Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Monday, August 16, 2010

Filmes de Julho

Rede de Intrigas (Network) – EUA, 1976
De Sidney Lumet. Com Faye Dunaway, William Holden, Peter Finch, Robert Duvall e Ned Beatty.
Fantástico em sua sátira/crítica à imbecilização promovida pelos meios de comunicação, com discursos certeiros e diálogos afiados entregues por grandes atores. Há momentos desnecessários, como a relação entre Holden e Dunaway, mas segue um grande filme de Lumet.
Nota: 8.0

Infâmia (The Children’s Hour) – EUA, 1961
De William Wyler. Com Audrey Hepburn, Shirley MacLaine, James Garner e Miriam Hopkins.
O mestre Wyler tem dificuldades na primeira metade, que não chega a empolgar, principalmente por conta da irritante personagem ary. Mas a obra cresce após a divulgação da calúnia, com ótimos diálogos e interpretações densas de Hepburn e MacLaine. A cena do destino final de MacLaine é filmada de forma brilhante por Wyler.
Nota: 7.0

Laura – EUA, 1944
De Otto Preminger. Com Dana Andrews, Gene Tierney, Clifton Webb, Vincent Price e Judith Anderson.
Direção estilosa, personagens complexos, diálogos inspirados, trilha sonora inesquecível. Tudo isso somado ao roteiro que traz uma das maiores reviravoltas do cinema. Só poderia resultar em um grande e atemporal clássico.
Nota: 9.0

Coração Louco (Crazy Heart) – EUA, 2009
De Scott Cooper. Com Jeff Bridges, Maggie Gyllenhaal, Colin Farrell e Robert Duvall.
Como filme, é menos do que poderia ser. Tanto a história quanto a abordagem do diretor ao tema são comuns, baseados em clichês. O destaque fica mesmo por conta de Jeff Bridges, que desaparece sob a pele de Bad Blake (o ator ganhou um Oscar pela interpretação).
Nota: 6.0

O Jovem Frankenstein (Young Frankenstein) – EUA, 1974
De Mel Brooks. Com Gene Wilder, Peter Boyle, Marty Feldman, Cloris Leachman e Teri Garr.
Ainda que haja momentos cansativos e lentos, especialmente para uma comédia, o filme traz momento hilários, de pura genialidade. Wilder nunca esteve tão bem e Marty Feldman quase rouba a cena como Igor. Uma ótima comédia, de quando Mel Brooks ainda sabia fazê-las.
Nota: 7.5

Onde Vivem os Monstros (Where the Wild Things Are) – EUA, 2009
De Spike Jonze. Com Max Records, Catherine Keener e Mark Ruffalo. Com as vozes de James Gandolfini, Paul Dano e Catherine O’Hara.
Uma narrativa repleta de significados e simbolismos sobre as dificuldades do crescimento e o poder de imaginação da infância, sempre contada com o frescor e a originalidade típicos de Spike Jonze. Bonito, sensível e muito bem realizado. Os monstros são um achado.
Nota: 8.0

Barry Lyndon – Inglaterra, 1975
De Stanley Kubrick. Com Ryan O’Neal, Marisa Berenson, Patrick Magee e Hardy Kruger.
A história e os personagens são interessantes o suficiente para manter a atenção, mas jamais se tornam algo diferenciado. A genialidade aqui fica mesmo por conta da técnica de Kubrick, que cria um filme visualmente irrepreensível, com uma cena mais linda que outra.
Nota: 7.5

Encontro Explosivo (Knight and Day) – EUA, 2010
De James Mangold. Com Tom Cruise, Cameron Diaz,Peter Sarsgaard, Viola Davis e Paul Dano.
É tudo uma grande brincadeira, mas o objetivo de satirizar os filmes de ação esbarra na falta de inspiração. As piadas são fracas, a química entre o casal é nula e as cenas de ação nada empolgantes. Sobra o carisma de Cruise e um ou outro momento.
Nota: 4.0

À Prova de Morte (Death Proof) – EUA, 2007
De Quentin Tarantino. Com Kurt Russell, Vanessa Ferlito, Sidney Poitier, Zoe Bell, Rosario Dawson, Mary Elizabeth Winstead, Rose McGowan, Eli Roth e Quentin Tarantino.
Um filme que somente Tarantino poderia fazer. Mais que uma homenagem, traz a essência de seu cinema, com a criação de um mundo totalmente tarantinesco, com longos diálogos, violência, humor negro e fortes personagens femininos. Tudo vale e nada importa. Diversão pura do início ao fim.
Nota: 8.0

