MATCH POINT - PONTO FINAL
MATCH POINT – PONTO FINAL (MATCH POINT) ****1/2
De Woody Allen. Com Jonathan Rhys Meyers, Scarlett Johansson, Emily Mortimer, Matthew Goode, Brian Cox e Penelope Wilton.
22/03/06 – Silvio Pilau
É sempre bom ver grandes diretores no auge da forma. Nos últimos dois anos, alguns dos mais consagrados cineastas norte-americanos realizaram trabalhos que, se não configuram-se como os melhores de suas carreiras, são inegáveis jóias do Cinema. Foi o caso de Steven Spielberg com Munique, Martin Scorsese com O Aviador e Woody Allen, com este filme maravilhoso chamado Match Point.
Escrito pelo próprio Allen, a história começa apresentando Chris Wilton, um ex-jogador de tênis que atua como professor do esporte em um clube. Certo dia, um de seus alunos, Tom, o convida para ir a uma ópera, onde Chris acaba conhecendo Chloe, irmã de Tom. Os dois iniciam um relacionamento muito bem aceito pelos pais e por toda a família da garota. Chris, no entanto, tem paixão pela noiva de Tom, Nola. Assim que os dois acabam o noivado, ambos iniciam um caso, que deixa Chris na dúvida sobre largar sua esposa e estabilidade para começar uma vida com Nola.
Match Point não é um típico filme de Woody Allen. As características do diretor estão presentes, mas a narrativa toma rumos surpreendentes, especialmente para quem sabe o que está acostumado a esperar do diretor. É uma mudança interessantíssima e extremamente satisfatória, que já deveria ter sido prevista pelo espectador pelo simples fato dele ter abandonado New York para filmar, pela primeira vez, em Londres.
Dividido em três atos claros, Match Point passa dois terços de seu tempo de projeção estabelecendo a personalidade e as relações entre os personagens para a impecável parte final. E, como é de se esperar em uma obra de Allen, a construção psicológica dos personagens é genial, sempre pontuada por diálogos inteligentes e sutis que realmente ajudam a compreender melhor as motivações de cada pessoa vista na tela.
Dois momentos entre Chris e Nola ilustram brilhantemente esse fato. O primeiro é logo quando eles se conhecem, em uma partida de pingue-pongue. A abordagem confiante e veloz de Chris é rebatida de forma magistral pelas palavras de Nola. O mesmo ocorre na conversa no bar, logo após ela ser rejeitada em um teste de atriz. O diálogo nessas duas cenas é exemplar, com ambos atuando, ao mesmo tempo, tanto na defensiva quanto no ataque.
É também nesse momento que pode ser percebida a complexidade dos personagens de Allen. Nola, por exemplo, mantém nos primeiros encontros com Chris uma aura de autoconfiança inabalável, que o espectador descobre não ser verdade com o passar do tempo. Extremamente insegura, ela parece não saber o que realmente quer, agarrando-se a Chris assim que começam o relacionamento extra-conjugal.
Ele, no entanto, é talvez o grande achado do filme de Allen. Seu caráter é construído pelo diretor de forma que o espectador jamais tenha claras certezas de suas intenções. Buscava apenas uma forma de se estabilizar na vida ou realmente amava Chloe, sua esposa? Amava Nola ou via nela apenas uma distração, como uma válvula de escape para a monotonia de seu casamento?
Essa dubiedade em relação ao personagem apenas acrescenta valor ao filme quando os acontecimentos do terceiro ato se desenrolam na tela. Neste momento, olha-se em retrospectiva tudo o que acontecera até então, criando mais uma dúvida: será que foi tão surpreendente assim o que aconteceu? Ou era de se esperar?
