A Busca
Ainda não estava completamente acordado quando cheguei na agência e vi o sonho de todo publicitário diante de meus olhos. Ali, na minha mesa, como um presente caído dos céus, estava o briefing perfeito. O desejo de todo criativo. Um pedido de trabalho intocável – bem escrito, com as informações fundamentais e, o principal, liberdade total de criação. O ponto de partida para o Grand Prix de Cannes.
Ansioso, li umas sete vezes, no mínimo. Fui conversar com o atendimento, troquei algumas idéias com o diretor de arte e comecei a criar. Mal podia conter o sorriso no rosto. Enquanto começava a jogar as idéias na tela do computador, já ia ensaiando o meu discurso de agradecimento nos maiores festivais de publicidade do mundo.
Perto do meio-dia, todos os meus sonhos estavam se desfazendo. A minha vontade era de rasgar em trezentos e doce pedacinhos aquele papel na minha frente. O mesmo papel que, em alguma época daquela manhã, havia me trazido tanta esperança e alento.
Tudo porque após três horas de criação incessante (leia-se sem pausa para banheiro ou café, até porque não tomo café), tudo o que eu tinha eram alguns títulos interessantes. Nada mais. Nada de idéia genial. Nada de Grand Prix de Cannes. Nada de discursos. No máximo, um OK do cliente. E eu estava ficando desesperado.
Não fui almoçar. Não tinha condições de encarar meus colegas de agência em uma mesa cheia de comida sabendo que estava decepcionando eles. Que eu não conseguia fazer meu trabalho. Preferi ficar na empresa, pensando um pouco mais. Quando eles voltassem, eu apresentaria a idéia. A Idéia. Com “A” e “I” maiúsculos mesmo. Aquela que faria Bill Bernach ter vergonha de suas criações.
Três horas da tarde. A agência a pleno vapor, na correria comum da propaganda. Outros trabalhos acumulados na minha mesa e eu ali, na mesma. Preso por maldita sacada transcedental que teimava em se esconder de mim. A caneta em minha mão já estava destruída por mordidas. As páginas de rascunho em minha mesa mais rabiscadas que desenho de criança. E nada ainda. Neca.
Fui ao banheiro pela primeira vez ao dia. E ali, parado diante da privada, dentro daquele pequeno cômodo, expelindo algumas das impurezas do meu corpo, ela veio. Como um belo anjo prestes a fazer uma anunciação. Simplesmente apareceu na minha mente. A idéia. A sacada. Os prêmios. O reconhecimento. O sucesso.
Naquela hora, eu teria trocado a Gisele Bündchen nua e me chamando com o dedinho por aquela idéia brilhante. Era tudo o que eu queria. Nada me faria mais feliz do que aquela iluminação que tive no banheiro. Parei o trabalho urinário no meio. Saí correndo do banheiro em direção à minha mesa, derrubando dois colegas que estavam no caminho. Sentei diante do computador, em um estado de êxtase, com todo o corpo exultante de satisfação, e, na hora de digitar, nada saiu.
Sim, esqueci a idéia. Ficou perdida em algum lugar daquele exíguo trajeto de alguns metros entre o toalete e minha mesa. Não me contive. O grito que estava preso em minha garganta desde a metade da manhã saiu. Ruidoso, colérico, mas revigorante.
- POOOOOOOOOOOOORRRRRRAAAAAAAAAA!
A agência parou. Os olhares se voltaram para mim. Não dei bola. Baixei a cabeça e recomecei a pensar, tentando recobrar aquela idéia. Mas não adiantou. Nem uma pista. Ela havia sumido mesmo. Voltei ao banheiro, para ver se o local servia como fonte de inspiração, mais uma vez. De nada adiantou. Fui à copa, tomei quatro copos d’água. Meia hora depois, estava novamente urinando no banheiro. Mas, da mesma forma, o resultado foi zero.
O desespero começava a tomar conta do meu corpo. Sentia o suor grudando a roupa em minha pele. Não conseguia pensar com clareza. A idéia estava ali por perto, eu sabia. Já havia entrado em contato com ela. Mas, por alguma razão, a vadia hesitava em aparecer. O prazo do trabalho se esgotava. A contagem regressiva estava em andamento. Não me restava outra alternativa a não ser utilizar algumas das idéias fracas que eu tinha até então. Adeus, Cannes.
Ninguém na agência percebeu, mas uma lágrima escorria pelo canto do meu olho esquerdo enquanto ajeitava aquele texto comum, corriqueiro, sem a maldita idéia que simplesmente não deu mais as caras. Deveria ser uma bela imagem: um redator experiente chorando diante da tela do computador por algo que ele nunca escreveu.
Enquanto limpava a lágrima, ela voltou. Radiante, incandescente, cheia de vida. Original, criativa, bem-humorada. Pertinente, mercadológica. A idéia perfeita para o briefing perfeito. Ela voltara para mim. Antes de qualquer coisa, anotei-a no único espaço em branco restante no papel à minha frente.
Em quinze minutos, digitei furiosamente, sem prestar atenção em mais nada. Criei a melhor peça da minha vida e passei-a ao diretor de arte. Ele adorou. O diretor de criação também. Todo o pessoal da agência me cumprimentou pela sacada. A felicidade não se continha em meu corpo.
Pena que o cliente não aprovou. Fazer o quê?
1 Comments:
Salve Silvio!
Embora não seja muito de responder emails, sempre leio teus textos. Inspirados, loucos, gostosos. Bjs da amiga, Cláudinha
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