Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

Name:
Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Monday, June 29, 2009

O curioso caso de Michael Jackson.

Um homem que nasce maduro e morre jovem. Essa é a história de um dos filmes mais bem recebidos do último ano, O Curioso Caso de Benjamin Button. Todo mundo deve ter ouvido falar. Na produção, cuja ideia surgiu primeiramente no cérebro de F. Scott Fitzgerald, Brad Pitt interpretava o protagonista, um homem que, devido a alguma fantástica anomalia, chegava ao mundo com a aparência de velho e ia rejuvenescendo à medida que os anos passavam.

“Fantástica anomalia”, escrevi. "Um conto de ficção, longe de qualquer realismo", todos podem pensar. Talvez nem tanto. Talvez não precisemos ir muito longe para encontrar um caso semelhante na vida real. Basta pegar um jornal. Estarão estampadas na do periódico notícias e homenagens sobre a morte do Benjamin Button de nosso mundo: Michael Joseph Jackson, o Rei do Pop.

Rótulos da imprensa à parte, Michael Jackson foi grande. Imenso. Poucos em toda a história da música tiveram tanta influência. Dançarino, cantor, compositor, coreógrafo, produtor, showman. Um talento completo. Quando no auge, ninguém chegou perto. Na última semana, com sua trágica morte, ganhou um ingresso para o Olimpo. Para o verdadeiro panteão. Sentará ao lado de Elvis, John Lennon e outros em uma mesa com pouquíssimos lugares.

Confesso que nunca fui muito fã de Jacko. Simplesmente não era meu estilo de música. Mas reconheço sua importância no mundo musical e admiro muita coisa que fez. Michael Jackson era um verdadeiro artista, uma mente inovadora e extremamente original. Quebrou barreiras. Ousou ousar. Ao invés de seguir os outros, trilhou seu próprio caminho. Foi único. Tal qual o seu passo mais famoso, teimou em ir na direção contrária ao que era feito.

Infelizmente, sua vida fez o mesmo. Começou pelo fim e terminou no início. Michael Jackson era uma estrela antes dos dez anos. Nasceu gênio. Nasceu adulto, tendo que encarar as pressões de uma carreira. Não brincou. Não teve amigos. Seu brinquedo era um microfone. Seus amigos, apenas colegas de profissão. Não corria por correr. Corria para não se atrasar para um show. Não se machucava brincando na rua. Machucava-se pela mão do pai durante os ensaios. Foi gente grande quando ainda era pequeno.

E o relógio de sua vida continuou girando no sentido inverso. Ao longo dos anos, foi se infantilizando. Perdeu o vigor, a exuberância, a beleza. Perdeu a si próprio. A infância adulta cobrou seu preço. Na última década, Michael Jackson era um ser frágil, delicado. Cirurgias, doenças ou sabe-se lá o quê acabaram com seu corpo. A mente, enquanto isso, buscava o tempo perdido. Transformou-se na mente de uma criança. Queria brincar. Queria ter um zoológico. Queria ser Peter Pan. Virou criança quando não mais poderia ser.

Com a morte, Michael Jackson deixa de ser a figura excêntrica como era visto nos últimos tempos. A sua partida o transforma em mito. Nada mais justo. Será lembrado pelo que produziu. Pelo que criou. Saem os problemas, fica a arte. Evaporam-se as perturbações, eleva-se o talento. O talento de um verdadeiro artista. O talento de um homem que viveu a vida ao contrário. O Benjamin Button longe da ficção.

Ou, simplesmente, Michael Jackson: o homem que nasceu adulto, morreu criança e, nesse meio tempo, conseguiu ser o maior.

Thursday, June 25, 2009

Adeus, Cruzeiro

O Grêmio está na final da Libertadores da América. Não tenho dúvidas disso. Se alguém tem, não é um gremista de verdade. Confesso que o terceiro gol do Cruzeiro fez com que eu pensasse que tudo estava perdido. No entanto, a falta brilhantemente cobrada por Souza não somente colocou o Tricolor de volta à disputa, como me deu a certeza de que estamos classificados. O Grêmio, vocês verão, está na final Libertadores da América mais uma vez.

Por que eu sei disso? Sei porque o jogo do dia 02 de julho vai exatamente como a gente gosta. Exatamente. Sem pôr ou tirar. Vai ser uma partida difícil, sofrida, dura, emocionante. Mas vai ser no Olímpico e vai ser com o Grêmio já sabendo o resultado necessário. Vai ser da forma Grêmio joga melhor. Da forma que o Grêmio prefere e está acostumado a jogar. Alguém por aí já esqueceu que há exatos dois anos eliminamos por dois a zero os “infinitamente superiores” São Paulo e Santos, além do Defensor?

