Sin City
SIN CITY – A CIDADE DO PECADO (SIN CITY) *****
De Frank Miller e Robert Rodriguez. Com Bruce Willis, Mickey Rourke, Clive Owen, Benicio Del Toro, Nick Stahl, Rutger Hauer, Carla Gugino, Jessica Alba, Brittany Murphy, Rosario Dawson, Michael Clarke Duncan, Powers Boothe, Elijah Wood, Devon Aoki, Michael Madsen, Josh Hartnett e Jaime King.
Silvio Pilau – 15/08/05
Robert Rodriguez é um cara que parece ter duas personalidades. Um dos ícones do cinema independente norte-americano, o diretor divide seus trabalhos em dois temas absolutamente distintos, com pouco – ou quase nada – a ver um com o outro. Por um lado, há o Robert Rodriguez criança, aquele cineasta responsável por aventuras infantis como a série Pequenos Espiões e As Aventuras de Sharkboy e Lavagirl em 3D. Pelo outro lado, encontramos o Robert Rodriguez adulto, criador de obras como Um Drink no Inferno, A Balada do Pistoleiro e Era uma Vez no México, onde a violência é parte fundamental da narrativa. Sin City, o estonteante novo trabalho do diretor, encaixa-se nessa segunda categoria.
Baseado na graphic novel de Frank Miller, o filme conta três histórias passadas em Basin City, uma cidade dominada pelo crime, corrupção e habitada por pessoas de moral, no mínimo, duvidosa (não, não estou falando de Brasília). A primeira trama é sobre um policial que salva uma criança e acaba desenvolvendo uma ligação especial com ela ao longo dos anos, tentando protegê-la a qualquer custo; na segunda história, acompanhamos a vingança de um renegado da sociedade, após o assassinato de uma prostituta em sua própria cama; e, por último, vemos o surgimento de uma sangrenta batalha, desencadeada com a morte de um policial espancador de mulheres.
Sin City é a mais fiel adaptação de uma história em quadrinhos para os cinemas. Na verdade, pode até ser um equívoco chamar o filme de adaptação. Sin City é mais uma mera recriação em outra mídia do universo concebido por Frank Miller, que assina a direção ao lado de Rodriguez. O motivo para Rodriguez e Miller dividirem os créditos é compreensível, uma vez que o filme praticamente utiliza a HQ como storyboard, utilizando as mesmas cores e enquadramentos para criar um filme visualmente estarrecedor e sem precedentes.
Pode ser temerário um crítico (ainda que um mero embrião de um crítico, como é o meu caso) afirmar isso, mas não há como qualificar as imagens de Sin City de outra forma. É uma obra com diversas qualidades, mas não resta dúvida que o grande atrativo desta impressionante realização de Robert Rodriguez, aquilo que fará o filme ser lembrado por muitos anos, é o seu visual.
Assistir a Sin City é como se sentir abençoado por ter o dom da visão. Através da mesma técnica utilizada em Capitão Sky e o Mundo de Amanhã, Rodriguez conseguiu transpor para as telas o desenho de Frank Miller, em uma combinação brilhante de imagens reais, computação gráfica e o traço do desenhista. O resultado é de encher os olhos. Um preto e branco maravilhoso, com sombras e detalhes que realmente parecem ter saído direto das páginas da graphic novel. Não há como descrever aqui o que Rodriguez alcançou em termos visuais. É algo que merece ser visto, aplaudido, admirado e estudado. Destacar uma ou outra cena é impossível. O filme todo é plasticamente impecável.
Mas Sin City não é somente visual. Recriando de forma brilhante o clima dos filmes noir da década de 40, Rodriguez consegue utilizar toda a sua brilhante técnica para contar ótimas histórias, que prendem a atenção do espectador com personagens fortes e diálogos afiados. O roteiro, aliás, é uma das grandes forças de Sin City e apenas ressalta toda a “embalagem” criada pelo diretor.
Os diálogos, por exemplo, são brilhantes. É delicioso (em uma espécie de prazer sádico) acompanhar os personagens “malditos” de Sin City soltando suas pérolas recheadas de humor negro, sarcasmo e completo desprezo pela vida humana. Da mesma forma, a narração em off certamente se configura como uma das mais sensacionais já vistas nas telas, realmente ajudando a compreender os personagens, a história e, é claro, o mundo único de Basin City.
Assim como na questão das imagens, é difícil destacar apenas um momento para ilustrar este ponto de vista. Seja o brutamontes Marv em um pensamento poético (“Ela tem o cheiro que os anjos devem ter.”), em uma análise sobre sua agente de condicional (“Ela é uma sapatão, mas só Deus sabe porquê. Com esse corpo, ela poderia ter o homem que quisesse.”) ou Hartigan justificando seu desejo de proteger Nancy (“Um homem velho morre. Uma jovem garota vive. Uma troca justa.”), praticamente todas as frase ditas pelos personagens de Sin City encaixam-se de forma exemplar ao contexto do filme.
