Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Thursday, March 30, 2006

Crash - Estranhos Prazeres


Antes de qualquer coisa, vou esclarecer: este Crash não tem nada a ver com o filme que acabou de ganhar o Oscar. Crash, o livro escrito por J. G. Ballard, já foi adaptado para o cinema, mas pelas mãos de David Cronenberg, em 1996. Não sei qual foi o resultado da obra cinematográfica, mas o livro é uma grande porcaria. Ballard utiliza o escudo de “escritor maldito” para tentar contar uma história pretensiosa, tediosa e, o pior de tudo, vazia. Se era para existir metáforas na trama das pessoas que se excitam com acidentes de carro, elas simplesmente passaram em branco por mim, perdidas em meio ao estilo sem graça e a repetição das cenas criadas por Ballard. A história de Crash não evoluiu e os personagens não têm o menor apelo junto ao leitor. Sabe-se que não é preciso gostar de um personagem para ser “levado” por ele na história – Ballard nem pede isso –, mas os tipos que desfilam em Crash permanecem nas análises superficiais, parecendo todos com as mesmas fobias e fetiches, em uma insuportável e interminável repetição. Na verdade, Ballard parece ter tentado, com Crash, alcançar aquilo que Chuck Palahniuk conseguiu em Clube da Luta: chocar o público em uma obra com contornos psico-sociais, mandando um recado pungente e reflexivo. Mas Crash está a anos-luz da obra-prima de Palahniuk. Em uma definição rápida, o livro de Ballard não passa de pornografia gratuita disfarçada de obra inovadora e transgressora. E, pornografia por pornografia, recomendo A Casa dos Budas Ditosos, de João Ubaldo Ribeiro. Este sim um livro com estilo, conteúdo e nem um pouco chato.

Wednesday, March 29, 2006

Novidades

Alguns já sabem, outros não e outros nem vão saber, mas a partir de hoje estou expandindo meus horizontes. É o seuinte: tem um site de cinema aí que eu costumava acompanhar com certa freqüência: Cineplayers (www.cineplayers.com). É um portal bem bacana pra quem curte Cinema, com diversas informações (críticas, novidades, perfis e outros), que tem crescido bastante nos últimos anos, estando até cadastrado no IMDB. Mandei uns textinhos meus pra eles darem uma olhada e, por alguma razão, eles gostaram um bocado e me convidaram pra escrever pra eles. Então, hoje foi publicada minha primeira crítica lá. É uma que eu já escrevi há algum tempo, sobre Jurassic Park, mas foi a que mandei pra eles. Aliás, essa é outra qualidade do site, têm críticas de todos os tipos de filmes, desde os blockbusters recentes aos clássicos e passando pelos alternativos e europeus. Dêem uma visitada lá, tem um link pra minha crítica logo na entrada. Lá vai ter uma fotinho com a minha cara nojenta e ainda tem uns dados meus. Era isso. Coloquem o Cineplayers entre os favoritos de vocês e prestigiem esse rapaz aqui.

Sunday, March 26, 2006

MATCH POINT - PONTO FINAL


MATCH POINT – PONTO FINAL (MATCH POINT) ****1/2
De Woody Allen. Com Jonathan Rhys Meyers, Scarlett Johansson, Emily Mortimer, Matthew Goode, Brian Cox e Penelope Wilton.


22/03/06 – Silvio Pilau

É sempre bom ver grandes diretores no auge da forma. Nos últimos dois anos, alguns dos mais consagrados cineastas norte-americanos realizaram trabalhos que, se não configuram-se como os melhores de suas carreiras, são inegáveis jóias do Cinema. Foi o caso de Steven Spielberg com Munique, Martin Scorsese com O Aviador e Woody Allen, com este filme maravilhoso chamado Match Point.

Escrito pelo próprio Allen, a história começa apresentando Chris Wilton, um ex-jogador de tênis que atua como professor do esporte em um clube. Certo dia, um de seus alunos, Tom, o convida para ir a uma ópera, onde Chris acaba conhecendo Chloe, irmã de Tom. Os dois iniciam um relacionamento muito bem aceito pelos pais e por toda a família da garota. Chris, no entanto, tem paixão pela noiva de Tom, Nola. Assim que os dois acabam o noivado, ambos iniciam um caso, que deixa Chris na dúvida sobre largar sua esposa e estabilidade para começar uma vida com Nola.

Match Point não é um típico filme de Woody Allen. As características do diretor estão presentes, mas a narrativa toma rumos surpreendentes, especialmente para quem sabe o que está acostumado a esperar do diretor. É uma mudança interessantíssima e extremamente satisfatória, que já deveria ter sido prevista pelo espectador pelo simples fato dele ter abandonado New York para filmar, pela primeira vez, em Londres.

Dividido em três atos claros, Match Point passa dois terços de seu tempo de projeção estabelecendo a personalidade e as relações entre os personagens para a impecável parte final. E, como é de se esperar em uma obra de Allen, a construção psicológica dos personagens é genial, sempre pontuada por diálogos inteligentes e sutis que realmente ajudam a compreender melhor as motivações de cada pessoa vista na tela.

Dois momentos entre Chris e Nola ilustram brilhantemente esse fato. O primeiro é logo quando eles se conhecem, em uma partida de pingue-pongue. A abordagem confiante e veloz de Chris é rebatida de forma magistral pelas palavras de Nola. O mesmo ocorre na conversa no bar, logo após ela ser rejeitada em um teste de atriz. O diálogo nessas duas cenas é exemplar, com ambos atuando, ao mesmo tempo, tanto na defensiva quanto no ataque.

É também nesse momento que pode ser percebida a complexidade dos personagens de Allen. Nola, por exemplo, mantém nos primeiros encontros com Chris uma aura de autoconfiança inabalável, que o espectador descobre não ser verdade com o passar do tempo. Extremamente insegura, ela parece não saber o que realmente quer, agarrando-se a Chris assim que começam o relacionamento extra-conjugal.

Ele, no entanto, é talvez o grande achado do filme de Allen. Seu caráter é construído pelo diretor de forma que o espectador jamais tenha claras certezas de suas intenções. Buscava apenas uma forma de se estabilizar na vida ou realmente amava Chloe, sua esposa? Amava Nola ou via nela apenas uma distração, como uma válvula de escape para a monotonia de seu casamento?

Essa dubiedade em relação ao personagem apenas acrescenta valor ao filme quando os acontecimentos do terceiro ato se desenrolam na tela. Neste momento, olha-se em retrospectiva tudo o que acontecera até então, criando mais uma dúvida: será que foi tão surpreendente assim o que aconteceu? Ou era de se esperar?

