Confissões
Maria Lúcia adentrou a nave pela primeira vez em sua vida. Deslumbrou-se por breves segundos com a imponência da Igreja antes de encontrar uma vaga em um dos últimos bancos. Apoiou os pés no genuflexório e cruzou os finos braços. Quinze minutos depois, seus grandes olhos verdes estavam fixos naquela imagem erguida sobre o altar. As palavras do padre Diógenes soavam vazias, quando isso. O ponto final da trajetória do olhar de Maria Lúcia era uma bela escultura de Jesus Cristo, onde o Salvador pendia levemente a cabeça para a direita e um filete de sangue, mais vermelho do que o verdadeiro, escorria pelo canto de sua boca feita de gesso. O Nazareno, naquela representação nada mais do que imaginativa de algo que pode ou não pode ter acontecido, estava nu, exceto por uma tanga que tapava seu sexo, e pregado em uma cruz marrom. Aquela visão do Filho de Deus com o corpo despido e, conseqüentemente, músculos enrijecidos à vista, despertou uma lascívia em Maria Lúcia. Insopitável, esse ardor e desejo espalhou-se de sua mente para suas delgadas mãos, que encontraram rapidamente o órgão que a qualificava como mulher. Nesse ponto do tempo, Maria Lúcia percebeu que aquilo que a escultura de Jesus acabara de despertar nela, ela fazia por outro. Ao seu lado, um homem robusto a fitava com concupiscência e as mãos dele faziam movimentos dentro das calças. Pela primeira vez, os olhares nada inocentes, porém silenciosos, de ambos se cruzaram. Padre Diógenes, alheio ao que ocorria nos últimos assentos do campanário, ainda que, junto aos meirinhos, fosse o único de frente às ações de Maria Lúcia e do homem, contava uma história qualquer inventada há mais de mil anos atrás. Maria Lúcia e o outro, em um acordo tácito, levantaram-se praticamente no mesmo momento. Um de cada vez, sem ruídos, adentraram o confessionário, escondendo-se da vista das dezenas de pessoas que, de alguma forma que ela não compreendia, aceitavam aquelas palavras do padre como verdades inabaláveis. O homem, ainda acostumando sua visão à escuridão do interior do confessionário, despiu Maria Lúcia em um movimento ágil, posicionando-a de costas para si. Pôs sua mão sobre a boca dela, impedindo-a de fazer sons, e, com o braço livre, liberou seu membro já ereto. Penetrou-a por trás, em movimentos constantes e nada gentis. Tentavam, dentro do possível, considerando-se as circunstâncias, agir sem barulho. Maria Lúcia o recebia dentro de si com lágrimas nos olhos, enquanto conseguia discernir as palavras do sermão do padre Diógenes, que dizia: “Sede fecundos e multiplicai-vos”. O Padre pedia, Maria Lúcia pensava. Deus pedia. Eles estavam cumprindo Sua ordem. Alguns minutos depois, Maria Lúcia conteve o grito que tentou escapar de sua garganta. O homem, fazendo o mesmo, cravou suas unhas no seio direito de Maria Lúcia, deixando uma marca que iria acompanhá-la por algum tempo. Sem trocar palavra, vestiram-se novamente. Saíram, um após o outro, sob os olhares cravejantes das poucas pessoas ali sentadas. O esforço pela discrição havia sido em vão. O silêncio não havia sido completo. Algumas senhoras mantinham olhos arregalados e mãos levadas à boca, em expressões de puro pavor. Maria Lúcia e o homem dirigiram-se à entrada da Igreja. Primeiro ele, depois ela, aspergiram água benta nas mãos, na concepção de todos ali sentados, marcadas pelo pecado. Ele saiu. Ela ainda voltou, com a igreja em silêncio sepulcral. Olhou para o padre e para a imagem do Cristo seminu exposta acima da cabeça de todos. Indiferente, Maria Lúcia ajoelhou-se. Baixou a cabeça e fez o sinal da cruz, três vezes. Ergueu novamente o olhar, deu uma risada e virou as costas, partindo.
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