Além disso, deve ser ressaltado também o fato de que, por ser uma transposição quase direta das páginas de quadrinhos para as telas, o próprio estilo de diálogos e narração foi mantido. Ou seja, frases curtas e poderosas, condensadas pelo limite de espaço das revistas, encontram a mídia tipicamente expansiva que é o cinema, resultando em uma combinação curiosa e surpreendentemente eficiente.
Como normalmente acontece com cineastas de certo renome no circuito independente, Robert Rodriguez conseguiu reunir um elenco impressionante e que ajuda a trazer à vida o universo de Frank Miller. O destaque, sem dúvidas, fica por conta de Mickey Rourke, que constrói um personagem interessantíssimo em Marv, um brutamontes de meter medo, completamente desfigurado, mas com princípios. O resto do elenco também parece ter entrado completamente no clima da história, divertindo-se à beça em seus papéis (Bruce Willis está ótimo como o policial Hartigan).
Muita gente tem dito que Sin City é um filme gratuitamente violento e que glorifica a carnificina ao tratar seus personagens sem ética como heróis. Na verdade, isso é mais uma grande bobagem do grupinho adepto ao politicamente correto, simplesmente porque a violência mostrada em Sin City é altamente caricata e estilizada (como nos filmes de Tarantino, que, aliás, dirige uma cena aqui, quando o personagem de Clive Owen conversa com o morto Del Toro no carro), funcionando como uma resposta ao mundo em que vivemos. Robert Rodriguez e Frank Miller não glorificam a violência, mas exageram-na exatamente para revelar seu absurdo.
No final, Sin City não é apenas a mais fiel adaptação de uma HQ já vista nos cinemas, mas uma obra-prima de roteiro, direção e atuações. Sem dúvidas, será lembrado pelo seu aspecto visual, utilizando a linguagem cinematográfica de uma forma nunca antes vista. Mas enxergar o filme apenas dessa forma seria diminuir o alcance do talento de Frank Miller e da visão de Robert Rodriguez. E, diante de uma obra como Sin City, isso seria um sacrilégio.
P.S.: Sin City 2 já está em produção. Que nada aconteça aos meus olhos até a estréia!
De Frank Miller e Robert Rodriguez. Com Bruce Willis, Mickey Rourke, Clive Owen, Benicio Del Toro, Nick Stahl, Rutger Hauer, Carla Gugino, Jessica Alba, Brittany Murphy, Rosario Dawson, Michael Clarke Duncan, Powers Boothe, Elijah Wood, Devon Aoki, Michael Madsen, Josh Hartnett e Jaime King.
Silvio Pilau – 15/08/05
Robert Rodriguez é um cara que parece ter duas personalidades. Um dos ícones do cinema independente norte-americano, o diretor divide seus trabalhos em dois temas absolutamente distintos, com pouco – ou quase nada – a ver um com o outro. Por um lado, há o Robert Rodriguez criança, aquele cineasta responsável por aventuras infantis como a série Pequenos Espiões e As Aventuras de Sharkboy e Lavagirl em 3D. Pelo outro lado, encontramos o Robert Rodriguez adulto, criador de obras como Um Drink no Inferno, A Balada do Pistoleiro e Era uma Vez no México, onde a violência é parte fundamental da narrativa. Sin City, o estonteante novo trabalho do diretor, encaixa-se nessa segunda categoria.
Baseado na graphic novel de Frank Miller, o filme conta três histórias passadas em Basin City, uma cidade dominada pelo crime, corrupção e habitada por pessoas de moral, no mínimo, duvidosa (não, não estou falando de Brasília). A primeira trama é sobre um policial que salva uma criança e acaba desenvolvendo uma ligação especial com ela ao longo dos anos, tentando protegê-la a qualquer custo; na segunda história, acompanhamos a vingança de um renegado da sociedade, após o assassinato de uma prostituta em sua própria cama; e, por último, vemos o surgimento de uma sangrenta batalha, desencadeada com a morte de um policial espancador de mulheres.
Sin City é a mais fiel adaptação de uma história em quadrinhos para os cinemas. Na verdade, pode até ser um equívoco chamar o filme de adaptação. Sin City é mais uma mera recriação em outra mídia do universo concebido por Frank Miller, que assina a direção ao lado de Rodriguez. O motivo para Rodriguez e Miller dividirem os créditos é compreensível, uma vez que o filme praticamente utiliza a HQ como storyboard, utilizando as mesmas cores e enquadramentos para criar um filme visualmente estarrecedor e sem precedentes.
