Miasma
O lugar fedia a mijo. Era a primeira vez que entrava lá. Gostei. Fedia a mijo, mas meu apartamento também fedia. Talvez por isso me senti tão em casa. A fumaça parecia neblina. Doía os olhos. Não os meus, mas machucaria os de pessoas não acostumadas. Eu enxergava perfeitamente ali dentro. Como um gato no escuro.
Nas mesas, ocupantes de meter medo. Guardas de presídio correriam ao enxergam as cicatrizes daqueles rostos e as tatuagens daqueles corpos. Esse era o bar que eu havia escolhido para relaxar. Um lugar de perdição.
Meu tipo de lugar.
Fui ao balcão. Vazio. Apoiei meu cotovelo na madeira cheira de cuspe. Olhei para a mulher atrás do bar. Se ficasse preso com ela em uma ilha deserta, eu teria um motivo para escapar do lugar. A nado, se preciso fosse. A mulher era horrorosa.
- O que vai querer, querido? – ela perguntou. Aquele “querido” me balançou. Há tempos alguém não me tratava tão carinhosamente. Já começava a pensar em como seria uma noite com ela.
- O que você tiver de mais forte – falei.
- Tem certeza que agüenta?
- Quem olha para sua cara sem vomitar, encara qualquer coisa.
Ela me lançou um olhar furioso. Não me daria mais papo. Não parecia com vontade de conversar. Tudo bem. Eu só queria beber.
Bateu um cálice no balcão. Bem na minha frente. Despejou ali dentro um líquido estranho. Sorriu ironicamente e disse:
- Vai, machão.
Não respondi. Simplesmente virei a bebida em um gole. Desceu bem. Se aquilo era o mais forte que ela tinha, não sairia dali recomendando este lugar aos meus amigos. Se eu ainda tivesse algum.
A mulher do balcão pegou a garrafa e virou as costas. Segurei o braço dela. A pele gorda imiscuiu-se em meus dedos.
- Solte-me, seu imundo!
- Com o maior prazer. Mas deixe a garrafa.
Meio a contragosto, ela me obedeceu. Soltei o braço dela e servi mais uma dose. Acendi um cigarro. Dei uma bela tragada. Enquanto prendia a fumaça, tomei mais um gole. Aí a outra apareceu.
Aquele não era um lugar pra ela. Definitivamente. Ninguém imaginaria que uma mulher daquelas freqüentaria um antro como aqueles. Mas ali ela estava. Longos cabelos morenos. Pele levemente bronzeada. Pernas que pareciam não acabar mais. Lábios incandescentes. E eu louco para me queimar.
- Tem fogo? – ela perguntou. O perfume contrastava com o cheiro do local. O que diabos ela fazia ali?
- Tenho – respondi, acendendo o cigarro na boca dela. Seu olhar me fez tremer. Pelo menos achei que tinha sido o olhar. Mas bebi outra dose e a tremedeira passou. – E você?
- Eu o quê? – ela se espantou.
- Tem fogo? – perguntei.
- Depende – ela disse, sentando-se ao meu lado.
- De quê?
- De você querer se queimar.
- Sou anti-inflamável, querida. Sempre fui. Há anos aguardo uma boa queimadura.
Ela sorriu, tragou o cigarro e exalou a fumaça. Nunca a nicotina foi tão sensual.
- O que alguém como você faz em um lugar como esse? – perguntei.
- Procuro. Mas está difícil de encontrar.
- E qual a sua busca?
- Acho que você sabe.
- Eu nunca sei de nada. Já me dei muito mal por acreditar que sabia das coisas.
- Nenhum palpite?
- Sempre tenho palpite. Tenho palpite até sobre a cor do papel de parede desse bar.
- E sobre mim?
- Tenho um palpite sobre você.
- Qual é?
- Que você é uma puta.
Ela não se indignou. Sabia que não o faria. Gostei disso. Começava a desejar ela. A mulher disse:
- Tudo depende de ponto de vista.