Predadores (Predators) – EUA, 2010
De Nimród Antal. Com Adrien Brody, Alice Braga, Topher Grace, Danny Trejo e Laurence Fishburne.
A boa presença de Adrien Brody e Alice Braga não esconde o fato de se tratar de um produto comum até mesmo para o gênero de ação. As criaturas demoram a aparecer e o roteiro ainda toma caminhos inexplicáveis, como uma péssima surpresa envolvendo o personagem de Grace.
Nota: 5.0

Ink - EUA, 2009
De Jamin Winans. Com Christopher Soren Kelly, Quinn Hunchar, Jessica Duffy e Jennifer Bater.
O hype que este filme conquistou no cinema independente não se justifica. Ainda que tenha algumas boas ideias, elas são apresentadas sem qualquer senso narrativo, em um filme caótico e que, muitas vezes, parece amador. Ambicioso, sim, mas também confuso e pretensioso.
Nota: 5.0

Entre Irmãos (Brothers) – EUA, 2009
De Jim Sheridan. Com Tobey Maguire, Natalie Portman, Jake Gyllenhaal, Sam Shepard e Carey Mulligan.
O roteiro parece perdido, começando como um drama familiar e encerrando como um estudo sobre as consequências psicológicas da guerra. Além disso, Sheridan parece apressado, impedindo um desenvolvimento gradual dos personagens e tornando o filme, por vezes, inverossímil. O elenco, por outro lado, está ótimo.
Nota: 6.0

O Profeta (Un Prophéte) – França, 2009
De Jacques Audiard. Com Tahar Rahim, Niels Arestrup, Adel Bencherif e Richem Yacoubi.
Digna de figurar entre as grandes sagas do crime do cinema, a jornada de Malik é real e bem construída, apoiada em ótimos personagens e atuações. Audiard ainda se mostra diferenciado ao apostar em um filme com significados, como a parábola religiosa. Uma grande obra, desde já entre as melhores a chegar aqui neste ano.
Nota: 8.0

Amelia – EUA, 2009
De Mira Nair. Com Hilary Swank, Richard Gere, Ewan McGregor, Christopher Eccleston, Mia Wasikowska e Cherry Jones.
O pioneirismo da protagonista se torna uma novelinha tola nas mãos de Nair, que jamais consegue descobrir quem foi Earhart. Narrativamente pobre, com um roteiro que não é capaz dar credibilidade às situações. Até mesmo a normalmente ótima Swank está abaixo da média.
Nota: 3.0

Tuesday, August 10, 2010

O JOVEM FRANKENSTEIN

De Mel Brooks. Com Gene Wilder, Marty Feldman, Peter Boyle, Teri Garr, Cloris Leachman e Madeline Kahn.

Assistir a um filme é sempre uma experiência pessoal. A apreciação ou não de determinada obra é muito influenciada pela bagagem carregada por cada um de nós, nossa visão de mundo, ideais e personalidade. O mesmo filme pode ter um significado muito importante para alguém, mas dizer absolutamente nada para outro. Ainda que isso ocorra em todos os gêneros, em nenhum é tão representativo quanto na comédia. O senso de humor, a ideia do que é ou não engraçado, varia muito de uma pessoa para outra. Tão importante quanto, ser levado às risadas por um filme depende imensamente do estado de espírito no qual nos encontramos em determinado momento.

Por essa razão, analisar uma comédia em relação às suas qualidades cinematográficas não é uma tarefa fácil. Normalmente, o gênero simplesmente não possui qualquer pretensão além de fazer rir, o que torna, de certa forma, irrelevante preocupar-se demasiadamente com questões como estrutura narrativa ou estilo de direção. Se uma comédia gera risadas, ela é bem-sucedida dentro de seus propósitos. Ponto final. Ainda assim, existem aqueles filmes que fazem algo a mais com o gênero e, além de garantir o riso de maneira inteligente e sem apelações, demonstram ambição um pouco maior do que apenas divertir. Era o que Mel Brooks fazia em seus primeiros trabalhos, como O Jovem Frankenstein.

Trata-se de uma continuação/homenagem/sátira à clássica história de Mary Shelley sobre Victor Frankenstein e a sua criatura trazida de volta à vida com tecido morto. Na trama criada por Brooks ao lado de seu protagonista Gene Wilder, o espectador é apresentado ao cientista Frederick Fronkonsteen, neto do barão Victor e que, envergonhado devido às experiências malucas de seu avô, decide não ser chamado pelo sobrenome da família. Fronkonsteen, então, recebe a informação de que tem uma herança a receber do barão e, dessa forma, parte em direção à Transilvânia para ficar no castelo do avô. Quando chega lá, conhece uma série de personagens inusitados, como o ajudante corcunda Igor, e encontra os escritos de Victor Frankenstein, convencendo-se de que as experiências podem dar certo e decidindo colocá-las em prática.