Mas claro que essa vitória e a fantástica classificação não virão somente com a minha confiança e minhas palavras. É preciso que vocês todos acreditem. Que os jogadores acreditem. E que acreditem em mim quando digo: é muito mais fácil do que parece. O Cruzeiro é um time bom, com jogadores que podem fazer a diferença. Mas, diante de um Grêmio motivado, ao lado da torcida e sabendo o que precisa fazer para chegar à final, eles não terão a menor chance.

Aos pessimistas, digo ainda mais: o Grêmio poderia ter feito o dois a zero necessário ontem mesmo no Mineirão. Se uma daquelas três chances claras do início tivesse entrado, a história seria outra. Tudo bem, é “se”. Mas serve para mostrar como o placar aqui não somente é possível, como vai acontecer. Essa macumba que impede os gols do Grêmio não vai durar para sempre. Um dia ela vai acabar. E esse dia será a próxima quinta-feira. Não há feitiço, macumba ou adversário que resista ao Olímpico rugindo e vibrando de paixão.

O grande erro do Cruzeiro foi simplesmente ganhar do Grêmio. Eles teriam mais chances de passar de fase se tivessem empatado o jogo lá. Se fosse assim, a partida da volta seria apenas mais uma. De jeito que foi, será uma verdadeira guerra. Será uma batalha campal, onde os onze tricolores dentro de campo e os cinquenta mil ao redor atropelarão os pobres e indefesos mineiros. Do jeito que foi, o Grêmio entrará em campo motivado e para sair classificado.

Os cruzeirenses não sabem o que fizeram. Ao vencerem, acordaram um gigante. Um gigante que demonstra força monumental quando preciso. Acordaram o Grêmio. O jogo de ontem acendeu nos gremistas a chama que faltava para convocar, mais uma vez, a imortalidade. Reavivou no peito de cada alma tricolor o espírito fundamental para a conquista dessa Libertadores. Despertou o sentimento de vontade e superação que molda os verdadeiros campeões.

Aos cruzeirenses que leem, sinto dizer: fizeram uma bela campanha. Mas a jornada de vocês acaba aqui, em Porto Alegre, quinta-feira que vem. Boa sorte na próxima.

Monday, June 22, 2009

Hay que twittar.

Juro que até agora não tinha entendido direito o propósito desse tal de Twitter. Sei que é a maior febre da internet, que todas as celebridades estão aderindo e que é um negócio onde não se pode escrever mais do que 140 caracteres a cada vez. Mas nunca soube para o que serve. Não compreendia a razão de colocar na internet o que se está fazendo a cada novo instante.

No entanto, hoje o Twitter é algo muito mais forte do que um instrumento para alguns pensamentos fúteis de gente sem nada na cabeça. Para o receio dos críticos dos avanços do mundo virtual, essa rede (ou sei lá como se chama) que hoje já atinge milhões é uma das principais ferramentas para o grupo que tenta promover uma revolução no Irã, após a suposta fraude na reeleição de Ahmadinejad.

O governo do atual presidente bloqueou todas as comunicações realizadas através dos computadores, em uma tentativa de reprimir a dimensão da revolta ocorrida no país. Ahmadinejad e sua galera, porém, esqueceram o Twitter. Desde que as manifestações tiveram início e surgiram os boatos da fraude, essa ferramenta tem sido o maior canal pelo qual a juventude do país conta ao mundo o que está acontecendo no Irã.

Essa é uma revolução que não deve ser menosprezada. E não estou falando da revolução política que um grupo tenta impor nesta nação oriental. Falo da revolução que está dando imenso poder a essa rede chamada internet, através de seu filho Twitter. Hoje, no Irã, o Twitter está substituindo rifles e espingardas como a grande arma para a comoção e para a luta. A revolução que acontece por lá está sendo causada não somente com tiros e balas, mas com celulares e mouses.

É natural que a geração mais jovem conteste o que é realizado por aqueles que detêm o poder. Porém, agora , as ferramentas usadas pelos “rebeldes” são novas e, em boa parte, incompreendidas pelos "inimigos". Talvez esta seja a primeira vez que a juventude possui maior domínio sobre as armas que podem fazer a diferença. A flama revolucionária hoje começa à frente de um monitor e com um mouse na mão.

Che Guevara certamente teria muito a dizer sobre isso. Difícil seria fazê-lo em menos de 140 caracteres.

