Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Wednesday, July 14, 2010

Filmes de Junho

Vidas Amargas (East of Eden) – EUA, 1955
De Elia Kazan. Com James Dean, Julie Harris, Raymond Massey e Jo Van Fleet.
Denso e repleto de raiva e angústia, o filme é irrepreensível ao jogar o espectador no meio dos sentimentos tumultuados da família Trask. O trabalho de Elia Kazan na direção é impecável e James Dean comprova que, por trás do mito, existia um grande ator.
Nota: 9.0

Nascido Para Matar (Full Metal Jacket) – EUA/Inglaterra, 1987
De Stanley Kubrick. Com Matthew Modine, Adam Baldwin, Vincent D’Onofrio e R. Lee Ermey.
O rigor estético de Kubrick constrói mais um grande filme, com um trabalho de câmera magistral. A primeira metade é inevitavelmente superior, mas é na segunda, quando mistura humor negro com tragédia, que o cineasta reflete a insanidade da guerra.
Nota: 8.0

Um Pequeno Erro (Margin for Error) – EUA, 1943
De Otto Preminger. Com Milton Berle, Joan Bennet, Otto Preminger e Carl Desmond.
O filme é bastante irregular, jamais decidindo o gênero e se perdendo nas diversas tramas. Ainda assim, traz alguns ótimos diálogos e Preminger já demonstra olhar diferenciado para a composição de cenas.
Nota: 5.5

Czarina (A Royal Scandal) – EUA, 1945
De Otto Preminger. Com Tallulah Bankhead, Charles Coburn, Anne Baxter, William Eythe e Vincent Price.
Mostrando clara evolução em relação ao seu filme anterior, Preminger constrói uma comédia despretensiosa, mas agradável, recheada de classe e excelentes diálogos. Bankhead está bem no papel principal.
Nota: 6.5

Zeitgeist – EUA, 2007
De Peter Joseph.
Claro que há um excesso e, provavelmente, muitas mentiras nas argumentações deste documentário. Mas o filme é extremamente bem-sucedido em seu propósito de abrir os olhos do espectador, incentivando-o a não acreditar em tudo o que vê e ouve.
Nota: 8.0

Fúria de Titãs (Clash of the Titans) – EUA, 2010
De Louis Leterrier. Com Sam Worthington, Liam Neeson, Ralph Fiennes e Gemma Aterton.
Sim, é um espetáculo de efeitos visuais com algumas boas cenas de ação. Mas a história é pessimamente desenvolvida, sem personagens cativantes e com diversos furos de lógica na trama. A interessante mitologia grega continua sem um filme à altura.
Nota: 5.0

Robin Hood – EUA/Inglaterra, 2010
De Ridley Scott. Com Russell Crowe, Cate Blanchett, Max Von Sydow, William Hurt e Mark Strong.
Ridley Scott pode dirigir este tipo de filme no piloto automático e, infelizmente, é isso o que faz aqui. A história mantém o interesse, mas personagens unidimensionais e a abordagem por vezes juvenil acabam tornando a produção apenas mais uma do gênero. Impossível levar a sério um épico dessa natureza onde não aparece uma gota de sangue.
Nota: 6.0

Toy Story – Um Mundo de Aventuras (Toy Story) – EUA, 1995
De John Lasseter. Com as vozes de Tom Hanks, Tim Allen, Don Rickles, Jim Varney e R. Lee Ermey.
A primeira grande obra da Pixar é mais do que uma quebra de barreiras tecnológicas. A história simples é contada de forma emocionante, com personagens excelentes e temas como amizade e lealdade tratados de maneira exemplar. Clássico com justiça.
Nota: 8.0

O Mensageiro (The Messenger) – EUA, 2009
De Oren Moverman. Com Woody Harrelson, Ben Foster, Jena Malone, Samantha Morton e Steve Buscemi.
Mesmo que proponha a mesma reflexão de sempre, Moverman merece pontos por fazê-la sem mostrar uma única cena de batalha. Roteiro sutil e direção corajosa, como na longa cena de cozinha. Harrelson e Foster (um ator que já merecia mais reconhecimento) estão ótimos.
Nota: 7.5

Toy Story 2 – EUA, 1999
De John Lasseter e Ash Brannon. Com as vozes de Tom Hanks, Tim Allen, Joan Cusack, Kelsey Grammer, Don Rickles e Jim Varney.
Ainda melhor do que reencontrar Woody, Buzz e cia. é ver que a história também evoluiu. Os personagens continuam fascinantes e o ritmo é excelente, inclusive com cenas de ação impecáveis. Sem contar, claro, que a animação ganhou em qualidade. Maravilhoso.
Nota: 8.5

