Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Wednesday, November 04, 2009

A motivação - Parte 5

5.

Quando Tomas ficou sabendo que estava sentado em um restaurante com um assassino, sua primeira reação não foi de susto, mas incredulidade. Rogério não poderia estar falando sério. Alguém que tira a vida de outras pessoas não marca uma reunião com um publicitário para ele divulgue os serviços letais. A situação toda não fazia lógica.

Então, lembrou-se que Rogério havia dito que era um campo de atuação novo. O homem à sua frente, se fosse mesmo um assassino, não era um assassino comum. Deveria haver algo de diferente nele.

Enquanto Tomas absorvia a informação, Rogério permaneceu em silêncio. Parecia sentir prazer em provocar esse tipo de reação e, no momento, saboreava a expressão que surgiu no rosto de Tomas quando falou sobre sua profissão.

- Isso é verdade? – indagou o publicitário, ainda incrédulo.

- Sim, é verdade – Rogério aquiesceu. – Ganho a vida tirando a vida de outros seres humanos.

Permaneceram alguns segundos em silêncio. Tomas olhava diretamente para o rosto de Rogério, tentando descobrir algum sinal de que aquilo era mentira. Não encontrou, o que fez seu estômago gelar.

- Sr. Berger, não se preocupe – disse Rogério, como se estivesse lendo os pensamentos de Tomas. – Não tenho a menor intenção de causar mal a você, até porque preciso dos seus serviços.

Rogério nada disse por alguns instantes, esperando Tomas se acalmar.

- Posso prosseguir? – perguntou, finalmente.

Tomas fez um sinal afirmativo com a cabeça.

- Muito bem. Por favor, não me interrompa antes de terminar. Como eu disse, eu mato pessoas. De certa forma, sou um assassino, apesar de não me considerar um. Sim, eu tiro a vida de seres humanos, mas apenas com o consentimento deles. “Como?”, você deve estar se perguntando. Sr. Berger, eu só mato pessoas que têm o desejo de se matar. Apenas isso. Jamais assassinei alguém que não gostaria de morrer. O senhor vê, existem muitas, muitas pessoas que não suportam mais a existência nesse mundo, mas não possuem a coragem de tirar a própria vida. Eu proporciono isso a elas. Eu alivio o sofrimento de meus clientes. Gosto de me considerar um Auxiliador Terminal. Apenas isso.

Rogério parou para tomar um gole da água. Em seguida, prosseguiu:

- E aí mora o meu problema. Preciso divulgar o meu serviço de uma forma que não me coloque em complicações com a lei. Não posso botar um anúncio no jornal de domingo ou um outdoor na rua. Preciso de alternativas, preciso de outros caminhos e outras formas de chegar até essas pessoas. Já fiz um bom número de trabalhos, mas não tantos quanto poderia fazer. Por isso chamei você.

Mais do que em silêncio, Tomas estava estático. Ouviu tudo o que Rogério disse, mas não sabia como reagir. Não sabia o que dizer.

Foi Rogério quem falou mais uma vez, encerrando seu discurso:

- Acredito que seja o desafio que falta para um publicitário consagrado como você.

Desafio. A palavra retumbou na mente de Tomas. Sim, desafio era o que ele buscava. Mas não isso. Não podia ir contra a lei. Até este momento, todas as digressões que tivera em sua vida foram coisas pequenas que todos fazem. Tomas sempre viveu uma vida honesta e se orgulhava de ter se tornado uma referência em sua área agindo dessa forma.

- Sr. Silva – começou a se justificar –, o que o senhor me revelou agora não é uma coisa simples. Talvez seja para o senhor, mas não é para mim. Até onde eu sei, não conheci muitos assassinos em minha vida. Na verdade, a minha história e a minha carreira não possuem manchas. Sou o melhor publicitário do país, mas não sou desonesto. E não sou cúmplice de assassinatos. Seria um grande desafio para mim, sem a menor sombra de dúvida. Mas, infelizmente, não posso aceitar.

Tomas estava levemente nervoso quando falou isso, mas manteve a compostura. Levantou-se da mesa:

- Agradeço a oferta, sr. Silva, mas terá que procurar outro.

Quando se virou para seguir em direção à porta do restaurante, sentiu um puxão em seu braço. Olhou para baixo e viu a mão gigantesca de Rogério segurando seu pulso. O assassino o encarava. Mesmo sem mudar de expressão ou alterar o tom de voz, o olhar de Rogério agora era aterrorizante.

- Sr. Berger, não faça isso. Garanto que o senhor não quer virar as costas para mim.

Tomas olhou em volta. Ninguém os observava. Todos os outros clientes e os garçons seguiam interessados em seus próprios afazeres. Eram apenas os dois.

Receoso do que Rogério pudesse fazer, Tomas sentou novamente. Assim que o assassino soltou seu braço, sentiu que tremia.

- Fico muito surpreendido que um homem inteligente como você ache que isso possa terminar assim – disse Rogério. – Deixe-me explicar para você mais literalmente: você vai me trazer soluções para esse problema, queira ou não.

- Sr. Silva, eu não posso.

- Pode – Rogério não se exaltava. Mantinha a voz calma e, talvez por isso, era ainda mais ameaçador. – Pode, sim. E vai. Não se esqueça do que eu faço para viver. E eu sei onde você trabalha, onde você mora, que lugares frequenta. Sei que você mora sozinho e não possui família ou filhos. Não iria revelar o que revelei e depois deixá-lo simplesmente sair andando por aquela porta sem saber tudo sobre você.

Tomas se arrependeu de ter subestimado Rogério. Finalmente, percebeu que estava em uma verdadeira enrascada. Não havia como escapar. Teria que ceder. Tinha diante de si um assassino, que poderia arruinar a sua vida caso se negasse a colaborar. Nada tinha a fazer.

Respirou fundo e disse:

- Como vamos fazer?

Pela primeira vez, Rogério abriu um sorriso. Mesmo que gélido, era uma expressão de satisfação, de vitória.

- Hoje é terça-feira – falou Rogério. – Vou dar a você uma semana. Na próxima terça, entrarei em contato novamente para marcarmos outro encontro e você me apresentar as ideias. Ideias não, soluções.

Tomas concordou com a cabeça. Rogério se levantou.

- Não se preocupe, sr. Berger. Se o senhor cooperar, não haverá problemas.

Rogério esticou a mão. Tomas levou alguns instantes para notar que o outro homem o cumprimentava. Apertou a mão de Rogério, enquanto ele disse:

- Sr. Berger, foi um prazer fazer negócios com você.

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