Friday, June 12, 2009

O EXTERMINADOR DO FUTURO: A SALVAÇÃO



O EXTERMINADOR DO FUTURO: A SALVAÇÃO (TERMINATOR: SALVATION)
De McG. Com Christian Bale, Sam Worthington, Bryce Dallas Howard, Moon Bloodgood, Anton Yelchin, Helena Bonhan Carter e Michael Ironside.


James Cameron provavelmente não fazia ideia do que estava criando quando realizou O Exterminador do Futuro, em 1984. Mais do que um ótimo filme de ação, aquela produção estabeleceu os alicerces de uma história riquíssima de possibilidades, sobre uma futura guerra entre os homens e as máquinas. O próprio Cameron soube explorar isso de forma brilhante na sequência, considerada por muitos ainda melhor que o original. No entanto, a mitologia da série demonstrou sinais de desgaste em 2003, em um filme com algumas ideias interessantes, mas que se limitava a reeditar a fórmula de seus predecessores.

Por isso, foi com certo receio que os fãs da franquia receberam a notícia de que um novo exemplar seria produzido. Esse medo somente aumentou com confirmação de que o diretor seria ninguém menos que McG, responsável pelas bobagens que são os dois filmes de As Panteras. No entanto, para a surpresa da imensa maioria, o resultado final é bom: O Exterminador do Futuro: Salvação é um filme muito melhor que o esperado. Apesar de possuir alguns problemas, a obra atinge o objetivo de divertir durante duas horas e, talvez ainda mais importante, respeita a mitologia da série sem repetir a estrutura das produções anteriores.

Escrito por John D. Brancatto e Michael Ferris, O Exterminador do Futuro: A Salvação se passa em 2018, em um mundo desolado após o Julgamento Final visto no filme anterior. Os humanos vivem escondidos, combatendo as máquinas através da organização chamada A Resistência. John Connor, agora adulto, é um dos líderes dos humanos, que descobrem uma forma de derrotar os inimigos e vencer a guerra. Enquanto isso, Connor conta com a ajuda do misterioso Marcus Wright para proteger um ainda jovem Kyle Reese, o mesmo que voltará no tempo para salvar a sua mãe, como visto no primeiro filme.

A Salvação é o filme que A Rebelião das Máquinas deveria ter sido, por um simples motivo: a produção realmente apresenta algo novo. Desde o longa que deu início à série, as tramas se limitavam a dois seres do futuro duelando na “atualidade”, um com o objetivo de proteger e outro com o de destruir os protagonistas. Dessa vez, a história leva o público a um tempo e lugar antes vistos apenas de relance: o de um futuro negro marcado pela guerra entre os humanos e as máquinas. Assim, o filme ganha em grandiosidade, tornando-se uma jornada muito mais épica do que as anteriores, ainda que acabe sofrendo por isso ao deixar de lado o desenvolvimento dos personagens.

No entanto, é impossível não se admirar com o cenário pós-apocalíptico criado por McG e toda a sua equipe. Utilizando uma paleta de cores dessaturada, quase em preto e branco, e locações amplas e estéreis em meio a ruínas de grandes cidades, O Exterminador do Futuro: A Salvação apresenta um mundo desprovido de qualquer esperança, no qual os humanos buscam apenas sobreviver ao próximo dia. A direção de arte e a fotografia são esplendorosas, entregando o planeta devastado e dominado pelas máquinas que o público vinha esperando e imaginando há 25 anos.

Ainda nesse sentido, é interessante ver o roteiro apresentar uma estrutura muito mais completa da dominação da Skynet, fugindo às limitações da ameaça dos esqueletos de metal. Circulam pela tela robôs dos mais variados tamanhos e formas, desde gigantes que lembram os Transformers, passando por naves com o único objetivo de matar e chegando até os hidropods, máquinas que parecem cobras escondidas dentro da água. Ao expandir o universo da franquia dessa forma, o roteiro escapa das amarras da fórmula original, aproximando-se mais da proposta de um filme de guerra do que uma mera produção com um vilão e um mocinho.

O roteiro de Francatto e Ferris acerta ainda ao não esquecer dos filmes anteriores e buscar conexões com aquilo que havia sido apresentado até então. Dessa forma, detalhes como a gravidez de Kate, a linha de montagem dos T-800 e a importância de Kyle Reese para a trama ajudam a compor o arco de toda a história da franquia, em uma demonstração de respeito à mitologia criada por James Cameron. Além disso, não deixa de ser divertido ver homenagens aos primeiros filmes, seja nos diálogos (“Venha comigo se quiser viver” e “Eu voltarei”), na trilha sonora (a utilização de um trecho de You Could Be Mine, do Guns N’ Roses) e, claro, a apoteótica “ponta” de um personagem muito conhecido da série.

