O Estranho Caso de Ricardo Almeida
Ricardo Almeida era um devorador de livros. Mas não no sentido figurado da expressão, uma simbologia para representar aquela pessoa que passa horas lendo e adquirindo o conhecimento expresso pelas mais brilhantes mentes do pensamento mundial. Não, Ricardo Almeida definitivamente não se encaixava nessa definição. Ele era um devorador de livros de verdade. Cortava-os em pedacinhos, mastigava-os e engolia. Fazia a digestão e até a evacuação. Aquilo que o corpo das pessoas normais faz com carne, arroz e feijão, o de Ricardo Almeida fazia com páginas, frases e palavras.
Tudo começou quando ele tinha seis anos. Começou não, foi diagnosticado. Porque essa peculiaridade Ricardo teve desde sempre, desde a época em que estava preso na placenta de sua mãe e nadando no líquido amniótico. Mas foi apenas com essa idade que o problema foi finalmente revelado. Até então, Ricardo sofria para se alimentar. Comia, mas tudo fazia mal para ele. Vomitava, e ficava constantemente doente.
Sua mãe tentou as mais diversas refeições, mas de nada adiantava. Os médicos também não compreendiam o que acontecia com o garoto. Esta aflição, tanto para Ricardo quanto para os seus pais, durou seis anos. Foi quando, em um ato sem explicação lógica, exceto o puro instinto, Ricardo viu seu pai recortando algum anúncio no jornal. Parado ao lado, o garoto esticou o braço, pegou o pedaço de papel e o pôs na boca.
Aquilo mudou a vida até então dorida de Ricardo Almeida. O prazer e a satisfação que acompanharam a trajetória digestiva daquele pedaço de celulose trouxe alento à sua existência. A princípio, ele não contou para ninguém. Comia pedaços de jornais e revistas escondido de seus pais. Eles não entendiam como o garoto havia se curado da inexplicável doença e acabaram atribuindo o antigo mal a um acontecimento da idade.
Certo dia, decidiu revelar tudo aos pais. Obviamente, eles encararam a notícia com um certo receio. Mas Ricardo, já um adolescente, fez um lanche na frente dos dois. Rasgou pedaços de uma revista e engoliu. Os dois ficaram pasmos e acreditaram que seu filho estava louco. Ainda assim, optaram por dar-lhe um voto de confiança. E, aos poucos, descobriram que era tudo verdade. Médicos especialistas comprovaram a eles que, de alguma forma, comer livros, jornais e revistas fazia bem a Ricardo.
Mas não foi fácil para ele. O pobre Ricardo Almeida passou a sua juventude sem poder visitar uma pizzaria ou uma churrascaria na companhia de amigos. O seu problema fez com que o rapaz acabasse entrando em depressão. Passava longas noites sozinho no quarto, engolindo papéis com imagens de chocolate. Em compensação, foi nessa época que ele adquiriu paladar.
A revelação veio quando foi ler um livro de Agatha Christie. Assim que lia uma página, Ricardo a devorava. E percebeu que o gosto era diferente. Era saboroso, dava-lhe prazer momentâneo. Para comparar, decidiu comer páginas escritas por Paulo Coelho. Simplesmente não conseguiu engoli-las. Exultante com sua descoberta, começou a experimentar de tudo.
Um acompanhamento de médicos estupefatos com a sua condição fez Ricardo elaborar um cardápio riquíssimo. Apesar de os doutores não compreenderem o problema, descobriram que cada alimento ingerido pelo paciente tinha um valor nutritivo diferente. Os livros da Agatha Christie, por exemplo, tinham sabor, mas pouco ofereciam em termos alimentares. O próprio Ricardo estabeleceu uma comparação com fast-food, aquelas comidas gostosas para serem deliciadas ocasionalmente, sem muita freqüência. Para lanchinhos rápidos no meio da tarde, Ricardo comia contos ou crônicas, já que eram leves, rápidos e não pesavam. Jornais e revistas também eram recomendados.
Almoço e jantar, porém, eram diferentes. Desejosos de alimentar seu filho de forma apropriada, os pais de Ricardo preparavam refeições completas, contendo tudo aquilo que o filho precisava. Assim, ele comia páginas de obras de Machado de Assis, Mario Vargas Llosa e George Orwell, por exemplo. Um cardápio variado, mas rico.
Quando recebiam a família toda em casa, como no Natal ou outras datas festivas, a mesa era farta. Verdadeiros banquetes. Junto a carnes, batatas e víveres das pessoas normais, a ceia trazia obras de alguns dos mais renomados autores de todos os tempos. Nestas ocasiões, Ricardo entrava em um estado de êxtase. Certa vez, na Páscoa, por exemplo, teve a melhor refeição de sua vida. Saramago, García Márquez, Dostoievsky, Nietzsche e Tom Wolfe eram apenas algumas das guloseimas que o esperavam. Passou duas semanas se deliciando com aquelas obras.
Seu estado, após despertar a atenção dos médicos, atraiu a imprensa. Ricardo Almeida virou uma celebridade. Sua vida tornou-se o assunto do momento em diversos cantos do planeta. Escritores interessaram-se e Ricardo acabou vendendo os direitos de sua história para um deles. Quando o livro ficou pronto, Ricardo mal pôde acreditar. Sua vida virara uma obra literária.
