Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Tuesday, May 21, 2013

Buscando sentido.


É inevitável. Assim que ficam sabendo que não sou um cara religioso, as pessoas me perguntam: “Mas se tu não acredita em nada, por que acha que estamos aqui? Pra ti, qual o sentido de tudo?”

Bom, primeiro, nunca disse que não acredito em nada. Acredito em muita coisa. Acredito no ser humano. Acredito na capacidade do nosso cérebro. Acredito na bondade, na generosidade, no respeito. Acredito na busca pelo conhecimento como forma de compreender o universo e a natureza. Acredito na força e na beleza da arte. Acredito na troca de ideias. Acredito na verdade. Se bobear, acredito até mesmo que a Megan Fox um dia vai dar bola para mim. Acredito em muita coisa. Apenas não acredito em superstições, no sobrenatural ou em teorias e doutrinas que, ao que tudo indica, mesmo após milênios, não passam de meras ilusões.

Agora, por que estamos aqui? Qual o sentido de tudo? Pra ser sincero, quem sabe? Tenho a minha opinião, claro. Não é uma opinião formada a partir do nada, mas embasada nas respostas que já busquei para meus próprios questionamentos, fundamentada em todos os livros que já li sobre variados assuntos e, principalmente, originada da minha própria experiência de vida e das observações e reflexões provindas dela. É uma opinião que muitos não conseguem compartilhar, que muitos se recusam a compartilhar, mas que ainda me parece a mais sensata e lógica, diante de tudo o que se sabe até hoje: estamos aqui simplesmente por acaso e não existe um sentido maior para nossas existências.

Muitos acham que essa é uma visão desesperançosa. Mais do que isso, veem esse pensamento como algo amedrontador. Para estes, é inviável, inaceitável, pensar que estamos à deriva na imensidão cósmica, sem algum objetivo, alguma missão ou algo nos esperando quando a morte chegar. Para muitos – a grande maioria –, isso é o mesmo que dizer que a vida é uma imbecilidade, um fútil esforço de décadas que não vale a pena, uma vez que não se chega a lugar algum.

Pois penso exatamente o contrário. Vejo minha forma de encarar essa questão como libertária, uma fuga das amarras de qualquer dogma que me impeça de viver a vida. De viver essa vida, não uma que talvez, quiçá, quem sabe, virá depois. Do jeito que vejo as coisas, a vida é uma só. Essa, aqui, agora. Não há o depois. Assim como não houve o antes. Você não está aqui porque um ser magnânimo o criou à sua imagem e semelhança. Está aqui simplesmente porque, bilhões de anos após o que se imagina ter sido o início do universo, seu pai e sua mãe se sentiram atraídos um pelo outro em um pequeno planeta de uma das incontáveis galáxias existentes e o espermatozoide dele fecundou o óvulo dela, gerando um embrião que virou um feto e depois virou você. É isso. Não há um significado maior para tudo isso. Não há um sentido para a sua vida.

Ou melhor, há. O sentido da sua vida é simplesmente aquele que você dá a ela. Não é algo vindo do além, não é algo que vai cair no seu colo. Não é algo que vai se revelar surgindo do céu. Pode ser difícil de aceitar, mas tudo indica que não há um plano grandioso, um desígnio maior para a sua existência. É muito mais simples do que isso. Quem dá sentido à sua vida é você. Ninguém mais.

Esse sentido pode vir das mais variadas formas. Pode vir da dedicação à música, da entrega à natureza ou de viagens a lugares novos. Pode vir da devoção aos filhos, das conquistas materiais ou do mais puro hedonismo. Pode vir da satisfação de ajudar ao próximo, da realização de objetivos profissionais ou apenas da expectativa pela próxima cerveja no bar com os amigos. Pode vir de tudo isso junto. Vai saber. Mas, seja ele qual for, o sentido da sua vida nada mais é do aquele que você dá a ela.

Como descobrir isso? Tirando a bunda do sofá. Vivendo, experimentando, lendo, aprendendo. Ele não virá de fora, lá de cima. O negócio é se mexer e descobri-lo. Aqui. Nada de esperar pelo que pode existir, mas provavelmente não exista. Viver o agora por uma suposta recompensa pós-morte, que até hoje não passa de um desejo de milhões, parece-me algo inexplicável.