Mas, se acerta em diversos pontos, o roteiro também peca em outros. Há momentos que certamente poderiam ter sido melhor trabalhados, pois apelam a clichês e soluções sem sentido que chegam a incomodar o espectador. É o caso, por exemplo, da cena na qual Reese dirige um carro como se fosse um piloto profissional, inclusive dando cavalinhos de pau, antes de dizer que jamais havia dirigido antes. O mesmo vale para a inexplicável lacuna de tempo pela qual passa Marcus Wright: por onde ele andou por quinze anos? Por que surgiu somente àquela hora? Mas o que realmente causa indignação é o fato de a Skynet não eliminar Reese após capturá-lo, mesmo com personagem sendo o alvo número um das máquinas. Parece que Reese é mantido como prisioneiro com o único objetivo de dar tempo para Connor salvá-lo, o que chega a ser insultante ao espectador.

Ao mesmo tempo, O Exterminador do Futuro: A Salvação não busca um maior desenvolvimento dos personagens ou da relação entre eles, empalidecendo a dinâmica que deu tão certo nos filmes iniciais. Dessa vez, o roteiro se limita a apenas construir alguns diálogos para situar a história entre as cenas de ação, servindo como mera desculpa para o surgimento delas. Por outro lado, estas sequências são surpreendentemente bem filmadas por McG, talvez as melhores do gênero neste ano. O diretor foge do excesso de cortes que impede a compreensão da cena ao apostar em planos longos e magnificamente bem coreografados, demonstrando insuspeitada técnica e trazendo urgência e realismo às cenas – como a brilhante sequência da queda do helicóptero no início ou a fuga de Marcus e Reese do posto de gasolina.

Infelizmente, a pouca preocupação com os personagens acaba limitando o trabalho dos atores, e não deixa de ser curioso ver um intérprete como Christian Bale, normalmente propenso a papéis instigadores, interpretar um personagem unidimensional. Ainda que confira a John Connor a mesma energia que é comum ao seu trabalho, Bale não consegue fazer do protagonista a figura complexa das produções anteriores. O mesmo vale para o restante do elenco, como Bryce Dallas Howard no papel da esposa de Connor, Anton Yelchin como Kyle Reese e Moon Bloodgood interpretando a piloto Blair Williams, todos prejudicados pela construção do roteiro.

O único ator que consegue construir um personagem mais interessante é Sam Worthington. Seu Marcus Wright possui uma natureza trágica, em conflito com seu lado humano e seu lado máquina. Ainda que essa questão pudesse ter sido melhor desenvolvida, Worthington é hábil para tirar o máximo possível dela, além de demonstrar carisma e presença nas cenas de ação. Na verdade, é uma pena que o roteiro não se atenha mais na reflexão sobre as diferenças fundamentais entre homens e máquinas, optando por dar mais valor aos efeitos especiais e perdendo a chance de acrescentar inteligência e profundidade a um filme comercial.

Mesmo com seus problemas, O Exterminador do Futuro: A Salvação cumpre bem o seu papel. Não vai se tornar um clássico e nem será cultuado como os dois primeiros exemplares, mas é um bom filme de ação e, ao menos, traz algo novo ao universo da série. Até aqui, ao lado de Star Trek, é a melhor pedida das superproduções do verão norte-americano.

Nota: 7.0

Monday, June 08, 2009

A MULHER INVISÍVEL


A MULHER INVISÍVEL
De Cláudio Torres. Com Selton Mello, Luana Piovani, Vladimir Brichta, Maria Manoella, Fernanda Torres, Paulo Betti, Lúcio Mauro e Marcelo Adnet.


Há pouco tempo, o diretor e roteirista Cláudio Torres confessou em entrevista que um dos erros cometidos em Redentor, seu trabalho de estreia, foi exatamente a ânsia de querer fazer vários filmes em um só. De fato, Redentor mesclava diversos gêneros e ideias em uma produção claramente ambiciosa, mas com resultado bastante irregular. Ainda assim, era possível perceber que Torres era um diretor com certa ousadia e originalidade, capaz de realizar filmes interessantes quando obtivesse alguma experiência.

Assim, não deixa de ser decepcionante que este A Mulher Invisível seja uma obra tão convencional e repetitiva, além de claramente se inspirar (leia-se, copiar) em outras produções com temática semelhante. O roteiro do próprio Torres conta a história de Pedro, um controlador de trânsito que, após a mulher pedir o divórcio, entra em profunda depressão. Um dia bate à sua porta a vizinha Amanda, uma loira escultural que não demora a se apaixonar por ele. Os dois começam uma relação, até Pedro descobrir um pequeno problema: Amanda não existe.