Jonathan Rhys Meyers parece estar ciente destas características, mantendo em Chris um aspecto soturno e misterioso. Uma interpretação contida e sutil, exatamente o que requisitava o seu personagem. Em contrapartida, Scarlett Johansson é um vulcão na tela, exalando sensualidade e exibindo seu já reconhecido talento na construção da instável e provocante Nola. Johansson é, provavelmente, o grande nome feminino do cinema atual, possuindo beleza e capacidade dramática, além de a câmera parecer amá-la. Tem tudo para figurar, no futuro, na lista das grandes divas da sétima arte.

Ainda que o filme tenha como objetivo central mostrar a influência da sorte em nossas vidas, pode-se discutir que o verdadeiro tema de Match Point seja a culpa. Todas as ações de Chris, o personagem principal, a partir de determinado momento, ou servem para aumentar sua angústia existencial ou são conseqüência do sentimento de culpa que o domina.

Sentimento, aliás, que é muito bem metaforizado por Allen nas constantes referências a Crime e Castigo, de Dostoievsky. As analogias entre Raskolnikov e Chris Wilton, além de realçar a complexidade do personagem, ainda demonstram a alta qualidade do roteiro ao construir um sagaz labirinto de pistas para o que irá acontecer no terceiro ato, algo que o espectador apenas percebe após o fato ocorrido (o mesmo pode ser dito sobre a opção de fazer da ópera outra presença constante no roteiro).

E a elegância do texto não pára por aí. Se nos dois primeiros terços de Match Point temos um filme com características claras de Woody Allen, embora ele deixe de lado sua impagável veia cômica, o terceiro ato da história é uma inovação completa na carreira do diretor. A partir deste momento, a obra, que já era um belíssimo estudo de personagens e dos relacionamentos humanos, adquire contornos de obra-prima, com reviravoltas surpreendentes e um suspense tenso capaz de fazer inveja a alguns dos grandes nomes do gênero.

Angustiante e moralmente complexo, Match Point é um filme que prima pela originalidade, escapando de clichês exatamente por circular habilmente entre diversos gêneros. Funciona como um tapa na cara daqueles que diziam que Woody Allen estava acabado e naqueles que acham que o diretor apenas repete o que faz. Um dos melhores filmes do ano.

Friday, March 24, 2006

Me and the Devil Blues


O jovem negro caminhava pela rua deserta com a cabeça baixa, dominado pelo receio do que estava prestes a acontecer. Ocasionalmente, erguia o olhar em direção ao céu, em busca da lua, como atrás de um alento para o seu nervosismo. “Será verdade?”, perguntava-se. Bom, logo iria descobrir.

Ainda que estivesse bem vestido para seus padrões, ninguém teria dificuldades em adivinhar sua origem humilde. A calça preta desfiava em alguns pontos e parecia esfarrapada perto nas extremidades. O paletó da mesma cor desbotava e encobria a camisa branca e a gravata negra manchadas. O sapato estava sujo de barro, dando a impressão de que era o único que o jovem possuíra por longos anos.

Em sua mão direita, a poucos centímetros do chão, ele carregava uma caixa no formato de um violão. Dentro, um instrumento antigo, desafinado, dado de presente por um amigo que não o utilizava mais. O jovem caminhava lentamente, acompanhando no chão sua própria sombra, produzida pela fraca luz dos postes.

Pouco adiante, encontrou o local que procurava. Cruzamento das avenidas 61 e 49. Clarksdale. Nenhum som chegava aos seus ouvidos. Animais, homens, máquinas, tudo parecia adormecido. Parou por alguns instantes, colocando o violão no asfalto. Remexia as mãos sem saber onde colocá-las. Uma leve neblina começou a tomar forma. O jovem aguardava por algo que não sabia o que era.

Do âmago do silêncio que o cercava, ouviu sons. Curtos e secos, parecendo passos. Fechou o punho em cada uma das mãos, retesando todos os músculos. Um leve frêmito percorreu todo o seu corpo. Pouco a pouco, foi se delineando na neblina a forma de um homem. Pele branca, cabelos negros bem arrumados, impecavelmente vestido. De uma beleza que impressionou até o jovem negro parado na estrada.

O homem parou a alguns passos de distância e disse, na mais bela voz que o músico jamais ouvira:

- Boa noite.

- Boa noite.

- Qual o seu nome?

- Robert – respondeu o jovem negro, com a voz trêmula.

Ficaram em silêncio por algum tempo. O homem parecia analisar o rosto de Robert em todos os detalhes. Finalmente abaixou o olhar em direção à caixa do violão colocada no chão.

- Você é músico? – ele falava de forma calma e extremamente clara, que parecia envolver Robert em um abraço do qual era impossível de se desvencilhar. Mais do que isso, Robert tinha a sensação de que era impossível mentir para ele.

- Sou.

- Toque alguma coisa para mim.

Robert hesitou por alguns instantes, antes de confessar.

- Não sei tocar.

O misterioso homem não desviava o olhar dos olhos de jovem negro, amedrontando-o.

- Mas você não é músico?

- Serei assim que aprender a tocar.

Robert não havia se acalmado. Se possível, estava ainda mais nervoso com a presença daquele homem. Seria ele o que Robert procurava? O homem ficou em silêncio por alguns instantes e começou a caminhar, com as mãos para trás.

- E o que você faz aqui, Robert?

- Espero alguém.

O homem balançou positivamente a cabeça duas vezes.

- E quem seria esse alguém?

Sem saber o que responder, Robert tomou coragem e perguntou.

- Quem é você?

O homem parou de caminhar de um lado para o outro e voltou a fixar seu olhar no rosto de Robert. Abriu um sorriso que fez o jovem dar um passo atrás. Era um sorriso belo, mas que parecia esconder muita coisa.

- Meu nome não vem ao caso. O que importa é que posso fazer você tocar melhor do que qualquer um. Você quer isso?

Estas palavras convenceram Robert. O homem enigmático e bem vestido que tinha diante de si era exatamente a pessoa que procurava. Se é que se pode chamar de pessoa quem estava ali.

- E o que eu preciso fazer? – perguntou Robert.

- Você tem certeza que quer isto?

- Sim, absoluta.

- Não deve ter sido nada fácil para um negro pobre como você ter passado por aquela humilhação.

Robert arregalou os olhos. Como ele poderia saber do que tinha acontecido no bar do Louis no sábado passado? Depois pensou melhor e chegou a conclusão de que, se o homem realmente era quem Robert pensava que era, não deveria ficar surpreso com a quantidade de seu conhecimento.

- Você deve estar se perguntando como eu sei disso, não? – indagou o homem, como se lendo os pensamentos de Robert.

- Estava. Mas imagino que tenha suas formas de saber.