Chega a ser um pecado ver que gerações mais novas (acostumadas a um conceito de comédia cujos grandes exemplares são insultantes “paródias” como Espartalhões e Super-Herói – A Liga da Injustiça) pouco conhecem o trabalho de Mel Brooks. Durante um bom tempo, ele foi o maior representante da comédia no cinema norte-americano, com filmes anárquicos, que pareciam estar à frente do seu tempo em termos de ousadia e questionamento dos valores conservadores da cultura do país, como Primavera para Hitler e Banzé no Oeste. Este O Jovem Frankenstein, lançado em 1974 (curiosamente, mesmo ano de Banzé no Oeste) é mais um exemplar da capacidade de Brooks de dar um passo além do que se fazia no gênero: ainda que deixe a anarquia levemente de lado, o cineasta demonstra coragem e visão ao se preocupar com aspectos técnicos e investir na criação de uma atmosfera que pouco tem a ver com a comédia.

E este talvez seja o grande mérito de O Jovem Frankenstein e o motivo pelo qual o filme é lembrado até hoje entre os grandes do gênero. Brooks não filma a sua comédia como se fosse uma comédia. Pelo contrário, a principal preocupação do cineasta parece ser realizar uma homenagem aos clássicos de terror da Universal dos anos 30, especialmente a James Whale, e, dessa forma, a sua abordagem é totalmente voltada a isso. A fotografia em preto e branco, a inspirada direção de arte e até diversos de seus planos remetem a tais filmes – Brooks, inclusive, conseguiu boa parte do equipamento do filme original de Whale para utilizar no laboratório de Frederick Fronkensteen. Até mesmo o ritmo adotado pelo cineasta é lento, valorizando muito a construção deste clima – mesmo que existam piadas em abundância, a forma devagar com a qual os atores entregam suas falas e a os longos movimentos de câmera pouco lembram a dinâmica acelerada da maioria das comédias.

Com isso, O Jovem Frankenstein pode se tornar um pouco cansativo em alguns momentos, mas é exatamente o contraste entre a direção disciplinada, séria, de Brooks e o nonsense das piadas que fazem do filme uma realização hilária ainda hoje. O espectador é, de certa forma, transportado àquele mundo em função das imagens bem trabalhadas, mas também é lembrado a todo instante que tudo o que está vendo não passa de uma grande bobagem. As gags surgem das mais diversas formas, desde as visuais, passando pelos diálogos e chegando até flertes com a metalinguagem, sempre inteligentes e bem inseridas à história. São muitas as cenas e piadas que já se tornaram clássicas, como o “walk this way” de Igor (que dizem ter sido a inspiração para a música homônima do Aerosmith), o inesquecível número musical e a divertidíssima participação especial de Gene Hackman como o solitário cego que recebe a criatura como uma visita há muito esperada.

Aliás, falando em Hackman, é importante apontar que a sobrevida de O Jovem Frankenstein durante mais de três décadas repousa muito sobre o brilhantismo do elenco. Gene Wilder, por exemplo, talvez tenha aqui a melhor interpretação de sua carreira. Sua caracterização de Frederick Fronkonsteen é impecável, combinando extrema idiotice com megalomania. O ator entrega todas as suas falas de forma perfeita, com entonação impecável, e consegue fazer rir até mesmo nos silêncios, sem contar os pequenos momentos nos quais demonstra o seu impecável timing cômico, como quando as penas da roupa de sua esposa teimam em seguir entrando em sua boca na despedida na estação.

Mas Wilder não está sozinho. Marty Feldman rouba praticamente todas as suas cenas no papel do corcunda Igor, enquanto Cloris Leachman e Madeline Kahn surgem igualmente engraçadas como Frau Blucher e Elizabeth. Já Peter Boyle consegue encontrar um interessante meio-termo entre a comédia e a doçura, fazendo o espectador se importar com a criatura, mesmo que não seja este o objetivo do filme. O único porém do elenco cabe a Teri Garr, que jamais demonstra possuir o mesmo talento cômico do restante do grupo, tornando sua Inga não somente um personagem desnecessária, como também irritante por exagerar na caricatura – em sua defesa, no entanto, Inga é desinteressante e possui os momentos menos inspirados do roteiro.

Mesmo prejudicado pelo ritmo lento e sem a irreverência dos trabalhos anteriores de Mel Brooks, O Jovem Frankenstein ainda é uma comédia diferenciada, elegante e inteligente, de uma época em que o diretor era uma das mais provocadoras e criativas mentes do cinema norte-americano. Não é um filme capaz de gerar gargalhadas ou de fazer a barriga do espectador doer de tanto rir, mas possui momentos de pura genialidade que o colocam, com justiça, entre os grandes títulos do gênero. Por mais que a recepção à comédia dependa muito de cada um, é difícil não se divertir com a trajetória de Victor Frankenstein.

Ou melhor, Fron-kons-teen.

Nota: 7.5