Jonathan Rhys Meyers parece estar ciente destas características, mantendo em Chris um aspecto soturno e misterioso. Uma interpretação contida e sutil, exatamente o que requisitava o seu personagem. Em contrapartida, Scarlett Johansson é um vulcão na tela, exalando sensualidade e exibindo seu já reconhecido talento na construção da instável e provocante Nola. Johansson é, provavelmente, o grande nome feminino do cinema atual, possuindo beleza e capacidade dramática, além de a câmera parecer amá-la. Tem tudo para figurar, no futuro, na lista das grandes divas da sétima arte.
Ainda que o filme tenha como objetivo central mostrar a influência da sorte em nossas vidas, pode-se discutir que o verdadeiro tema de Match Point seja a culpa. Todas as ações de Chris, o personagem principal, a partir de determinado momento, ou servem para aumentar sua angústia existencial ou são conseqüência do sentimento de culpa que o domina.
Sentimento, aliás, que é muito bem metaforizado por Allen nas constantes referências a Crime e Castigo, de Dostoievsky. As analogias entre Raskolnikov e Chris Wilton, além de realçar a complexidade do personagem, ainda demonstram a alta qualidade do roteiro ao construir um sagaz labirinto de pistas para o que irá acontecer no terceiro ato, algo que o espectador apenas percebe após o fato ocorrido (o mesmo pode ser dito sobre a opção de fazer da ópera outra presença constante no roteiro).
E a elegância do texto não pára por aí. Se nos dois primeiros terços de Match Point temos um filme com características claras de Woody Allen, embora ele deixe de lado sua impagável veia cômica, o terceiro ato da história é uma inovação completa na carreira do diretor. A partir deste momento, a obra, que já era um belíssimo estudo de personagens e dos relacionamentos humanos, adquire contornos de obra-prima, com reviravoltas surpreendentes e um suspense tenso capaz de fazer inveja a alguns dos grandes nomes do gênero.
Angustiante e moralmente complexo, Match Point é um filme que prima pela originalidade, escapando de clichês exatamente por circular habilmente entre diversos gêneros. Funciona como um tapa na cara daqueles que diziam que Woody Allen estava acabado e naqueles que acham que o diretor apenas repete o que faz. Um dos melhores filmes do ano.
De Woody Allen. Com Jonathan Rhys Meyers, Scarlett Johansson, Emily Mortimer, Matthew Goode, Brian Cox e Penelope Wilton.
22/03/06 – Silvio Pilau
É sempre bom ver grandes diretores no auge da forma. Nos últimos dois anos, alguns dos mais consagrados cineastas norte-americanos realizaram trabalhos que, se não configuram-se como os melhores de suas carreiras, são inegáveis jóias do Cinema. Foi o caso de Steven Spielberg com Munique, Martin Scorsese com O Aviador e Woody Allen, com este filme maravilhoso chamado Match Point.
Escrito pelo próprio Allen, a história começa apresentando Chris Wilton, um ex-jogador de tênis que atua como professor do esporte em um clube. Certo dia, um de seus alunos, Tom, o convida para ir a uma ópera, onde Chris acaba conhecendo Chloe, irmã de Tom. Os dois iniciam um relacionamento muito bem aceito pelos pais e por toda a família da garota. Chris, no entanto, tem paixão pela noiva de Tom, Nola. Assim que os dois acabam o noivado, ambos iniciam um caso, que deixa Chris na dúvida sobre largar sua esposa e estabilidade para começar uma vida com Nola.
Match Point não é um típico filme de Woody Allen. As características do diretor estão presentes, mas a narrativa toma rumos surpreendentes, especialmente para quem sabe o que está acostumado a esperar do diretor. É uma mudança interessantíssima e extremamente satisfatória, que já deveria ter sido prevista pelo espectador pelo simples fato dele ter abandonado New York para filmar, pela primeira vez, em Londres.
Dividido em três atos claros, Match Point passa dois terços de seu tempo de projeção estabelecendo a personalidade e as relações entre os personagens para a impecável parte final. E, como é de se esperar em uma obra de Allen, a construção psicológica dos personagens é genial, sempre pontuada por diálogos inteligentes e sutis que realmente ajudam a compreender melhor as motivações de cada pessoa vista na tela.