O homem riu pela primeira vez.

- Muito bem, Robert, muito bem – comentou. E, após alguns instantes, disse: - Deixe-me ver seu violão.

Robert abaixou-se e abriu a caixa, retirando o instrumento de dentro. Entregou-o na mão do homem. Este não disse nada, limitando-se a passar a mão sobre o violão, mais especialmente sobre as cordas. Após alguns minutos, devolveu-o a Robert.

- Belo instrumento. Você vai entrar para a História com ele.

- E o que eu preciso fazer?

- Por enquanto, nada. Mas quando eu precisar de você, esteja pronto pra mim.

Robert compreendeu o significado daquelas palavras. Era como um contrato sendo assinado. E, ainda que fosse verbal, o jovem sabia que não havia como quebrá-lo. Agora era irreversível.

- E como eu vou aprender a tocar?

- Você já sabe.

- Como assim?

O homem ofereceu seu último sorriso. Simplesmente inclinou a cabeça em direção a Robert e disse:

- Foi bom fazer negócios com você – e pôs-se a andar de volta para a neblina de onde saíra.

Robert ficou alguns instantes sem se mexer, como que hipnotizado pela presença do homem. Finalmente, voltou a si e percebeu que estava com o violão na mão direita. O local continuava silencioso, mas agora podiam ser ouvidos alguns insetos cantando na escuridão da noite.

O jovem olhou para o instrumento. Arrumou a caixa de forma a que pudesse sentar sobre ela e posicionou o violão sobre a coxa direita. Lentamente, começou a deslizar seus dedos sobre as cordas. Como em um passe de mágica, surpreendente até mesmo para ele, parecia saber o que estava fazendo. De forma instintiva, foi surgindo uma melodia, que iluminou a noite fria.

Tocou sozinho, na beira da estrada escura, durante mais de duas horas. Finalmente guardou o violão e começou a caminhar de volta para sua casa.

Robert Johnson olhou para trás uma última vez. A neblina havia se dissipado.

Silvio Pilau – 24/01/06

Monday, March 20, 2006

Frankenstein


Frankenstein é um dos maiores ícones da cultura ocidental. Não há pessoa nesse mundo que não conheça o básico da história do criador e seu monstro. Na verdade, a trama e os personagens de Mary Shelley estão tão arraigados no imaginário popular que é até difícil encontrar alguém que conheça a verdadeira história e sua origem, tantas são as versões já produzidas em todas as mídias. Um exemplo? A maioria não sabe, mas Frankenstein não é o nome do ser criado por um cientista maluco. Frankenstein era o nome de Victor Frankestein, um estudioso ambicioso que almejava grandes vôos, encontrando aí sua ruína ao construir aquilo que ele chamou de demônio. Aliás, demônio, monstro, criatura, todas são formas pelas quais é chamada a criação de Frankenstein. Em nenhum momento Mary Shelley se refere ao ser como Frankenstein. E é uma pena que as informações em torno da obra se confundam, pois Frankenstein, o livro escrito por Mary Shelley, é uma obra-prima. Verdade absoluta. Não é um dos maiores clássicos da literatura apenas por criar um dos monstros mais adorados por platéias do mundo todo. É uma obra escrita de forma genial e envolvente, com um tom poético que acrescenta novas nuances à tragédia do dr. Frankenstein. Pouco existe de assustador em Frankenstein. Se era para ser uma história de terror, o livro falha. Melhor dizendo, falha em termos de suspense, em deixar o leitor nervoso. Porque ele é assustador, sim, na sua profunda análise da natureza humana. Essa é a grande força e o que faz da obra de Mary Shelley uma história atemporal. O dr. Victor Frankenstein é um belíssimo personagem, real e repleto de contradições. O remorso e a culpa que o consomem ao descobrir que foi longe demais representam alguns dos ótimos momentos do livro. Mas não resta dúvida que a maior contribuição de Shelley ao mundo foi a construção psicológica da fascinante criatura. Os capítulos nos quais o monstro conta a sua história ao criador são o ponto alto da obra. Sua amargura e decepção ao descobrir que jamais conseguirá se encaixar no mundo e a opção por um caminho de ódio e vingança ao descobrir isso são contadas de forma magistral pela autora. A criatura torna-se uma figura que desperta a compaixão, ao contrário do ódio, o que engrandece a obra. Há uma dúvida constante na mente do leitor sobre quem é o verdadeiro vilão da história. Seria o monstro, que apenas parte para o caminho do crime após diversas tentativas frustradas de praticar e receber o bem? Ou seria o dr. Frankenstein, que tomado pela soberba não pensou nas conseqüências de seus atos? Há essa constante dualidade na história, com passagens memoráveis que refletem de maneira impecável o estado de espírito dos personagens (em certo momento, por exemplo, a criatura diz: “Desde então, o mal tornou-se o meu bem”). Frankenstein, a obra original concebida por Mary Shelley em um concurso em um dia de chuva, é um livro de leitura obrigatória, tanto por sua qualidade narrativa quanto pela trama em si. Merece ser lida por todos, nem que seja apenas para que se conheça a verdadeira, original e impressionante história de Victor Frankenstein e sua criatura.