Em seus primeiros trinta minutos, A Mulher Invisível sofre do mesmo mal de boa parte da produção cinematográfica brasileira: o artificialismo das situações e das atuações. Os diálogos demoram a soar naturais e, por consequência, o filme leva algum tempo para realmente convencer o espectador de que os personagens realmente estão passando por aquilo. Para piorar, grande parte das piadas desse primeiro ato realmente não funcionam, como a montagem com as mulheres que Pedro leva para a cama e as brincadeiras com o fato de Amanda não ser real (“Eu só existo com você!”).

Felizmente, o filme se torna mais interessante quando o casal sai do apartamento e começa a interagir com as pessoas. São nesses momentos que A Mulher Invisível consegue arrancar algumas boas risadas, quando outros vêem o protagonista agindo sozinho como se fosse maluco. Estas cenas são o grande destaque e o que realmente faz da produção algo passível de se assistir. Ainda assim, Torres exagera na quantidade delas, e A Mulher Invisível acaba limitando seu alcance às gags visuais decorrentes de tal situação do que a uma maior inteligência ou ironia do roteiro.

Nesse sentido, é difícil não mencionar os méritos de Selton Mello, que se sai particularmente bem na comédia física – com ecos claros de Steve Martin em Um Espírito Baixou em Mim. Talentoso, Mello não está em seus melhores momentos no restante do filme (fica sempre a dúvida sobre se o personagem está se divertindo ou sofrendo com a situação), mas o ator realmente se destaca nas cenas em que deve agir sozinho como se estivesse com Amanda, demonstrando mais uma vez o ótimo timing cômico que fez sucesso em O Auto da Compadecida.

Por outro lado, Luana Piovani nada tem a fazer além de parecer bonita, no que é muito bem-sucedida. Torres, aliás, parece completamente enamorado da atriz, pois em todas as cenas com ela os planos são criados de forma a explorar seu corpo escultural – como aquela na qual o casal discute em frente à televisão com a câmera ao nível do chão, dando destaque às longas pernas de Piovani. Na realidade, o ponto alto do elenco é, como sempre, Fernanda Torres, que mais uma vez comprova ser a melhor atriz de comédia do Brasil ao entregar com perfeição absoluta todas as suas falas.

Porém, ainda que consiga gerar algumas risadas, A Mulher Invisível falha em termos narrativos. A história e os personagens jamais são desenvolvidos de maneira satisfatória, tornando-se meros instrumentos para as cenas físicas. Os romances, por exemplo, não convencem, com os personagens se apaixonando de maneira rápida e abrupta. Torres ainda erra a mão em diversos momentos, como quando, após Pedro descobrir que Amanda não existe, utiliza uma montagem com o personagem se dando conta de que fazia tudo sozinho. Essa cena teria algum impacto se a plateia não soubesse da condição do protagonista (vide Clube da Luta), mas acaba perdendo todo o impacto por isso não ser um segredo.

Outro exemplo de derrapada de Torres na construção de sua história diz respeito ao fato de como Pedro vê Amanda. Em certos momentos, parece que ele apenas a enxerga, falando com alguém que não existe. No entanto, em uma cena dentro de casa, o personagem parece incorporá-la, pois pergunta e responde pelos dois. É uma incoerência do roteiro que demonstra, mais uma vez, como o grande objetivo do filme não é contar uma história, mas simplesmente fazer algumas piadas. Aliás, isso fica bem claro quando se percebe que Torres não sabe como encerrar sua obra, estendendo-se demais em diversos finais – ainda que a ideia de Pedro pensar ver outra mulher seja interessante, porém mal aproveitada.

Para uma comédia, A Mulher Invisível não chega a ser um desastre, pois oferece momentos divertidos e algumas boas risadas. Não muitas, é verdade, mas o suficiente para fazer o filme cair no gosto do público. Em contrapartida, é uma obra com diversos problemas narrativos, que falha em construir uma história ou personagens interessantes. Ainda não foi dessa vez que Cláudio Torres acertou.

Nota: 5.5

Wednesday, June 03, 2009

A esposa de Marco.

Conheci o Marco quando ainda éramos crianças com ranho escorrendo pelas narinas. Estudando no mesmo colégio e morando perto um do outro, logo nos tornamos grandes amigos. Inseparáveis, até. Daqueles que tocavam junto a campainha das casas da rua e saíam correndo. Hoje, com as rugas dos quarenta à vista, lembro com ternura das histórias que vivemos, inclusive nossas primeiras descobertas em relação às mulheres.