Dois momentos entre Chris e Nola ilustram brilhantemente esse fato. O primeiro é logo quando eles se conhecem, em uma partida de pingue-pongue. A abordagem confiante e veloz de Chris é rebatida de forma magistral pelas palavras de Nola. O mesmo ocorre na conversa no bar, logo após ela ser rejeitada em um teste de atriz. O diálogo nessas duas cenas é exemplar, com ambos atuando, ao mesmo tempo, tanto na defensiva quanto no ataque.
É também nesse momento que pode ser percebida a complexidade dos personagens de Allen. Nola, por exemplo, mantém nos primeiros encontros com Chris uma aura de autoconfiança inabalável, que o espectador descobre não ser verdade com o passar do tempo. Extremamente insegura, ela parece não saber o que realmente quer, agarrando-se a Chris assim que começam o relacionamento extra-conjugal.
Ele, no entanto, é talvez o grande achado do filme de Allen. Seu caráter é construído pelo diretor de forma que o espectador jamais tenha claras certezas de suas intenções. Buscava apenas uma forma de se estabilizar na vida ou realmente amava Chloe, sua esposa? Amava Nola ou via nela apenas uma distração, como uma válvula de escape para a monotonia de seu casamento?
Essa dubiedade em relação ao personagem apenas acrescenta valor ao filme quando os acontecimentos do terceiro ato se desenrolam na tela. Neste momento, olha-se em retrospectiva tudo o que acontecera até então, criando mais uma dúvida: será que foi tão surpreendente assim o que aconteceu? Ou era de se esperar?
Jonathan Rhys Meyers parece estar ciente destas características, mantendo em Chris um aspecto soturno e misterioso. Uma interpretação contida e sutil, exatamente o que requisitava o seu personagem. Em contrapartida, Scarlett Johansson é um vulcão na tela, exalando sensualidade e exibindo seu já reconhecido talento na construção da instável e provocante Nola. Johansson é, provavelmente, o grande nome feminino do cinema atual, possuindo beleza e capacidade dramática, além de a câmera parecer amá-la. Tem tudo para figurar, no futuro, na lista das grandes divas da sétima arte.
Ainda que o filme tenha como objetivo central mostrar a influência da sorte em nossas vidas, pode-se discutir que o verdadeiro tema de Match Point seja a culpa. Todas as ações de Chris, o personagem principal, a partir de determinado momento, ou servem para aumentar sua angústia existencial ou são conseqüência do sentimento de culpa que o domina.
Sentimento, aliás, que é muito bem metaforizado por Allen nas constantes referências a Crime e Castigo, de Dostoievsky. As analogias entre Raskolnikov e Chris Wilton, além de realçar a complexidade do personagem, ainda demonstram a alta qualidade do roteiro ao construir um sagaz labirinto de pistas para o que irá acontecer no terceiro ato, algo que o espectador apenas percebe após o fato ocorrido (o mesmo pode ser dito sobre a opção de fazer da ópera outra presença constante no roteiro).
E a elegância do texto não pára por aí. Se nos dois primeiros terços de Match Point temos um filme com características claras de Woody Allen, embora ele deixe de lado sua impagável veia cômica, o terceiro ato da história é uma inovação completa na carreira do diretor. A partir deste momento, a obra, que já era um belíssimo estudo de personagens e dos relacionamentos humanos, adquire contornos de obra-prima, com reviravoltas surpreendentes e um suspense tenso capaz de fazer inveja a alguns dos grandes nomes do gênero.
Angustiante e moralmente complexo, Match Point é um filme que prima pela originalidade, escapando de clichês exatamente por circular habilmente entre diversos gêneros. Funciona como um tapa na cara daqueles que diziam que Woody Allen estava acabado e naqueles que acham que o diretor apenas repete o que faz. Um dos melhores filmes do ano.
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