HAIKAI 6

Nada adiantam teses e artigos
Todos sabem que a felicidade plena

Mora na companhia dos amigos

Thursday, March 16, 2006

Deboche


Pedro estava fazendo um ménage a trois com Luana Piovani e Marilyn Monroe quando o despertador tocou. As duas beldades se dissiparam no ar e o sorriso no rosto de Pedro metamorfoseou-se em um esgar de indignação com o aparelho na cabeceira da cama.
Ainda de olhos fechados, pegou o despertador com a mão direita e posicionou gentilmente no chão. Estremunhado, sentou na beirada do colchão e colocou apenas um tênis. Levantou-se, ergueu o pé com o tênis e, com toda a força que um corpo recém-acordado pode possuir, lançou-o para baixo, em direção ao indefeso despertador.
O aparelho se despedaçou em incontáveis pequenas partes pelos mais diversos cantos do quarto. O ato de vandalismo com seus próprios pertences e em seu próprio quarto revigorou o ânimo de Pedro. Tirou o tênis e foi ao banheiro.
O frio do corredor faz com que ele voltasse ao quarto para colocar um moletom. Como não acontecia há muitos anos, este inverno estava sendo rigoroso. Foi ao banheiro, ligou a torneira e pôs a mão na água. Congelante.
Respirando fundo, jogou a água em seu rosto, estremecendo todo o corpo. Enxugou-se e abriu o armário. Pegou uma das escovas de dente, sem saber qual – morar sozinho tinha suas vantagens –, e fez a higiene bucal.
Sem o costume de escovar os dentes todos os dias, cuspiu um pouco de sangue na pia e ficou acompanhando o líquido vermelho revolvendo na água antes de desaparecer pelo ralo. Parou na frente da privada, apoiou a mão esquerda na parede e com a direita colocou o pênis pra fora, para a rotina da mijada matutina.
Quatro minutos e meio depois, sacudiu um pouquinho, guardou seu instrumento e voltou para o quarto. Abriu o armário e, ainda um pouco abalado pelo sono, pegou a primeira camisa e a primeira calça à disposição. Olhou para as peças de roupa e pensou: “Não é para tanto”.
Colocou duas pantufas e foi para a cozinha. Pegou o leite da geladeira, despejou-o num copo e encheu de Nescau. Levou o copo de Nescau com leite ao microondas. Deixou esquentar por alguns segundos e largou o copo sobre a mesa. Abriu a porta de casa e saiu. Frio. Provavelmente uns cinco graus. Antes de congelar, pegou a Zero Hora do chão e voltou rapidamente.
Sentou-se à mesa, abriu o jornal e leu por alguns minutos as notícias de política e esportes, enquanto sorvia o produto originado das tetas das vacas misturado com o chocolate em pó. Olhou para o relógio. 7h30. Hora de sair para o trabalho.
Colocou o copo na pia, guardou o jornal e dirigiu-se à porta de saída. Pegou a chave de casa e saiu. A alguns metros da porta, Pedro parou. Deu uma risada alta e longa que combinava escárnio com um prazer indescritível. Parecia estar se divertindo com um deboche, uma pegadinha. E estava.
Berrou, com toda potência restante em seu pulmão de fumante:
- Hoje é sábado, filhos da puta!
Entrou em casa com a alma limpa. Foi direto para a cama e dormiu até às quatro horas da tarde. Luana e Marilyn não voltaram, mas ele nem deu bola para isso.

Monday, March 13, 2006

Filmes de fevereiro

MUNIQUE (MUNICH) – EUA, 2005 *****
De Steven Spielberg. Com Eric Bana, Daniel Craig, Ciáran Hinds, Mathieu Kassovitz e Geoffrey Rush.
Para resumir, Munique é um dos melhores filmes dos últimos anos e talvez o melhor de toda a carreira de Spielberg. Narrativamente complexo, emocionalmente devastador e politicamente relevante, a obra conta com um roteiro impecável para contar a degradação moral do personagem principal, tendo como pano de fundo um conflito ainda atual. Com cenas orquestradas de forma magistral por Spielberg, Munique é um verdadeiro soco no estômago, levantando questões e fazendo pensar.

WOOD & STOCK – SEXO, ORÉGANO E ROCK N` ROLL – Brasil, 2006 **
De Otto Guerra. Com as vozes de Sepé Tiaraju, Zé Vitor Castiel, Rita Lee e Tom Zé.

Os personagens de Angeli definitivamente não funcionam nas telas da mesma forma que nas tiras de quadrinhos. Lento demais e com poucas piadas engraçadas, o filme abusa da boa vontade do espectador em rir do estilo de vida dos personagens. Pouco inspirado, apesar de algumas idéias serem interessantes, como o porco vocalista.

O SEGREDO DE BROKEBACK MOUNTAIN (BROKEBACK MOUNTAIN) – EUA, 2005 ***1/2
De Ang Lee. Com Heath Ledger, Jake Gyllenhaal, Michelle Williams, Anne Hathaway e Randy Quaid.

O filme mais superestimado do ano. Está longe de ser tudo aquilo que foi pintado, mas O Segredo de Brokeback Mountain ainda é uma bela história de amor, contada de forma sensível e delicada por Ang Lee. Os personagens são muito bem construídos, encontrando intérpretes à altura em Heath Ledger e Jake Gyllenhaal. Mas o roteiro se enrola demais no andamento da história, tornando o filme arrastado em diversos momentos.

NÃO TENHO MEDO (IO NON HO PAURA) - Itália, 2003 ****
De Gabriele Salvatores. Com Giuseppe Cristiano, Mattia Di Pierro, Adriana Conserva e Fabio Tetta.

Não Tenho Medo é um gilme muito eficiente que consegue combinar diversos gêneros de forma harmoniosa. Contada pelo ponto de vista de uma criança, a história surpreende o espectador e mantém-se interessante graças à direção segura de Salvatores. Apesar do final decepcionar um pouco, o saldo é positivo.

MELINDA E MELINDA (MELINDA AND MELINDA) – EUA, 2004 ***
De Woody Allen. Com Radha Mitchell, Will Ferrel, Amanda Peet e Chloe Sevigny.

Apesar de trazer alguns relances da genialidade de seu diretor, Melinda e Melinda ainda não é Woody Allen em sua melhor forma. O ponto de partida é interessante, mas o desenvolvimento é pouco satisfatório. A parte dramática não empolga e o lado cômico funciona somente quando Will Ferrel está em cena. Há algumas boas sacadas no roteiro, mas apenas isso.

PROCURA-SE UM AMOR QUE GOSTE DE CACHORROS (MUST LOVE DOGS) **1/2
De Gary David Goldberg. Com Diane Lane, John Cusack, Elizabeth Perkins, Christopher Plummer, Dermot Mulroney e Stockard Channing.

Este filme tinha tudo para ser uma comédia romântica interessante, mas a direção de Gary David Goldberg joga tudo a perder. O roteiro tem bons diálogos e Lane e Cusack são carismáticos e talentosos, mas o romance não convence e algumas cenas parecem brincadeira de tão embaraçosas, como o final no lago.

BOA NOITE E BOA SORTE (GOOD NIGHT, AND GOOD LUCK.) – EUA, 2005 ****
De George Clooney. Com David Strathairn, George Clooney, Frank Langella, Robert Downey Jr., Patricia Clarkson e Jeff Daniels.

George Clooney comprova seu talento na direção com este que é considerado um dos melhores filmes do ano. Mesmo que não seja pra tanto, Boa Noite e Boa Sorte tem muitas qualidades para ser considerado acima da média, como um bom roteiro, a direção segura e sutil e boas atuações. Há algumas digressões desnecessárias e falta de envolvimento com os personagens, mas Clooney mostra a que veio e ainda oferece algumas questões pertinentes sobre o papel da mídia.

O COZINHEIRO, O LADRÃO, A MULHER E O AMANTE (THE COOK, THE THIEF, HIS WIFE AND HER LOVER) ***
De Peter Greenaway. Com Michael Gambon, Helen Mirren, Richard Bohringer, Alan Howard e Tim Roth.