Fato é que o Marco sempre teve um problema com as mulheres. Ou melhor, as mulheres sempre tiveram um problema com o Marco. E esse problema era simples: Marco era feio. Totalmente desprovido de qualquer sinal de beleza. Parecia uma obra de Picasso. Olhar por mais de cinco segundos para o rosto dele era um sacrifício. Até eu, seu melhor amigo na época, evitava encará-lo diretamente com medo de ser transformado em algum animal estrnho.

Descobri que esse receio não diminuiu com o passar dos anos. Encontrei Marco em um bar perto do meu escritório, quando parei para tomar uma ou dezesseis cervejas. Fazia muito tempo que não o via. Marco estava no balcão, conversando animadamente com um outro homem que devia ser seu colega de trabalho. Meu amigo sempre foi divertido e simpático, talvez por obrigação, talvez por uma tentativa de compensar sua falta de valores estéticos.

Chamei-o e nos cumprimentamos entusiasticamente. Tinha esquecido o quanto seu rosto era desproporcional. Passado o choque inicial, começamos a conversar como os grandes amigos que fomos, tentando recuperar o tempo perdido. Claro que, ocasionalmente, eu ficava encarando o rosto de Marco e tentando compreender por que Deus tinha sido tão vingativo com ele. Na verdade, foi em um desses devaneios que Marco largou as palavras que me deixaram pasmo:

- Pois é, casei com a Cláudia Toledo – ele disse.

Não pude acreditar.

- Cláudia Toledo? – indaguei espantado.

- Sim, lembra dela?

- Cláudia Peitões? Você casou com a Cláudia Peitões?

- Exatamente – gabou-se. – A garota mais gostosa do colégio.

A Cláudia era exatamente isso: a garota mais gostosa do colégio. Aquela que todos sonhavam em pegar, mas inalcançável para meros adolescentes comuns como eu e o Marco. Ou melhor, eu era comum. O Marco era uma aberração. Já a Cláudia era linda, loira, alta, com seios absurdamente fartos para uma adolescente. Cláudia Peitões. A Cláudia embalava sonhos e noites de solitária puberdade da metade masculina do colégio. Mas ninguém conseguia chegar perto. Ela estava em outro nível. Acho que nunca se envolveu com qualquer dos colegas. Não se interessava por meros rapazes com a libido fervendo. A Cláudia podia e queria mais.

Por isso o meu assombro. Jamais uma garota, agora uma mulher, como a Cláudia olharia para o Marco. Se o fizesse, seria unicamente para rir da cara dele. Seria para economizar dinheiro do museu e ver uma obra do cubismo à sua frente. Marco, mesmo após longos anos, continuava feio. Se possível, até mais do que antigamente. O que a Cláudia fazia casada com ele era para mim um mistério ainda maior do que se existia vida fora da Terra.

- Como você conseguiu isso, Marco? A Cláudia Peitões! O sonho de todos os homens do colégio!

Ele deu uma risada, exibindo seus dentes tortos, e disse, cheio de si:

- Pois é. Aconteceu.

A informação era demais para mim. Não poderia continuar falando sobre isso por muito tempo sem me irritar. Como o Marco conseguiu casar com a Cláudia? Perguntei mais algumas vezes, mas ele desconversou. Não quis entrar em detalhes. Segundo ele, simplesmente aconteceu quando se encontraram, anos após o colégio.

Mudei de assunto. Falamos sobre diversos outros temas durante mais de uma hora. Depois, trocamos telefones e me despedi de Marco. O álcool já estava fazendo efeito e tinha até esquecido a história da Cláudia. Mas, logo quando eu estava saindo do bar, Marco gritou:

- Eu digo pra Cláudia que você mandou um beijo!

Aquilo me tomou pelas entranhas e não largou mais. À noite, quando me olhei no espelho do banheiro, tive certeza de que não era o homem mais bonito do mundo, mas também não era um Marco. Eu passava por ser humano, ele tinha dificuldades até pra isso. Então como havia conseguido a Cláudia? Dinheiro não era, já que em nossa conversa ele me disse que é apenas um funcionário de um escritório de contabilidade. Então, como? Como?

Sentia-me como se estivesse tentando unir duas peças erradas de um quebra-cabeça. A coisa simplesmente não encaixava. A formosura de Cláudia e a feiúra de Marco não poderiam ficar juntos de forma harmoniosa. Era impossível visualizar tal cena.