Um Homem Sério (A Serious Man) – EUA/Inglaterra/França, 2010
De Joel e Ethan Coen. Com Michael Stuhlbarg, Richard Kind, Fred Melamed e Sari Lennick.
Novamente, os Coen demonstram originalidade e visão diferenciada, mas a história do homem questionando a existência e em busca de respostas jamais parece se completar. Por outro lado, talvez seja exatamente esta a mensagem. Não deixa de ser decepcionante.
Nota: 5.0

Cartas Para Julieta (Letters to Juliet) – EUA, 2010
De Gary Winick. Com Amanda Seyfried, Vanessa Redgrave, Gael García Bernal e Franco Nero.
É inofensivo, levemente charmoso e conta com as boas presenças de Seyfried e Redgrave. Ainda assim, difícil deixar de lado o fato de ser totalmente previsível e artificial, com os personagens agindo de maneira mecânica.
Nota: 5.5

Toy Story 3 – EUA, 2010
De Lee Unkrich. Com as vozes de Tom Hanks, Tim Allen, Joan Cusack, Ned Beatty, Don Rickles e Michael Keaton.
O roteiro consegue falar tanto com adultos que já viveram a passagem do tempo quanto com as crianças. Excelentes pequenas ideias e uma longa sequência de fuga executada impecavelmente. Terno, sensível, emocionante. O melhor da trilogia - talvez, o melhor do ano.
Nota: 9.0

O Grande Desafio (The Great Debaters) – EUA, 2007
De Denzel Washington. Com Denzel Washington, Nate Parker, Jurnee Smollet e Forest Whitaker.
Vez ou outra, o roteiro resvala em certa simplicidade (negros são bons e brancos são malvados), mas a história é inspiradora e Washington se sai bem ao fazer o público acreditar na importância do que os alunos estão fazendo. A cena do linchamento é bastante forte.
Nota: 7.0

O Lobisomem (The Wolfman) – EUA/Inglaterra, 2010
De Joe Johnston. Com Benicio Del Toro, Emily Blunt, Anthony Hopkins e Hugo Weaving.
Se até a maquiagem, em pleno 2010, é duvidosa, o que esperar do resto? Infelizmente, história sem lógica, personagens insossos, efeitos especiais amadores e cenas de ação de dar sono. Para piorar, Del Toro e Blunt estão em seus piores momentos.
Nota: 4.0

Thursday, July 08, 2010

Do que são feitos os sonhos.

Porra.

Não era isso o que eu esperava quando larguei meu emprego de contador para virar um detetive particular. Já são três e quarenta e cinco da tarde e passei o dia inteiro jogando Paciência no computador do meu escritório.

Sim, meu. Está lá na porta, marcado com decalques no vidro:

Marcus Monty -
Investigador Particular

A pergunta é: desde quando detetive particular virou sinônimo de paparazzi?

Porra.

Quatro dias já no escritório e apenas dois possíveis clientes. Os dois queriam que eu descobrisse se o cônjuge estava traindo ou não.

Fodam-se.

Não era isso o que eu esperava. Não era mesmo.

Larguei a vida dos números para investigar casos importantes. Queria desaparecimentos misteriosos, queria assassinatos inconclusos, queria femmes fatales dando golpes mortais em seus maridos para ficar com a grana do seguro.

Não vou ficar tirando fotos de um marido ou de uma esposa fodendo outras pessoas. Não mesmo.

Garanto que Sam Spade e Phillip Marlowe nunca passaram por isso.

Fiz bem em chutar estes dois cornos para fora do escritório. Eles que procurassem um palhaço, um fotógrafo, um sei lá o quê, mas não um detetive particular.

Para me acalmar, acendo um cigarro e dou uma bela tragada. Tusso quatro vezes e o jogo no chão. Ainda não me acostumei.

Também, fumo há apenas quatro dias. Odeio cigarro, na verdade, mas um investigador como eu não pode se considerar investigador sem fumar. Faz parte do papel.

Toca o telefone. Já estragado, mesmo com este pouco tempo de uso. Consigo falar somente por viva-voz. Aperto o botão.

- Sr. Monty, tem uma moça aqui na recepção querendo falar com o senhor.

Era a voz da minha secretária. Lindo timbre, corpo gordo, rosto grotesco. Quase vomitei na primeira vez que a vi. Fiquei com pena e contratei.

- Quem é, dona Fátima?

- Ela não quer me dizer o nome, mas afirma que precisa falar com você.

- Aguarde alguns minutos, por favor.

Desligo o telefone. Não tenho ideia de quem possa ser, mas preciso desarrumar o escritório. A maldita secretária ainda arruma tudo quando chega. Idiota. Não entende que o escritório de um detetive como eu deve ser bagunçado.

Espalho papéis pela mesa, jogo revistas no chão e derrubo cinzas de cigarro na cadeira para o cliente. Respiro fundo e aperto o botão do viva-voz.

- Dona Fátima, deixe-a entrar.

Instantes depois, a porta se abre. O que entra por ela tira meu fôlego.

Não é a mulher dos meus sonhos mais lascivos. Não.

É a mulher dos meus sonhos profissionais.