Um delírio absurdo e surreal, esta obra de Peter Greenaway consegue causar estranheza e admiração ao mesmo tempo. A história não faz muito sentido, mas é tão maluca e original que é impossível desgrudar o olho. O final é de uma bizarrice extrema, fechando com chave de ouro esta obra visual e conceitualmente diferente.

JOHNNY E JUNE (WALK THE LINE) – EUA, 2005 ***
De James Mangold. Com Joaquin Phoenix, Reese Whiterspoon, Ginnifer Goodwin, Robert Patrick e Dallas Roberts.

A cinebiografia de Johnny Cash sofre do mesmo mal que acometeu Ray. Diversas passagens parecem inseridas apenas para “constar”, sem auxiliar no desenvolvimento da trama ou dos personagens. Este problema e a direção burocrática de James Mangold são compensadas pela boa trilha sonora e pelas intocáveis atuações de Phoenix e Whiterspoon, que possuem ótima química (e ainda cantam).

CRASH – NO LIMITE (CRASH) – EUA, 2004 *****
De Paul Haggis. Com Don Cheadle, Terrence Howard, Brendan Fraser, Sandra Bullock, Jennifer Esposito, Ryan Phillipe, Thandie Newton e Matt Dillon.

Talvez a maior surpresa cinematográfica do ano passado, Crash faz jus à reputação que construiu. São diversas histórias interligadas, tendo como ponto de partida o preconceito racial, formando um impressionante mosaico de intolerância e violência. O roteiro é genial, conseguindo tornar críveis os diversos personagens, sem jamais cair no clichê. Um belo e importante filme.

NO DIRECTION HOME: BOB DYLAN (NO DIRECTION HOME) – EUA, 2005 ****
De Martin Scorsese.

Fascinante retrato dos primeiros anos de carreira de um dos maiores nomes da música mundial. Apesar de excessivamente longo, o filme de Scorsese funciona muito bem, pintando Dylan como um ser humano, sem jamais idolatrá-lo. Entrevistas com quem viveu aquela época e com o próprio cantor fazem de No Direction Home não apenas uma bela interpretação de quem é Dylan, mas um documento sobre uma época importante.

UM AMOR PARA RECORDAR (A WALK TO REMEMBER) – EUA, 2002 ***
De Adam Shankman. Com Mandy Moore, Shane West, Peter Coyote e Daryl Hannah.

Um Amor para Recordar é um filme que surpreende o espectador à medida que a narrativa se desenvolve. Se a primeira metade é lamentável, repleta de clichês de filmes adolescentes, a segunda parte funciona e realmente comove. O romance entre os jovens ganha força e chega um momento em que o espectador se descobre realmente interessado nos dois personagens. Uma boa surpresa.

COACH CARTER – TREINO PARA A VIDA (COACH CARTER) – EUA, 2005 ****
De Thomas Carter. Com Samuel L. Jackson, Rob Brown, Robert Richard e Rick Gonzalez.

Não há nada de inovador em Coach Carter. A história já foi contada diversas vezes e a trama acumula um clichê atrás do outro. Mas o filme é feito com extrema sinceridade e competência, funcionando como uma obra inspiradora. As mais de duas horas passam voando e não há como não se sentir bem ao final. Um filme que fala diretamente ao coração.

CONTRA CORRENTE (UNDERTOW) – EUA, 2004 **
De David Gordon Green. Com Jamie Bell, Josh Lucas, Dermot Mulroney e Devon Alan.

Apesar da opção pelo realismo na narrativa funcionar, Contra Corrente acaba sendo prejudicado pela fraca direção de Gordon Green, que dilui o interesse do espectador à medida que a obra se desenvolve. Há bons momentos e um roteiro eficiente, mas os personagens não cativam e a obra não oferece tensão.

OS IRMÃOS GRIMM (THE BROTHERS GRIMM) – EUA, 2005 **1/2
De Terry Gilliam. Com Heath Ledger, Matt Damon, Monica Bellucci, Peter Stormare, Jonathan Pryce e Lena Headley.

Os Irmãos Grimm traz aquilo que se espera de um filme de Terry Gilliam: roteiro maluco misturando fantasia e realidade e alto cuidado visual, ao menos na direção de arte. Pena que a história seja confusa demais, arruinando a boa premissa inicial. Além disso, os efeitos visuais são terríveis, parecendo de anos atrás. Alguns bons diálogos e situações e as divertidas atuações dos protagonistas garantem o interesse desse filme que poderia ser mais do que é.


Quem Matou Palomino Molero?


Indiscutível que o peruano Mario Vargas Llosa é um dos maiores escritos latino-americanos do século XX. De sua autoria, eu já havia lido Batismo de Fogo e Pantaleão e as Visitadoras, duas belíssimas obras que o colocaram no rol dos meus escritores favoritos. Por isso não hesitei quando vi, na última Feira do Livro, Quem Matou Palomino Molero? em um balaio. Comprei na hora, na esperança de estar diante de uma obra-prima de Vargas Llosa. Mesmo longe da qualidade dos livros que citei no começo deste comentário, Quem Matou Palomino Molero? ainda é um belíssimo trabalho narrativo de Vargas Llosa. Muito menos ambicioso do que em romances anteriores, o autor conta uma história de mistério envolvendo o assassinato de um aviador da Força Aérea. São poucos os personagens, mas bem construídos, e a história se desenvolve de forma agradável e fácil de ler. Há uma leve crítica social (como não poderia deixar de ser), porém esta é tímida perto de outras já realizadas por Vargas Llosa, e comentários sobre o poder, especialmente na relação entre civis e as Forças Armadas, outro tema corrente na bibliografia do escritor. No geral, Quem Matou Palomino Molero? é uma novela interessante e bem-acabada. Longe de ser o melhor de Mario Vargas Llosa, mas suficiente para satisfazer fãs e não-fãs do peruano.

Wednesday, March 08, 2006

HAIKAI 5

Cagar pode ser um grande prazer
É só deixar a merda no limite

Depois sentar na privada e mandar ver

Tuesday, March 07, 2006

A Jaqueta do Osvaldo

Quando reencontrei o Osvaldo ele estava sem a jaqueta. O que era de se esperar, já que fazia mais de vinte anos que a gente não se via. Mas a imagem que eu tinha do Osvaldo era a da jaqueta. Circulando pelos corredores do colégio, pedindo cola nas provas, dando em cima das colegas. Se bobear, ele usava a jaqueta até nas aulas de Educação Física, mas disso eu não lembrava.

- E essa roupa, Osvaldo? – perguntei, observando o terno azul-marinho que ele vestia impecavelmente.

- Tenho que trabalhar, né, Paulinho? Advogado não pode andar mal vestido.

- Não, claro que não.