Para muitos, viver desse jeito – sem a certeza de um sentido maior, sem fé em algo divino, sem crença no destino –, é viver uma vida vazia. A meu ver, é o oposto. É uma vida vivida. Vivida com o que é real, com o que existe de fato. É uma vida que não se vive pelo depois. Uma vida que se encontra e se completa aqui mesmo, nessa breve, rica e fabulosa oportunidade que temos de experimentá-la.

E ter isso como sentido de tudo já deveria ser mais do que suficiente.

Wednesday, May 15, 2013

O vício está no ar


- Olá, meu nome é Maurício Pilar e eu sou um viciado em oxigênio.

Não foi fácil para Maurício chegar a este ponto. Antes de ser capaz de reconhecer o seu vício, de procurar ajuda e iniciar o tratamento, Maurício sofreu como qualquer outro dependente.

Por vinte e três anos, o oxigênio foi a sua vida. Sempre que perguntado quando o problema teve início, ele respondia:

- Desde que me lembro.

Mas ele sabia que, na verdade, tudo começou antes mesmo de suas lembranças. A primeira vez que usou oxigênio Maurício provavelmente não tinha consciência do que estava fazendo. Levado por um instinto natural, ele pôs o ar à sua volta para dentro do corpo pela primeira vez quando ainda era um recém-nascido coberto de gosma.

O vício foi instantâneo. Ao preencher seus pulmões com aquele gás, Maurício sentiu o prazer que se repetiria por toda a vida. E nunca mais o largou. O oxigênio tornou-se indispensável. Era parte de si. Ao longo dos anos, ele chegou até mesmo a perder a vergonha. Maurício respirava na frente de todos, alheio a tudo e indiferente aos olhares de seu pai, sua mãe, amigos e colegas.

Como ocorre com qualquer dependente, sua vida seguiu ladeira abaixo. Maurício não conseguia aceitar que era um viciado. Negava o problema de todas as formas. Dizia, inabalado:

- Se quiser, eu paro.

Mas não parava. Nunca parou. O vício foi ficando cada vez pior. Maurício usava oxigênio logo ao acordar. Usava durante o trabalho. Usava em encontros com garotas. Usava em jantares de família, com seus adoráveis avós à mesa. Certa vez, ao acordar durante a madrugada, flagrou-se usando sem ao menos perceber, enquanto dormia.

Foi o momento em que cogitou buscar algum tratamento. Primeiro, tentou abandonar o oxigênio por sua própria força de vontade. Não foi possível. As crises de abstinência eram fortíssimas. Sou rosto ficava roxo, quase azulado, a cabeça começava a doer e logo estava de volta ao oxigênio.

O acontecimento definitivo para aceitar ajuda foi em uma partida de futebol com os amigos. Ao receber um lançamento pelo lado esquerdo do campo, Maurício precisou correr como nunca antes tinha corrido para alcançar a bola. Logo em seguida, sentiu uma inédita necessidade de oxigênio. Começou a respirar de forma acelerada, incontrolável, incessante. Inspirava, expirava, inspirava, expirava. Precisou sair do jogo para sustentar seu vício.

Ao final do jogo, comentou:

- Hoje vi que estou dependente demais. Preciso tratamento.

Assim o fez. Na clínica, encontrou um novo sentido para a sua existência. Ao interagir com outros respirólatras, Maurício se identificou. Viu que não estava sozinho. Ele poderia superar o problema caso se dedicasse de forma completa e irrestrita.

Com o apoio dos colegas, pouco a pouco foi deixando para trás aquela vida. Evoluiu, vagarosamente, para superar o problema. Sentia-se feliz como nunca antes. As possibilidades se abriam. O futuro era amplo. A felicidade, sua nova companheira.

Após muita luta e muito esforço, após uma entrega quase total, ele conseguiu. Em um instante mágico à beira da piscina azul, ao lado de novos amigos e sob um insistente sol de janeiro, percebeu que havia largado de vez o oxigênio.

Maurício, finalmente, livrara-se do vício.

Três minutos depois, estava morto.