Sonhei com aquilo durante a noite. Sonhei com Marco e Cláudia aos beijos no meu sofá enquanto eu, ao lado, trocava canais pelo controle remoto. Acordei suado, como se tivesse experimentado um grande pesadelo. A chuva que caía forte e os relâmpagos estrondosos apenas aumentaram meu terror.

No dia seguinte, tomando banho para despertar, vi que precisava daquela resposta. E decidi que faria o que fosse possível para tê-la. Naquele mesmo instante, peguei o telefone e disquei o número que Marco havia me dado.

- Alô.

- Marco? Sou eu, Rogério. Beleza?

- Beleza, Rogério. Fala aí.

- Cara, curti muito nosso papo ontem. O que você acha de a gente marcar alguma coisa hoje?

- Opa! Tô dentro! Pode ser ali no bar de ontem mesmo.

- Certo – comentei. E larguei a minha pedra: - Convida a Cláudia também.

Minha tática era essa. Levar a Cláudia junto para tentar tirar alguma informação dela. Marco respondeu:

- Ela não vai poder, cara. Tem um encontro com as amigas todas as quintas-feiras.

Bola fora. Não seria dessa vez. Ainda assim, fui ao encontro com Marco. Bebemos mais algumas dezenas de chopps, falamos bobagens. Tentei, mais uma vez, trazer à tona o assunto Cláudia Peitões. Marco, porém, continuou não dando explicações.

Dois dias depois, liguei novamente para Marco. Convidei-o para um churrasco no meu apartamento, pedindo que ele chamasse Cláudia também.

- Eu vou, mas a Cláudia não pode. Ela tem aula hoje – respondeu.

- Num sábado à noite? – perguntei, já desconfiado.

- É... – Marco respondeu, hesitante. – É uma aula à distância que ela faz. De inglês. O curso fica na Austrália. Então, aqui é noite, mas lá é manhã.

Não insisti. Já desconfiava, mas comecei a ter a certeza de que havia algo estranho acontecendo. Sempre que convidava Cláudia para comparecer junto a Marco em algum evento, ele inventava uma desculpa para a ausência dela. E, para piorar, a cada novo convite, as desculpas ficavam ainda piores:

“Ela tem que tingir o pêlo do cachorro.”
“Ela vai ajudar uma amiga a carregar sacolas do supermercado.”
“Hoje é a noite na qual ela fica em casa ouvindo Elvis.”

Marco estava fazendo de tudo para que eu e Cláudia não nos reencontrássemos. Uma noite, em casa, enquanto tomava banho, pensava sobre qual seria o segredo. E cheguei à conclusão: Cláudia não existia. Ou melhor, claro que existia, mas não era esposa de Marco. Com certeza, ele inventou a história de ter casado com a garota mais gostosa do colégio para se gabar. Não imaginou que eu continuaria o convidando para sair. Somente assim tudo aquilo, desde a suposta união dos dois até as desculpas, faria sentido.

Satisfeito por ter solucionado o problema, naquela noite dormi como não dormia desde que havia voltado a ver Marco. Sem pesadelos, sem imagens bizarras de seus lábios tocando a pele perfeita de Cláudia. No dia seguinte, iria tirar a prova.

Acordei cedo e disposto, como se um grande acontecimento me aguardasse. Sentia como se tivesse tirado um imenso peso das costas e pudesse voltar a ser feliz. Tomei banho, fiz o número dois e saboreei o café com renovado prazer. Saí de casa respirando fundo o ar da manhã e entrei no carro com vontade de cantar.

Mas não fui para o trabalho. Fui direto para a casa de Marco. Era a hora de tirar aquilo a limpo.

Marco, junto com a suposta Cláudia, morava em uma rua bem tranquila da cidade, afastada de qualquer aglomeração. Estacionei bem na frente da casa e desci. Caminhei até a porta de entrada confiante, com um pequeno sorriso no rosto. Ainda sentia carinho por Marco, mas, naquele momento, nada me deixava mais feliz do que desmascarar essa farsa.

Toquei a campainha e aguardei. Fiquei girando de um lado para o outro, nervoso, enquanto a porta não era aberta. Ouvi passos de dentro da casa e me preparei. O trinco girou.

Quem apareceu foi uma senhora loira, com cabelos desgrenhados e aproximadamente uns cento e cinquenta quilos. A pele estava bastante machucada. Não era uma pessoa agradável de se ficar olhando. Provavelmente a empregada.

- Sim? – perguntou ela.

- Bom dia – respondi. – Estou procurando o Marco. Ele se encontra?

