Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Tuesday, August 16, 2005

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No último mês, tivemos atentados em Londres, o maior escândalo de corrupção da história do Brasil, meu time tropeçando na segunda divisão do campeonato brasileiro e muitas outras notícias, digamos, catastróficas. Mesmo com tudo isso acontecendo, acho que nada me despertou mais raiva do que um termo que passo a odiar com todo o meu ser: o intragável “politicamente correto”.

Pois vejamos três exemplos. Número um: recentemente, um dos maiores nomes da literatura mundial, o colombiano Gabriel García Márquez, teve seu último livro traduzido para o português. O título: Memórias de Minhas Putas Tristes. Em uma atitude incompreensível, algumas livrarias se recusaram a vender a mais recente obra do vencedor do Prêmio Nobel, apenas porque trazia aquela tenebrosa palavra no título.

Número dois: o seguidor de Hitler que atualmente comanda a Igreja Católica, Papa Bento XVI, condenou publicamente os livros da série fenômeno de vendas Harry Potter, sob a acusação de que a trama desperta nas crianças o lado da feitiçaria, do ocultismo e seja lá quais forem as outras frescuras que ele tenha citado.

Número três: a banda gaúcha Bidê ou Balde está enfrentando problemas com sua música E Por Que Não?. Segundo os ociosos detratores, a letra da canção é um elogio à pedofilia, falando sobre um pai que abusa sexualmente de sua filha. Os músicos foram proibidos de cantar a letra, sob risco de punição.

Ok, vou parar os exemplos por aqui. Poderia prosseguir citando outras situações por muitas páginas, mas é desnecessário. Estes três patéticos ocorridos já ilustram com perfeição o ponto atingido pela paranóia da nossa sociedade. A liberdade cada vez mais se torna uma ilusão, escondida sob um véu de puritanismo exacerbado que nada, e enfatizo esse nada, traz de útil às nossas existências.

Sem entrar, pelo menos por enquanto, na questão da liberdade artística e da censura, que benefícios podem gerar a retirada de um livro como o de García Márquez das prateleiras, apenas porque traz a palavra “puta” no título? Será que alguma criança que enxergar essa assustadora expressão terá seus valores corrompidos? Por que toda essa polêmica? Compensa banir a obra de um gênio como Márquez por um motivo tão esdrúxulo?

Quanto ao caso Harry Potter, vou tentar me conter ainda mais. Caso contrário, poderia me estender ao despejar todo o ódio que tenho pela instituição Igreja Católica, uma dominadora de mentes e ceifadora de tudo o que é liberdade no ser humano. Hitler XVI, ops, Bento XVI condena Harry Potter. Ele tenta proibir o único livro que, em muito tempo, conseguiu atrair a atenção das crianças e que pode despertar em milhões delas o mais do saudável hábito da leitura. Harry Potter, aquela obra que fala sobre amizade, integridade e sobre a luta do Bem contra o Mal (onde, por sinal, o Bem sempre vence) é tida como má influência pela Igreja. Vá entender.

Se um desses casos possui algum fundamento, é o da Bidê ou Balde. A letra pode ser interpretada da forma que os acusadores dizem? Pode. Pode ser proibida? Nunca. É o cúmulo privar a liberdade de expressão de um artista por uma interpretação que pode assumir uma conotação estranha. Não há nada explícito na letra da canção e, mais do que isso, o grupo tem todo o direito de cantá-la. Quem não quiser, que não a escute.

Estamos, talvez até sem perceber, pouco a pouco colocando, nos jovens, principalmente, aquelas viseiras utilizadas por cavalos, onde não se pode enxergar para os lados, limitando o alcance da visão. Essa besteira do “politicamente correto”, do não falar e não fazer nada fora de padrões estúpidos de candura, está privando uma nova geração inteira de bens necessários como a criatividade e a imaginação.

É óbvio, e não precisa de muita inteligência para chegar a essa conclusão, que isso não traz nada mais do que revolta e fúria. Podar a liberdade de pensamento sob um título aparentemente benévolo como o de “politicamente correto” é um mal disfarçado. É, na verdade, uma máscara, que cada vez mais adquire dimensões maiores. Uma máscara que tem que cair, e cair rápido.

Por isso, pegue um valor de nossa sociedade e destrua-o. Simples assim. Faça como Tyler Durden (ou foi o narrador?), de Clube da Luta, que simplesmente sentiu o desejo de destruir algo bonito. Chute a bunda do conservadorismo e cuspa na cara do correto. Mostre a todas aquelas pessoas que acham que tudo corrompe mentes e almas que agir com liberdade não significa tornar-se um criminoso, com maldade no coração. Quer fazer, quer dizer algo, vá lá e faça e diga. Dentro de certos limites, é claro, mas limites maiores do que os do "politicamente correto". E que se foda o resto.

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