Um vestido branco justo espreme as curvas capazes de fazer um campeão de automobilismo derrapar. O salto alto preto dá o toque de elegância, como se ela precisasse disso. O cabelo não é loiro, mas um amarelo falso, de farmácia. Brilhante e deslumbrante. E um rosto que me faz começar a crer em hipnose.

- Muito prazer. Sou Marcus Monty – afirmo, apertando a sua mão quente e delicada.

- Carmela Luz – ela fala.

Carmela Luz. Loira. Bem vestida. Sensual.

Senti no meu âmago que o negócio era sério. Finalmente chegava às minhas mãos o caso que eu esperava para dar partida à minha carreira de investigador.

É a femme fatale que eu procurava.

- Sente-se – digo.

Sentamos os dois, eu atrás da mesa e ela na cadeira. Instantes em silêncio.

- Aceita um cigarro? – ofereço.

- Claro.

Acendo o dela e depois um para mim. Começo a tossir na primeira tragada.

- Tudo bem? – ela me pergunta.

- Sim, sem problema – consigo falar, ainda sem parar de tossir.

Levo um tempo para voltar ao normal. Ela apenas observa.

- Em que posso ajudá-la, sra. Luz?

Ela sopra a fumaça do cigarro.

- Preciso da ajuda de um detetive particular.

- Imaginei isso.

De um açougueiro não seria.

- O senhor sabe quem eu sou?

- Não – respondo, sinceramente.

- Meu marido é o dono da Galecki. Conhece essa empresa?

Conheço.

- Conheço. É a maior empresa de aço do estado.

- Exatamente. Preciso que o senhor encontre o meu marido.

Mal consegui esconder a minha excitação. É o caso que eu procurava. O desaparecimento de um milionário. Sua esposa loira e deslumbrante.

Perfeito.

Dou mais uma tragada no cigarro. Tusso por sete segundos.

- O senhor tem certeza de que quer fumar?

Apenas faço um sinal com a mão, dizendo que está tudo bem.

Quando começo a falar, toca o telefone.

- Desculpe-me – falo à mulher à minha frente. Depois, ao aparelho: - Sim, sra. Fátima?

- Sr. Monteiro, é a sua esposa na linha.

- Diga para ela que eu...

Tarde demais. A idiota já passou a ligação.

- Marquinhos? – reconheço a voz da minha esposa.

Decido explicar a situação à moça sentada.

- O telefone está estragado. Só consigo falar pelo viva-voz. Desculpe, vai durar não mais que um minuto.

Ela apenas concorda com a cabeça.

- Sim, Rosane – falo ao telefone.

- Marquinhos, que horas você vem pra casa?

- Não sei, Rosane. E meu nome é Marcus. Marcus Monty.

- Não é nada. É Marcos Monteiro.

Tento disfarçar a vergonha na frente de Carmela Luz.

- Aqui, no meu escritório, sou Marcus Monty.

- Tá, tá, tudo bem. Preciso que você compre leite quando vier para casa.

Olho de relance para a loira deslumbrante na minha sala. Embaraço total.

- Foi por isso que me ligou, Rosane? Estou no meio do trabalho.

- Não esqueça.

Desliga. A minha cliente, a mulher que me colocaria no rol dos grandes detetives, ouvira toda a conversa.

Garanto que Sam Spade e Phillip Marlowe nunca passaram por isso.

- Desculpe – falo. – Ela não conhece limites.

- Sem problema. Posso continuar?

- Claro.

Dou outra tragada no cigarro. Mais tosse.

- Então, como ia dizendo, meu marido desapareceu.

Continuo tossindo. Ela parece hesitante em prosseguir, mas não para.

- Há dois dias, cheguei em casa e não o encontrei.

Tosse.

- Achei que ele devia ter ficado até mais tarde no trabalho e não me preocupei.

Mais tosse.

- Fui dormir. Porém, no outro dia de manhã, quando acordei, vi que ele não havia ido para casa.

A tosse continua, mas agora começo a ficar tonto.

- Sr. Monty? O senhor está bem? – ela pergunta, interrompendo sua narrativa.

Agora tusso incessantemente, até perder o equilíbrio e começar a ver pequenos pontinhos pretos.

Apago.

Acordo ainda no escritório, com enfermeiros à minha volta. Deitado em uma maca.

- Não se preocupe, sr. Monteiro – diz um deles. - Foi só um susto.

- Monty – falo.

- Como?

- Aqui no escritório, sou Marcus Monty.

- Sim, senhor.

Arrastam a maca para a salinha da entrada, onde fica a secretária.

A gorda Fátima está em pé ao lado de Carmela Luz, minha femme fatale.

Um contraste e tanto.

A loira me olha com pena. Vejo em sua expressão que perdi minha chance.

Por que inventei de fumar?

Sou levado embora.

Porra.

Garanto que Sam Spade e Phillip Marlowe nunca passaram por isso.