Até hoje, ele nunca leu o livro até o final. Não por falta de vontade. Tentou várias vezes, com um exemplar de “O Estranho Caso de Ricardo Almeida” em mãos, sentar em uma poltrona e começar a leitura. Mas o livro era uma bela peça de literatura. Ricardo não agüentava a tentação e sempre acabava se deliciando com as páginas de sua própria vida.
11/08/05
Tudo começou quando ele tinha seis anos. Começou não, foi diagnosticado. Porque essa peculiaridade Ricardo teve desde sempre, desde a época em que estava preso na placenta de sua mãe e nadando no líquido amniótico. Mas foi apenas com essa idade que o problema foi finalmente revelado. Até então, Ricardo sofria para se alimentar. Comia, mas tudo fazia mal para ele. Vomitava, e ficava constantemente doente.
Sua mãe tentou as mais diversas refeições, mas de nada adiantava. Os médicos também não compreendiam o que acontecia com o garoto. Esta aflição, tanto para Ricardo quanto para os seus pais, durou seis anos. Foi quando, em um ato sem explicação lógica, exceto o puro instinto, Ricardo viu seu pai recortando algum anúncio no jornal. Parado ao lado, o garoto esticou o braço, pegou o pedaço de papel e o pôs na boca.
Aquilo mudou a vida até então dorida de Ricardo Almeida. O prazer e a satisfação que acompanharam a trajetória digestiva daquele pedaço de celulose trouxe alento à sua existência. A princípio, ele não contou para ninguém. Comia pedaços de jornais e revistas escondido de seus pais. Eles não entendiam como o garoto havia se curado da inexplicável doença e acabaram atribuindo o antigo mal a um acontecimento da idade.
Certo dia, decidiu revelar tudo aos pais. Obviamente, eles encararam a notícia com um certo receio. Mas Ricardo, já um adolescente, fez um lanche na frente dos dois. Rasgou pedaços de uma revista e engoliu. Os dois ficaram pasmos e acreditaram que seu filho estava louco. Ainda assim, optaram por dar-lhe um voto de confiança. E, aos poucos, descobriram que era tudo verdade. Médicos especialistas comprovaram a eles que, de alguma forma, comer livros, jornais e revistas fazia bem a Ricardo.
Mas não foi fácil para ele. O pobre Ricardo Almeida passou a sua juventude sem poder visitar uma pizzaria ou uma churrascaria na companhia de amigos. O seu problema fez com que o rapaz acabasse entrando em depressão. Passava longas noites sozinho no quarto, engolindo papéis com imagens de chocolate. Em compensação, foi nessa época que ele adquiriu paladar.
A revelação veio quando foi ler um livro de Agatha Christie. Assim que lia uma página, Ricardo a devorava. E percebeu que o gosto era diferente. Era saboroso, dava-lhe prazer momentâneo. Para comparar, decidiu comer páginas escritas por Paulo Coelho. Simplesmente não conseguiu engoli-las. Exultante com sua descoberta, começou a experimentar de tudo.
Um acompanhamento de médicos estupefatos com a sua condição fez Ricardo elaborar um cardápio riquíssimo. Apesar de os doutores não compreenderem o problema, descobriram que cada alimento ingerido pelo paciente tinha um valor nutritivo diferente. Os livros da Agatha Christie, por exemplo, tinham sabor, mas pouco ofereciam em termos alimentares. O próprio Ricardo estabeleceu uma comparação com fast-food, aquelas comidas gostosas para serem deliciadas ocasionalmente, sem muita freqüência. Para lanchinhos rápidos no meio da tarde, Ricardo comia contos ou crônicas, já que eram leves, rápidos e não pesavam. Jornais e revistas também eram recomendados.
Almoço e jantar, porém, eram diferentes. Desejosos de alimentar seu filho de forma apropriada, os pais de Ricardo preparavam refeições completas, contendo tudo aquilo que o filho precisava. Assim, ele comia páginas de obras de Machado de Assis, Mario Vargas Llosa e George Orwell, por exemplo. Um cardápio variado, mas rico.
Quando recebiam a família toda em casa, como no Natal ou outras datas festivas, a mesa era farta. Verdadeiros banquetes. Junto a carnes, batatas e víveres das pessoas normais, a ceia trazia obras de alguns dos mais renomados autores de todos os tempos. Nestas ocasiões, Ricardo entrava em um estado de êxtase. Certa vez, na Páscoa, por exemplo, teve a melhor refeição de sua vida. Saramago, García Márquez, Dostoievsky, Nietzsche e Tom Wolfe eram apenas algumas das guloseimas que o esperavam. Passou duas semanas se deliciando com aquelas obras.
Seu estado, após despertar a atenção dos médicos, atraiu a imprensa. Ricardo Almeida virou uma celebridade. Sua vida tornou-se o assunto do momento em diversos cantos do planeta. Escritores interessaram-se e Ricardo acabou vendendo os direitos de sua história para um deles. Quando o livro ficou pronto, Ricardo mal pôde acreditar. Sua vida virara uma obra literária.
Até hoje, ele nunca leu o livro até o final. Não por falta de vontade. Tentou várias vezes, com um exemplar de “O Estranho Caso de Ricardo Almeida” em mãos, sentar em uma poltrona e começar a leitura. Mas o livro era uma bela peça de literatura. Ricardo não agüentava a tentação e sempre acabava se deliciando com as páginas de sua própria vida.
11/08/05
3 Comments:
This comment has been removed by a blog administrator.
This comment has been removed by a blog administrator.
Ihhh o que houve aqui Silvio???
Ah, adorei a festinha do PC...
sexta na Tuca então?
Post a Comment
<< Home