Também Morre Quem Atira
Ando a pensar se existe algo errado comigo. Tenho recebido dezenas de e-mails a respeito do tal referendo sobre as armas, enviados a mim pelas mais diversas pessoas do meu círculo de relacionamento e todos – sem exceção – defendem a liberação do porte de armas. Textos com estatísticas, cartazes, até charges estão circulando pela Internet com o objetivo único de convencer as pessoas de que a solução para a violência é colocar mais armas de fogo nas ruas.
Sinto dizer, mas não vejo dessa forma. E pareço estar sozinho nessa história. É inconcebível para mim que todos apóiem o fato de colocar uma arma na mão de cada cidadão, ou, ao menos, conceber esta atitude como correta, e vejam isso como resposta para os problemas que enfrentamos diariamente.
Sim, vou cair aqui no velho papo de que violência gera mais violência. Pode ser clichê, mas um clichê se torna clichê por ser verdade, não é? Como reagir a algum assalto sacando uma arma pode ser interpretado como o caminho correto a ser seguido? Nunca, jamais aceitarei essa como a solução ideal. Reagir, como todos já sabem, não é nem um pouco recomendável. E reagir com uma arma de fogo menos ainda.
Lamento que a humanidade, terreno fértil para o surgimento de mentes brilhantes e com idéias fabulosas, tenha inventado objeto como a arma de fogo. Algo cujo único objetivo, sua razão de ser, é causar sofrimento em outro ser humano. O surgimento das armas de fogo é uma mancha na existência humana e não compactuo com os defensores da idéia da liberação de seu uso, especialmente para o cidadão comum.
Alguém pode vir com o argumento de que eu pensaria diferente se alguém invadisse minha casa e ameaçasse minha família. Talvez sim, mas provavelmente não. Certamente ficaria indignado e afloraria em mim algum desejo de reagir, mas creio piamente que não é essa a atitude certa. E com certeza não a tomaria.
Colocar mais armas na rua não é e nunca vai ser a solução para a violência. Ou para qualquer problema. Esse é uma situação muito mais ampla, um problema estrutural de toda a sociedade. A decisão tomada por um ser humano de cometer um ato criminoso tem início, com pouquíssimas exceções, em uma necessidade, na falta de algo que a sociedade não soube suprir. A violência é uma conseqüência, não a causa.
Por isso me surpreendo ao receber tais e-mails, defendendo a liberação das armas, de pessoas letradas, inteligentes e com experiência de vida. Essas pessoas, mais do que ninguém, deveriam saber que é absolutamente inútil combater a conseqüência, o resultado de algo. Pode funcionar como um paliativo, mas não vai solucionar nada. Nada mesmo. E, no caso específico da violência, muito menos. “Olho por olho, o mundo vai ficando cego”, disse Gandhi.
OK, mas e todas aquelas estatísticas que a gente recebe, sobre como o índice de criminalidade aumentou em países que proibiram a posse de armas? Respondo a isso com um assomo de espanto, ao verificar como as pessoas são manipuláveis. Recebem informações tendenciosas, que apenas enxergam um lado da moeda, e tomam aquilo como verdade absoluta.
Algumas experiências de países favoráveis ao desarmamento foram ruins, sem dúvida. Mas outras deram excelentes resultados. O problema é que essas, por alguma razão, ninguém enxerga, ninguém divulga. A SUPERINTERESSANTE trouxe dados interessantíssimos sobre o assunto em uma edição (cujo número infelizmente não me recordo) e recomendo que todos leiam, esclarecendo bem os dois lados da situação. Recomendo também que entrem neste link: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u112645.shtml. É apenas uma notícia, mas pode iluminar alguém em dúvida.
Seja como for, reafirmo a minha posição e não vou mudá-la. Não compreendo como liberar para o uso das pessoas um instrumento que serve apenas para machucar e tirar a vida de outro ser humano possa ser a solução para qualquer coisa. Qualquer coisa mesmo. É uma irracionalidade quem pensa que esse problema vai ser resolvido dessa forma. Irracionalidade e, até certo ponto, egoísmo, uma vez que quem vota NÃO pensa apenas em si mesmo, em defender a sua própria pele, sem pensar que o problema, na verdade, é muito mais abrangente e atinge toda a sociedade.
Não sei porquê, mas ainda tenho um pouco de fé na raça humana. São resquícios, cada vez menores, mas creio que a bondade do ser humano pode ser restaurada quando se dá ensejo a isso. E tenho apenas uma certeza absoluta, nessa minha natureza pacifista: este encontro do que ainda temos de bom não será feito colocando uma arma na mão de cada um. Não mesmo.
Talvez eu esteja errado. Talvez eu seja um cara idiota, um ingênuo com opiniões equivocadas. Ou talvez eu seja apenas um grande sonhador, um romântico que acredita em algo que já não existe mais. Mas, nesse caso, nessa polêmica, tudo não passa de um imenso talvez. E, na dúvida, eu vou preferir sempre, indiscutivelmente, ser esse sonhador e esse romântico. Nem que seja o último.
You may say I`m a dreamer, but I`m not the only one.
John Lennon
04/08/05
1 Comments:
Interessante, faz anos que este texto está aqui e só agora li.
Concordo com tudo o que disse, talvez eu também seja um grande sonhador.
Parabéns!!
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