Começamos a falar sobre assuntos idiotas, o que normalmente acontece quando revemos alguém depois de certo tempo. Na verdade, eu nem prestava atenção no tema em questão. Tinha apenas uma pergunta pra fazer pro Osvaldo e era sobre a jaqueta.

A jaqueta do Osvaldo. Na época do colégio, a jaqueta do Osvaldo era tão ou mais desejada por nós do que a Carla. E olhe que éramos adolescentes em ponto de ebulição e a Carla uma garota tão gostosa que até os professores eram apaixonados por ela. Bom, basta dizer que nunca repetiu de ano, mesmo sem jamais ter tirado uma nota acima de seis.

A jaqueta do Osvaldo. Couro de verdade. Segundo ele, refrescava no verão e esquentava no inverno. Fazia ele parecer o Marlon Brando jovem, apesar de que na época eu não fazia idéia de quem era Marlon Brando. Não havia um garoto em todo o colégio que não invejava o Osvaldo e não desejava ter uma jaqueta igual.

Claro que, pouco depois que o Osvaldo surgiu pela primeira vez com a jaqueta, todo mundo apareceu com uma. Mas nenhuma era igual. O Osvaldo nunca contou onde conseguiu aquela jaqueta, mas ela era diferente de todas. Brilhava mais, chamava mais a atenção. As garotas caíam em cima dele, inclusive a Carla. Houve um tempo em que invejávamos o Osvaldo tanto por ter a jaqueta quanto por ter a Carla.

E ali estava o Osvaldo, vinte e dois anos depois. Devia estar casado, com filhos, uma casa de dois andares e dirigindo um Honda Civic. Provavelmente nem lembrava da jaqueta. Mas ela nunca saiu da minha cabeça. Tudo o que eu queria fazer era perguntar para o Osvaldo que fim levara a jaqueta. Queria ouvir sua resposta, mas ele não parava de falar sobre o artigo não sei que número de uma lei estranha que um cara sem ter o que fazer inventou.

- Osvaldo, faz vinte e dois anos que não nos vemos. Não vamos ficar falando sobre leis, né? – interrompi.

- Claro, Paulinho. Está certo – concordou ele. – Na verdade, tenho que ir, já estou atrasado.

Eu precisava perguntar e tinha que ser rápido.

- Claro, Osvaldo. Bom te ver – enquanto apertávamos as mãos, perguntei: - E a jaqueta, Osvaldo?

- Jaqueta? – ele se surpreendeu, genuinamente surpreso.

- Sim, a jaqueta de couro. Lembra dela? Você a usou por quase dois anos. Aquela jaqueta que todo mundo queria ter.

- Ah, sim! A jaqueta de couro! Nem lembrava mais dela. É verdade, lembro que todos invejavam ela.

Preparei-me para fazer a pergunta derradeira. Com um sorriso malicioso e imperceptível no rosto, questionei:

- Que fim levou ela?

- Não sei. Nunca soube. Deixei no meu armário um dia e quando voltei não estava mais lá. Lembro que fiquei mal por umas três semanas após o acontecido.

- Foi roubada, então?

- Por que você está querendo saber sobre a jaqueta?

- Eu iria fazer uma oferta por ela.

- Sério mesmo?

- Claro, sempre quis ter aquela jaqueta. Não caberia em mim hoje, mas seria só pelo prazer de tê-la.

- Pena que não a tenho mais – Osvaldo disse. E, após um instante, despediu-se: - Bom, Paulinho, tenho que ir. Legal te ver.

- Digo o mesmo, Osvaldo, digo o mesmo.

Despediram-se e segui em direção à minha casa, com um sorriso de satisfação no rosto. Assim que entrei no meu quarto, abri o guarda-roupa e tirei lá de dentro uma jaqueta preta, de couro, um pouco envelhecida, mas ainda bonita.

Não cabia mais em mim, mas isso não importava. Saber que eu a tinha já era o bastante. Saber que o Osvaldo nunca soube disso era ainda melhor.

Silvio Pilau – 28/12/05

Monday, March 06, 2006

Oscar 2006

Tá, deixa eu fazer um breve comentário sobre o Oscar, só pra não deixar passar em branco. A cerimônia foi chata, como sempre é. Simplesmente não engoli o tal do Jon Stewart como apresentador. Ok, eu vi o Oscar com os comentários em português, o que faz perder 50% da graça original das piadas (normalmente assisto com o som original, mas o maldito do controle da TV estragou e o SAP ficou inacessível. E o pior foi ouvir a anta do Ewald Filho falar “cidadões”...), mas, mesmo assim, achei as piadas dele sem a menor graça e inspiração. Apresentador por apresentador, o melhor que eu lembro de todos que realmente acompanhei até hoje foi o Steve Martin. Mas vamos falar de cinema. Meu filme favorito entre todos os indicados era Munique. Votaria na obra de Spielberg pelo menos nas categorias principais (roteiro, direção e filme). No entanto, a Academia nem sempre premia o melhor e a bola da vez da noite parecia ser o bom-mas-nada-de-especial O Segredo de Brokeback Mountain. Parecia. Tudo indicava que Ang Lee paparia a estatueta de direção (papou), os roteiristas papariam a de roteiro (paparam) e os produtores sairiam com o prêmio mais cobiçado na noite (não saíram). Para a surpresa de todos, todos mesmo, Crash foi eleito o melhor filme. Foi até um momento estranho quando Jack Nicholson anunciou a obra de Paul Haggis como campeã máxima. O próprio Jack ficou surpresa, a mesma reação dos vencedores, que não pareciam acreditar. Mas, se o Oscar é um prêmio de qualidade, foi justíssimo. Crash é uma obra infinitamente superior a O Segredo de Brokeback Mountain, sendo a minha segunda opção logo após Munique. Porém, se os cowboys não ganharam melhor filme, pelo menos Ang Lee levou o de direção. Também não era minha primeira escolha, mas é sem dúvida um belíssimo trabalho do chinês, repleto de sensibilidade. Quanto ao prêmio de ator, foi inevitável. A brilhante e impecável composição de Philip Seymor Hoffman como Truman Capote era a favorita e realmente levou a estatueta. Gosto do trabalho de todos os outros indicados (com exceção de Terrence Howard, já que ainda não assisti Ritmo de um Sonho), mas Hoffman é 80% de Capote. Já atriz eu não posso opinar muito. O único filme das indicadas que assisti foi Johnny e June, da qual saiu a vencedora Reese Whiterspoon. Inegável que ela está muito bem no papel, só que me abstenho de dizer se foi merecido por não ter visto os outros filmes. No geral, foi uma premiação extremamente previsível. Era fácil de acertar a grande maioria dos escolhidos, com exceção da categoria principal, a de melhor filme, que surpreendeu a todos. Outros destaques? Acho que podem ser citados dois: o quase tombo de Jennifer Garner e a vitória de George Clooney como ator coadjuvante. Clooney é um sujeito muito bacana, sempre bem-humorado e politicamente engajado, além de um diretor talentoso. Não sei se merecia o prêmio que ganhou, mas foi bom vê-lo no palco. E foi isso. Agora é assistir ao resto dos filmes.