- Minha vista não é das melhores.
- Só sou puta se depender de você. Se você me pagar.
- E se eu não pagar?
- Aí sou apenas um anjo que caiu em sua vida para lhe dar prazer.
- Bastante presunçosa, não?
- Garanto que estar com a opinião mudada pela manhã.
Definitivamente gostava dela. Estiquei o braço e coloquei a mão em sua coxa. Bem gostosa.
- Por que eu a levaria para minha casa?
- Porque você não tem outro lugar para me levar.
- Minha casa está podre. Suja.
- Assim como eu.
- Você nem vai estar lá pela manhã. Se der sorte, vou encontrar um bilhete seu no travesseiro.
- Não sou boa de redação. Prefiro deixar minha marca em você mesmo.
- Você é uma puta.
- E você é um canalha.
Feitos um para o outro, pensei.
- Canalha era meu pai. Eu sou apenas desprezível.
- Que não fode há quanto tempo?
- Mais do que eu gostaria.
Ela deu a última tragada e apagou o cigarro. Virei o copo. Perguntei:
- Vamos?
- Onde?
- Ao meu apartamento.
- Não sou desse tipo de mulher.
- De apartamento?
- Que fode na primeira noite.
- Podemos esperar a manhã chegar.
Ela não disse nada. Após um instante, indagou:
- Vai pagar um drink pra mim ou não?
- Não. Vai dar pra mim?
- Não.
Dei um tapa nela. Foi bonito. O rosto dela se retorceu. Minha mão ardeu, como se queimada. A boca dela era mesmo incandescente. Ela não se mexeu. Deveria estar acostumada a ser tratada assim.
Se ela não estava, isso era comum para mim. Por isso não fiquei mal quando um troglodita me expulsou a porradas. Pelo menos não paguei pela bebida.
Aquela puta. Minha mão ardia.
Não gastei nada no bar. Ainda tinha dinheiro para beber. Caminhei um pouco na noite. Frio. Como eu gostava. Mas o ar estava puro demais. Limpo demais. Não agüentaria ficar muito tempo ali. Entrei no primeiro boteco que eu vi.
O lugar fedia a mijo.
Nas mesas, ocupantes de meter medo. Guardas de presídio correriam ao enxergam as cicatrizes daqueles rostos e as tatuagens daqueles corpos. Esse era o bar que eu havia escolhido para relaxar. Um lugar de perdição.
Meu tipo de lugar.
Fui ao balcão. Vazio. Apoiei meu cotovelo na madeira cheira de cuspe. Olhei para a mulher atrás do bar. Se ficasse preso com ela em uma ilha deserta, eu teria um motivo para escapar do lugar. A nado, se preciso fosse. A mulher era horrorosa.
- O que vai querer, querido? – ela perguntou. Aquele “querido” me balançou. Há tempos alguém não me tratava tão carinhosamente. Já começava a pensar em como seria uma noite com ela.
- O que você tiver de mais forte – falei.
- Tem certeza que agüenta?
- Quem olha para sua cara sem vomitar, encara qualquer coisa.
Ela me lançou um olhar furioso. Não me daria mais papo. Não parecia com vontade de conversar. Tudo bem. Eu só queria beber.
Bateu um cálice no balcão. Bem na minha frente. Despejou ali dentro um líquido estranho. Sorriu ironicamente e disse:
- Vai, machão.
Não respondi. Simplesmente virei a bebida em um gole. Desceu bem. Se aquilo era o mais forte que ela tinha, não sairia dali recomendando este lugar aos meus amigos. Se eu ainda tivesse algum.
A mulher do balcão pegou a garrafa e virou as costas. Segurei o braço dela. A pele gorda imiscuiu-se em meus dedos.
- Solte-me, seu imundo!
- Com o maior prazer. Mas deixe a garrafa.
Meio a contragosto, ela me obedeceu. Soltei o braço dela e servi mais uma dose. Acendi um cigarro. Dei uma bela tragada. Enquanto prendia a fumaça, tomei mais um gole. Aí a outra apareceu.