Pode ser temerário um crítico (ainda que um mero embrião de um crítico, como é o meu caso) afirmar isso, mas não há como qualificar as imagens de Sin City de outra forma. É uma obra com diversas qualidades, mas não resta dúvida que o grande atrativo desta impressionante realização de Robert Rodriguez, aquilo que fará o filme ser lembrado por muitos anos, é o seu visual.
Assistir a Sin City é como se sentir abençoado por ter o dom da visão. Através da mesma técnica utilizada em Capitão Sky e o Mundo de Amanhã, Rodriguez conseguiu transpor para as telas o desenho de Frank Miller, em uma combinação brilhante de imagens reais, computação gráfica e o traço do desenhista. O resultado é de encher os olhos. Um preto e branco maravilhoso, com sombras e detalhes que realmente parecem ter saído direto das páginas da graphic novel. Não há como descrever aqui o que Rodriguez alcançou em termos visuais. É algo que merece ser visto, aplaudido, admirado e estudado. Destacar uma ou outra cena é impossível. O filme todo é plasticamente impecável.
Mas Sin City não é somente visual. Recriando de forma brilhante o clima dos filmes noir da década de 40, Rodriguez consegue utilizar toda a sua brilhante técnica para contar ótimas histórias, que prendem a atenção do espectador com personagens fortes e diálogos afiados. O roteiro, aliás, é uma das grandes forças de Sin City e apenas ressalta toda a “embalagem” criada pelo diretor.
Os diálogos, por exemplo, são brilhantes. É delicioso (em uma espécie de prazer sádico) acompanhar os personagens “malditos” de Sin City soltando suas pérolas recheadas de humor negro, sarcasmo e completo desprezo pela vida humana. Da mesma forma, a narração em off certamente se configura como uma das mais sensacionais já vistas nas telas, realmente ajudando a compreender os personagens, a história e, é claro, o mundo único de Basin City.
Assim como na questão das imagens, é difícil destacar apenas um momento para ilustrar este ponto de vista. Seja o brutamontes Marv em um pensamento poético (“Ela tem o cheiro que os anjos devem ter.”), em uma análise sobre sua agente de condicional (“Ela é uma sapatão, mas só Deus sabe porquê. Com esse corpo, ela poderia ter o homem que quisesse.”) ou Hartigan justificando seu desejo de proteger Nancy (“Um homem velho morre. Uma jovem garota vive. Uma troca justa.”), praticamente todas as frase ditas pelos personagens de Sin City encaixam-se de forma exemplar ao contexto do filme.
Além disso, deve ser ressaltado também o fato de que, por ser uma transposição quase direta das páginas de quadrinhos para as telas, o próprio estilo de diálogos e narração foi mantido. Ou seja, frases curtas e poderosas, condensadas pelo limite de espaço das revistas, encontram a mídia tipicamente expansiva que é o cinema, resultando em uma combinação curiosa e surpreendentemente eficiente.
Como normalmente acontece com cineastas de certo renome no circuito independente, Robert Rodriguez conseguiu reunir um elenco impressionante e que ajuda a trazer à vida o universo de Frank Miller. O destaque, sem dúvidas, fica por conta de Mickey Rourke, que constrói um personagem interessantíssimo em Marv, um brutamontes de meter medo, completamente desfigurado, mas com princípios. O resto do elenco também parece ter entrado completamente no clima da história, divertindo-se à beça em seus papéis (Bruce Willis está ótimo como o policial Hartigan).
Muita gente tem dito que Sin City é um filme gratuitamente violento e que glorifica a carnificina ao tratar seus personagens sem ética como heróis. Na verdade, isso é mais uma grande bobagem do grupinho adepto ao politicamente correto, simplesmente porque a violência mostrada em Sin City é altamente caricata e estilizada (como nos filmes de Tarantino, que, aliás, dirige uma cena aqui, quando o personagem de Clive Owen conversa com o morto Del Toro no carro), funcionando como uma resposta ao mundo em que vivemos. Robert Rodriguez e Frank Miller não glorificam a violência, mas exageram-na exatamente para revelar seu absurdo.
No final, Sin City não é apenas a mais fiel adaptação de uma HQ já vista nos cinemas, mas uma obra-prima de roteiro, direção e atuações. Sem dúvidas, será lembrado pelo seu aspecto visual, utilizando a linguagem cinematográfica de uma forma nunca antes vista. Mas enxergar o filme apenas dessa forma seria diminuir o alcance do talento de Frank Miller e da visão de Robert Rodriguez. E, diante de uma obra como Sin City, isso seria um sacrilégio.
P.S.: Sin City 2 já está em produção. Que nada aconteça aos meus olhos até a estréia!
1 Comments:
Eu não vou ler e tu até já sabe o motivo!
bjus
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