Saturday, March 04, 2006

Carta aos Mamonas

Dinho, Júlio, Bento, Sérgio e César,

No instante em que começo a escrever este texto, faz exatamente dez anos que vocês nos deixaram na mão. Não, deixem-me reescrever essa frase, porque não quero soar ofensivo a quem tanto fez por mim e por diversos outros. Faz exatamente dez anos que fomos privados da companhia de vocês
.

Lembro claramente, apesar de possuir doze ou treze anos na época, os três momentos cruciais da nossa relação: a apresentação, o clímax e, infelizmente, o trágico desfecho. A apresentação se deu no carro mesmo. Começou a tocar uma música no rádio e minha mãe perguntou se eu já tinha ouvido ela. Falei que não e comecei a prestar atenção.

Admito que não entendi quase nada. O vocalista tinha um sotaque português e, do pouco que compreendi, vi que falava em suruba e passar a mão na bunda de alguém. Claro que logo depois acabei descobrindo que eram vocês quem cantavam e que o tal “Manoel” era um rapaz bem brasileiro de Guarulhos. Você mesmo, Dinho.

Desde então não se ouviu falar em outra coisa a não ser a banda de vocês. Era impressionante: o quinteto maluco e divertido estava em todos os lugares. Não havia como escapar. O que era excelente, porque eu adorava ouvir e assistir vocês. E quem não gostava? Desde as crianças até os mais velhos acabaram entrando na onda dos irreverentes rapazes de Guarulhos.

Duvidam? Pois a minha vó, já em sua fase final de vida, adorava assistir vocês na TV. Era uma de suas poucas alegrias naqueles momentos difíceis pelos quais ela passava. Já seria eternamente grato a vocês por iluminarem, ainda que brevemente, este período da vida dela. Mas vocês fizeram mais. Muito mais.

Como no tal do clímax que já comentei ali em cima. Este foi o show no Gigantinho, aqui em Porto Alegre. Foi uma noite inesquecível, até por ter sido a única apresentação de vocês na minha cidade. E garanto que me diverti um bocado, especialmente no bis do Vira-Vira no final. Aquela mesma música da suruba e da mão na bunda que eu tinha comentado.

Pra vocês terem uma idéia de quanto eu gostava de vocês, cheguei até a criar uma paixãozinha pela namorada da época do Dinho. Sem ciúmes, cara, eu era apenas um fã. Jamais sonhava conseguir alguma coisa com ela. Só estou dizendo isso pra mostrar a influência que vocês tiveram em mim. Se hoje sou um cara bem-humorado, tenho certeza absoluta que muito deve a vocês. Que boa parte disso vem das letras das músicas que eu escuto até hoje.

Porque por mais que digam que vocês foram um cometa, pra mim foram muito mais do que isso. Um cometa passa rápido e logo em seguida ninguém lembra. Não foi o que aconteceu com vocês. Este próprio texto é uma prova disso. São lembrados até hoje. Talvez não conquistem tantos novos fãs, mas quem viveu aquela época, quem viu e ouviu vocês durante aquele pouco tempo em que estiveram aí, jamais esqueceu. E tenho certeza que muitos, assim como eu, gostam de ouvir o som de vocês de vez em quando.

Até que finalmente veio a despedida. Quando um amigo meu me ligou naquela manhã pra dizer que vocês tinham nos deixado, não acreditei. Como poderia? Naquela altura, vocês já eram parte da minha família. Conhecia seus pais, suas casas, conhecia suas histórias. E eu estava todo dia com vocês, seja cantando, ouvindo ou dando risadas.

É uma pena que vocês foram tão cedo. Mas mesmo esse pouco tempo foi o suficiente para fazer parte da vida de milhões de jovens, adultos e velhos aqui do Brasil. Talvez vocês nem saibam o quanto continuaram sendo adorados depois do acidente. Se souberam, acredito que devem estar felizes. Da mesma forma que nos acostumamos a vê-los.

Friday, March 03, 2006

Ripley Subterrâneo


Apesar de saber que Tom Ripley era, em sua origem, um personagem literário, apenas o conhecia de suas aparições no cinema, mais precisamente em O Talentoso Ripley, onde foi interpretado por Matt Damon, e em O Retorno do Talentoso Ripley, quando foi encarnado por John Malkovich. Sempre o achei um personagem fascinante e tive a curiosidade de ler alguma das obras de Patricia Highsmith protagonizadas por ele. Finalmente tive a chance quando caiu em minhas mãos Ripley Subterrâneo, a mais recente obra do personagem adaptada ao cinema, ainda que em uma versão meio desconhecida dirigida por Roger Spottiswoode. O fato é que Tom Ripley é, nas páginas e na descrição de Highsmith, um personagem ainda mais complexo e interessante do que nas telas. Em Ripley Subterrâneo, a autora o coloca em meio a uma trama envolvente sobre falsificação de quadros, na qual Ripley precisa usar a sua astúcia e amoralidade para sair ileso. A narrativa de Highsmith e a própria história são sempre elegantes e refinadas, transmitindo com facilidade a atmosfera da alta sociedade européia, inclusive com o jogo de aparências típico. Apesar da trama funcionar, não há como negar que é Tom Ripley o aspecto mais fascinante da obra. Um personagem ambíguo, que mantém certa ética para determinados assuntos, mas não hesita em assassinar um homem quando necessário, sem sentir o menor remorso. Arguto, Ripley tem pensamento rápido e tranqüilidade para se livrar dos problemas, ainda que não sem algumas dúvidas a respeito da finalidade daquilo. Ripley Subterrâneo é, sem dúvida, um belo romance policial. Tem uma trama elaborada e bem contada (apesar do final decepcionar um pouco), com cenas que fogem do fantástico, primando pelo realismo dos acontecimentos. Mas, no final, é Tom Ripley quem conquista o leitor. Funciona como romance, mas é ainda melhor para quem quer conhecer um dos mais fascinantes personagens que a literatura policial já produziu.

Thursday, March 02, 2006

BOA NOITE E BOA SORTE


BOA NOITE E BOA SORTE (GOOD NIGHT, AND GOOD LUCK.) ****
De George Clooney. Com David Strathairn, George Clooney, Frank Langella, Robert Downey Jr., Patricia Clarkson, Jeff Daniels e Ray Wise.