- Não, sinto muito. Ele saiu para o trabalho há uns dez minutos.

Ainda me restava uma pergunta a fazer.

- E a Cláudia? Ela se encontra?

A mulher me olhou de maneira desconfiada, como se tentando adivinhar quem eu era e por que estaria procurando os donos da casa. Suas grandes bochechas contraíram-se em dúvida.

- Quem a procura, posso saber?

- Meu nome é Rogério. Sou um grande amigo do Marco. Na verdade, fui colega da Cláudia também quando éramos adolescentes.

Os olhos dela se arregalaram. Seu gigantesco corpo deu um salto para trás. E gritou:

- Rogério! Rogério Davino!

Foi a minha vez de se surpreender. De onde ela saberia meu sobrenome? E por que ficou tão espantada ao ouvir quem eu era?

A mulher pulou em cima de mim. Envolveu-me em um abraço com seus braços gordos e quase me esmagou. Senti uma certa repulsa quando sua face lesionada encostou na minha.

- Há quanto tempo! – continuou ela, exultante. – Quem bom ver você!

Então, compreendi. Finalmente, tudo fez sentido. A grotesca mulher que havia aberto a porta não era a empregada. O amontoado de tecido adiposo que envolvia-me naquele momento era ninguém menos que Cláudia Peitões.

A garota mais gostosa do colégio.

Tentei disfarçar a minha expressão de nojo.

- Cláudia? É você?

Ela me soltou e ficou com o rosto a poucos centímetros do meu. Senti um nauseante cheiro de cigarro que quase me fez desmaiar. De perto, ela estava ainda mais tenebrosa. Os dentes amarelados, os olhos cheios de rugas, o rosto redondo e avermelhado. Não podia acreditar que era ela.

- Mas claro que sou eu! Não me reconhece? Rogério, você não mudou nada!

“Gostaria de dizer o mesmo”, pensei. Mas tive que fugir do assunto.

- E você... você... está gostando da temperatura do dia hoje?

Ela certamente estranhou meu comentário sem sentido, mas nada comentou. Pelo contrário, convidou-me para entrar. Deu alguns passos para dentro de casa, enquanto fiquei parado observando-a. Parecia uma imensa gelatina, com tudo balançando. Aquele monstrengo era Cláudia Peitões, um dia a garota mais gostosa do colégio. Hoje, continuava uma delícia. Isto é, para quem quisesse fazer um churrasco com aquelas fartas carnes.

Foi a minha vez de inventar uma desculpa.

- Sinto muito, Cláudia. Mas tenho que trabalhar. Só queria dizer ao Marco que vou viajar nos próximos dias e não poderemos marcar nada.

- Que pena, Rogério! – lamentou a gigantesca pessoa. – Mas que coisa boa ver você! Venha nos visitar qualquer dia desses.

- Venho, com certeza. Bom vê-la também, Cláudia. Até mais.

Enquanto me dirigia ao carro, sentia um misto de satisfação e terror. Estava feliz por ter solucionado o mistério. Marco não a apresentava porque Cláudia tinha virado um monstro. Tão ou mais feia que ele. Provavelmente, Marco se sentia bem com o fato de eu saber que ele havia se casado com a garota mais gostosa do colégio.

Por outro lado, meu estômago se revirava. Cheguei a ficar tonto antes de sentar atrás do volante, como se precisasse vomitar. Cláudia Toledo havia caído milhões de degraus na escala da beleza. Havia saído do posto de linda e gostosa para a condição de bizarrice e motivo de chacotas. De Cláudia Peitões para Cláudia Aberração. Simplesmente não podia acreditar.

Mais tarde, liguei para Marco.

- Está a fim de fazer alguma coisa? – perguntei.

- Claro, podemos combinar.

Antes mesmo que eu pudesse dizer alguma coisa, ele começou a inventar mais uma desculpa para Cláudia não comparecer.

- Mas a Cláudia tem que cantar para os anões cegos de...

- Marco, eu sei sobre a Cláudia – interrompi.

Ele ficou alguns instantes em silêncio.

- Como assim? – indagou, com a voz tomada por receio.

- Eu estive na sua casa.

Marco continuou sem nada dizer. Continuei:

- Sei que ela deixou de ser a garota mais gostosa do colégio há muito tempo.

O silêncio continuava do outro lado da linha. Desta vez, também não falei. Esperei para que Marco dissesse algo. E, após aproximadamente um minuto, ele se manifestou. Uma única frase. A última frase:

- Pelo menos, um dia ela foi.

E desligou.

Eu entendi. Para ele, aquilo bastava.