Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Monday, January 02, 2006

Cinco Dólares e um Acerto de Contas

Abriu o tambor de sua Colt 45. Uma, duas, três, quatro, cinco. Cinco balas. Uma das câmaras ficara vazia. Puxou uma nota de cinco dólares que, não obstante a pequena população da cidade, demonstrava já ter passado pelas mãos de muitos homens. Enrolou a nota ainda mais e, cuidadosamente, pô-la na câmara vazia da arma.
- Por que isso? – perguntou espantado o garoto de roupas esfarrapadas que cuidava do cavalo.
O homem sorriu, mostrando que por trás da aparência assustadora existia um ser humano, e olhou nos olhos do garoto.
- Os cinco dólares?
A criança balançou a cabeça afirmativamente, interessada.
- É por precaução. Para que a arma não dispare sem que eu aperte o gatilho, deixo uma câmara vazia.
- E os cinco dólares?
- Os cinco dólares são para o funeral, caso eu seja derrotado.
Estavam apenas os dois no beco atrás da casa do ferreiro da cidade. O cavalo já preso em uma tora de madeira. O garoto, insistente, prosseguia com as perguntas.
- Você vai mesmo enfrentá-lo?
- Vou.
- Dizem que ele já matou muita gente.
O homem colocou a Colt no coldre e passou a mão sobre a cabeça do garoto.
- Já disseram o mesmo de mim – e começou a caminhar, as botas levantando poeira na terra seca. – Fique aqui cuidando do meu cavalo. Volto rápido.
Sob os olhares atentos do garoto, o homem saiu do beco e entrou na rua principal. Ali percebeu a cidade nervosa. As pessoas na rua baixavam o olhar à medida que caminhava. Inclusive aqueles que outrora foram seus amigos temiam o momento que se aproximava.
Passou em frente à sua antiga casa. Sacudiu a cabeça. Não era hora de pensar nisso. Era hora de fazer o que tinha que ser feito.
O único movimento da cidade era seu caminhar. Olhava de relance para as portas e as janelas das casas e via as pessoas ansiosas. Algumas torcendo por ele, outras não.
Pôs a mão sobre a coronha da Colt 45 quando se aproximou do saloon, para se certificar que ela estava realmente ali. Sua companheira. A poucos metros da porta, um homem cortou a sua frente. A estrela dourada reluziu com o poder do sol.
- Ele está aí, xerife?
- Sim – respondeu o outro, com a estrela.
- Chame-o.
- Ele diz que não tem nada para resolver com você.
O homem encarou o xerife diretamente nos olhos. A mão direita não se afastava do coldre.
- Não posso deixar você fazer isso – falou o xerife, aproximando a mão direita da cintura.
- Isso não é seu problema.
- Esqueça tudo.
- Você esqueceria?
O xerife não respondeu.
- Você não é mais esse tipo de pessoa. Já largou essa vida.
- Larguei enquanto tinha uma família. Aquele cara lá dentro me jogou de volta ao passado.
- Ele é mais rápido que você.
Foi a vez do homem com a Colt não responder. Apenas sorriu, como se já tivesse tudo planejado. Os dois se olharam por um momento. Finalmente, o xerife deu dois passos para o lado, abrindo caminho. O homem tocou na ponta do chapéu branco, agradecendo, e adentrou o salão.
Havia bastante gente dentro do local. No entanto, o silêncio reinou no exato instante em que o homem fechou a portinhola vaivém atrás de si. Os olhares se voltaram para ele. Tudo o que se ouvia era a respiração dos freqüentadores. Ele começou a caminhar, percorrendo com o olhar toda a extensão do salão. A madeira estalava sob seus pés a cada passo.
Enxergou o homem que procurava em uma mesa no canto. Usava um chapéu preto e estava sentado com quatro pessoas ao seu lado, despreocupado. Lentamente, o homem que recém havia entrado dirigiu-se até lá. O outro do chapéu preto não se levantou, mas os olhares se encontraram.
Ficaram a poucos metros um do outro.
- Quer ir lá para fora? – perguntou o homem sentado, alisando seu chapéu preto.
Assim que terminou a pergunta, ouviu dois estalos. Desabou para trás com a cadeira, enquanto um filete de sangue escorria por sua testa.
O homem que estava em pé ficou alguns segundos com a mão ainda no cão da sua Colt 45. Sua Peacemaker. Que acabara de fazer jus ao apelido.
Ninguém se mexia. Alguns pareciam surpresos com a forma como tudo se desenrolou. Outros mostravam indiferença.
O homem guardou a arma e saiu do saloon, sem olhar para os lados. Na porta, encontrou o xerife novamente.
- Isso não foi nem um pouco honrado – comentou o xerife.
- Não existe honra em nosso tempo – respondeu rispidamente.
Saiu sob os olhares do xerife, caminhando pela cidade mais uma vez, agora pelo caminho inverso. O garoto permanecia sentado ao lado do cavalo, brincando com a areia e aguardando o retorno do homem.
- Como foi? – o garoto perguntou, ansioso.
O homem não respondeu. Retirou a arma do coldre. Duas balas a menos agora. Abriu o tambor e puxou a nota de cinco dólares amassada em uma das câmaras. Colocou-a na mão do garoto e subiu no cavalo.
Fez um rápido sinal com a cabeça, tocou na ponta do chapéu e bateu as esporas da bota no corpo do animal. Partiu, deixando apenas para trás um redemoinho de poeira e três corpos sem vida. Dois deles, os únicos que jamais amara.


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