Aquele não era um lugar pra ela. Definitivamente. Ninguém imaginaria que uma mulher daquelas freqüentaria um antro como aqueles. Mas ali ela estava. Longos cabelos morenos. Pele levemente bronzeada. Pernas que pareciam não acabar mais. Lábios incandescentes. E eu louco para me queimar.
- Tem fogo? – ela perguntou. O perfume contrastava com o cheiro do local. O que diabos ela fazia ali?
- Tenho – respondi, acendendo o cigarro na boca dela. Seu olhar me fez tremer. Pelo menos achei que tinha sido o olhar. Mas bebi outra dose e a tremedeira passou. – E você?
- Eu o quê? – ela se espantou.
- Tem fogo? – perguntei.
- Depende – ela disse, sentando-se ao meu lado.
- De quê?
- De você querer se queimar.
- Sou anti-inflamável, querida. Sempre fui. Há anos aguardo uma boa queimadura.
Ela sorriu, tragou o cigarro e exalou a fumaça. Nunca a nicotina foi tão sensual.
- O que alguém como você faz em um lugar como esse? – perguntei.
- Procuro. Mas está difícil de encontrar.
- E qual a sua busca?
- Acho que você sabe.
- Eu nunca sei de nada. Já me dei muito mal por acreditar que sabia das coisas.
- Nenhum palpite?
- Sempre tenho palpite. Tenho palpite até sobre a cor do papel de parede desse bar.
- E sobre mim?
- Tenho um palpite sobre você.
- Qual é?
- Que você é uma puta.
Ela não se indignou. Sabia que não o faria. Gostei disso. Começava a desejar ela. A mulher disse:
- Tudo depende de ponto de vista.
- Minha vista não é das melhores.
- Só sou puta se depender de você. Se você me pagar.
- E se eu não pagar?
- Aí sou apenas um anjo que caiu em sua vida para lhe dar prazer.
- Bastante presunçosa, não?
- Garanto que estar com a opinião mudada pela manhã.
Definitivamente gostava dela. Estiquei o braço e coloquei a mão em sua coxa. Bem gostosa.
- Por que eu a levaria para minha casa?
- Porque você não tem outro lugar para me levar.
- Minha casa está podre. Suja.
- Assim como eu.
- Você nem vai estar lá pela manhã. Se der sorte, vou encontrar um bilhete seu no travesseiro.
- Não sou boa de redação. Prefiro deixar minha marca em você mesmo.
- Você é uma puta.
- E você é um canalha.
Feitos um para o outro, pensei.
- Canalha era meu pai. Eu sou apenas desprezível.
- Que não fode há quanto tempo?
- Mais do que eu gostaria.
Ela deu a última tragada e apagou o cigarro. Virei o copo. Perguntei:
- Vamos?
- Onde?
- Ao meu apartamento.
- Não sou desse tipo de mulher.
- De apartamento?
- Que fode na primeira noite.
- Podemos esperar a manhã chegar.
Ela não disse nada. Após um instante, indagou:
- Vai pagar um drink pra mim ou não?
- Não. Vai dar pra mim?
- Não.
Dei um tapa nela. Foi bonito. O rosto dela se retorceu. Minha mão ardeu, como se queimada. A boca dela era mesmo incandescente. Ela não se mexeu. Deveria estar acostumada a ser tratada assim.
Se ela não estava, isso era comum para mim. Por isso não fiquei mal quando um troglodita me expulsou a porradas. Pelo menos não paguei pela bebida.
Aquela puta. Minha mão ardia.
Não gastei nada no bar. Ainda tinha dinheiro para beber. Caminhei um pouco na noite. Frio. Como eu gostava. Mas o ar estava puro demais. Limpo demais. Não agüentaria ficar muito tempo ali. Entrei no primeiro boteco que eu vi.
O lugar fedia a mijo.
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