, que continua firme no posto de filme definitivo do gênero.

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