16/02/06 – Silvio Pilau

Uma das grandes surpresas cinematográficas de 2002 foi a estréia de George Clooney na direção. Com Confissões de uma Mente Perigosa, o ator demonstrou um talento que poucos – ou ninguém – suspeitava, construindo um filme visualmente interessante e agradável de se assistir. Boa Noite e Boa Sorte, seu novo trabalho atrás das câmeras, chega com o respaldo de figurar em diversas premiações, provando que Clooney realmente é um diretor qualificado.

O filme conta a história real da batalha entre Edward R. Murrow, âncora de um programa da CBS, e o senador Joseph McCarthy. O cenário é a década de 50, época em que McCarthy realizou sua chamada “caça às bruxas”, perseguindo pessoas sob a acusação de serem comunistas. Com o apoio de seus colegas de emissora, Murrow foi um dos que levantou a voz contra o senador, afirmando que McCarthy acabou transformando uma investigação em perseguição infundada.
Escrito pelo próprio Clooney em parceria com Grant Heslov, Boa Noite e Boa Sorte assume um tom semi-documental para transmitir uma mensagem de alta relevância. A ausência de trilha sonora e o foco quase total nos fatos narrados passa a sensação de se estar assistindo a um documentário. Há pouca identificação entre público/personagens, mas isto é justificado pela opção de Clooney em abordar o tema desta forma. E é uma escolha inteligente, embora exija extrema segurança na direção – obstáculo que Clooney tira de letra, construindo um filme objetivo, tenso e provocador.
Seus acertos começam já na ambientação de Boa Noite e Boa Sorte. Passado quase totalmente dentro do prédio da CBS, o filme assume um tom quase claustrofóbico, aumentando a tensão dos conflitos presentes na trama. A recriação da época também se destaca, especialmente graças à constante utilização de imagens de arquivo.

Esta, aliás, é uma das principais qualidades da obra. Intercalando cenas reais dos programas da época – incluindo aí seus comerciais – com a recriação do dia-a-dia do programa de Murrow, Clooney transmite incrível veracidade à sua história. É como se os fatos apresentados fossem indiscutíveis, tamanha a credibilidade que eles adquirem junto ao espectador.

O próprio duelo entre Murrow e McCarthy é um exemplo. Ao invés de utilizar um ator para interpretar o senador, Clooney prefere utilizar as verdadeiras imagens da resposta de McCarthy ao repórter, em um brilhante trabalho de edição que engrandece o impacto do filme. O aproveitamento destas imagens explica a belíssima fotografia em preto e branco, que aqui não é apenas um mero exercício de estilo do diretor, sendo escolhida exatamente para se “misturar” com as cenas reais.

Mas não é só aí que Clooney demonstra ser um cineasta diferenciado. Reparem na forma como ele explora a reação dos personagens durante os diálogos. Diversas vezes ao longo do filme, a câmera se fixa na expressão de determinado personagem enquanto outro fala algo, mostrando a forma como este recebe a notícia. É um detalhe sutil, quase imperceptível, mas que faz uma grande diferença.

Sutil também é a forma como o diretor quebra a aparente rigidez de Murrow. Apesar de visto no programa como um homem frio e inabalável, ele nada mais é do que um ser humano, que também fica nervoso e com medo, faceta que Clooney captura com delicadeza, genialidade e sem apelações. Antes do programa no qual Murrow atacar McCarthy, por exemplo, o diretor insere um rápido take do pé do apresentador batendo, uma cena que reflete a tensão pela qual ele passava. Da mesma forma, após o programa, Murrow solta um longo e aliviado suspiro, revelando a pressão que sentiu durante a exibição.

Boa Noite e Boa Sorte, no entanto, não é formado apenas de acertos. Tive a sensação, ao final, de que o filme parecia incompleto. Talvez tenha entrado no cinema com a expectativa de ver um grande duelo entre Murrow e McCarthy, mas este se resumiu a apenas um ataque do apresentador e uma resposta por parte do senador.

O verdadeiro foco da obra não é a rusga entre os dois, mas a coragem de Murrow e da equipe da CBS em assumir uma posição de contestação diante daquilo que eles achavam incorreto. O roteiro utiliza o duelo para transmitir uma contundente mensagem sobre liberdade de pensamento e sobre ética no jornalismo. Mais do que isso, Murrow torna-se uma espécie de porta-voz de um discurso, ainda atual, sobre a mídia e seu potencial crítico e educativo, relegado a segundo plano em detrimento de programas fúteis e de entretenimento. Mesmo com essa mudança de foco, as discussões entre o apresentador e McCarthy acabam decepcionando, especialmente quando o próprio senador afirma que Murrow não é o único que o ataca, enfraquecendo toda a coragem da equipe da CBS.

Outro aspecto que acaba incomodando é a subtrama envolvendo os personagens de Robert Downey Jr. e Patricia Clarkson. A história do casamento secreto dos dois não leva a lugar algum, deixando a dúvida do por que tanto tempo (especialmente em um filme curto como Boa Noite e Boa Sorte) foi perdido na relação do casal.

Clooney também atua na obra, em um papel de pouco destaque. No quesito atuações, quem realmente se destaca é David Strathairn, que interpreta Murrow com uma força impressionante. Apesar dos gestos mínimos e poucas palavras, a determinação e convicção com que cada palavra do apresentador é dita atinge fundo o espectador. Nunca assisti o programa de Murrow para dizer o quão parecida ficou a caracterização, mas é uma performance poderosa e marcante.

Quem merece comentários também é Frank Langella, que interpreta o dono da CBS. Seu personagem talvez seja o melhor construído, sentindo-se preso entre seu papel como jornalista e suas funções de empresário, dualidade que o ator consegue expressar em poucas cenas.

Boa Noite e Boa Sorte ainda demonstra que Clooney é um autor refinado, tanto em termos visuais quanto na condução da história. Seus dois primeiros filmes comprovam que aquele ator antes preso a papéis de galã pode oferecer muito ao cinema. Seu mais recente trabalho peca em alguns momentos, mas é um filme de grandes qualidades e com uma mensagem contundente.

Ao final, porém, o que fica com o espectador não é o aprendizado de uma parte da História americana ou o nome dos personagens, mas sim a postura ousada e análise crítica e atual de Edward Murrow sobre o verdadeiro papel da mídia e da televisão:

“Este instrumento pode ensinar, pode iluminar; sim, ele pode até inspirar. Mas ele só pode fazer isso se as pessoas estiverem determinadas a usarem-no para esse fim. De outra forma, não passará de fios e luzes em uma caixa.”

HAIKAI 4

E há aqueles que se deixam acorrentar
Perduram sem jamais saber
Que pecado, na verdade, é não pecar