INIMIGOS PÚBLICOS
Por falta de tempo, não vou escrever uma crítica aos moldes de sempre sobre Inimigos Públicos. Até gostaria, pois o filme merece. Mas quero deixar um comentário registrado sobre mais esse grande trabalho de Michael Mann. Como provavelmente tem gente desinformada por aí e nunca ouviu falar do filme, esclareço: Inimigos Públicos se passa nos anos 30 nos EUA, os anos chamados de Grande Depressão, alcunha da época de dificuldades surgida após a quebra da bolsa de valores em 29. A história é sobre John Dillinger, um famoso assaltante de bancos, e a jornada dos homens da Lei para capturá-lo – estes, liderado pelo agente Melvin Purvis. Ok, vamos ao comentário, que espero ser breve. Inimigos Públicos é quase uma obra-prima. Quase. Mann fez, sem dúvida, um dos grandes trabalhos do ano, mas que poderia ter sido genial caso o cineasta tivesse polido melhor a subtrama envolvendo o agente Purvis. Interpretado por Christian Bale, Purvis é um mistério para a plateia. Nada é apresentado para permitir uma maior compreensão do personagem, o que reduz aquilo que poderia – e talvez deveria – ter sido o centro da obra: o embate entre a ordem e a desordem, entre a Lei e o crime, entre Purvis e Dillinger (Mann já trabalhou sobre dualidades em outros de seus filmes, como Fogo Contra Fogo, O Informante e Colateral). O agente é oco, vazio, desprovido de personalidade, e Bale, apesar de grande ator, nada pode fazer com o material. Isso fica ainda mais escancarado quando John Dillinger surge como um personagem forte e complexo, repleto de carisma. O bandido domina o filme e faz de Purvis uma mera sombra pálida, incapaz de proporcionar o equilíbrio ao duelo. Dillinger é interpretado de forma brilhante pelo grande Johnny Depp (a versatilidade do ator é algo que sempre surpreende), que compõe o personagem como um verdadeiro poço de autoconfiança e charme, sem deixar de lado o aspecto humano. Assim, o que poderia ter sido uma grande saga sobre o crime na linha de seu próprio Fogo Contra Fogo ou Batman – O Cavaleiro das Trevas acaba como um grande filme sobre um único personagem: John Dillinger. Para se ter uma idea, ao final da produção alguns dos policiais parecem infinitamente mais interessantes do que Purvis, como o gorducho que espanca Billie e o agente Winstead. Tirando essa falha, tudo é impecável. Desde o preciosismo da recriação da época à belíssima utilização da trilha sonora, passando pelo contexto sobre as celebridades e chegando até a interpretação de Marion Cotillard, Inimigos Públicos é um grande filme. Mas é único graças a Michael Mann. O cineasta ainda é um dos poucos “autores” do cinema norte-americano e filma de maneira extremamente peculiar: a cada poucos minutos, Mann (com a ajuda do fotógrafo Dante Spinotti) apresenta um plano diferenciado e original, que, somado à utilização de câmera digital, captura expressões dos atores e atmosfera do momento com perfeição. Mais do que isso, o diretor é um artesão hábil ao construir sequências inteiras impecáveis, como aquela na qual Dillinger para em um sinal vermelho durante uma fuga, o extraordinário e divertido momento no qual invade o quartel-general da força-tarefa criada para capturá-lo, e, claro, os tiroteios. Se a cena de Fogo Contra o Fogo é lembrada até hoje como referência, o mesmo vai acontecer com os confrontos de Inimigos Públicos. Ao contrário do que normalmente ocorre, Mann corta a trilha sonora, apostando no impressionante trabalho dos efeitos sonoros para trazer realismo às cenas. Além disso, seu estilo de filmar praticamente “joga” o espectador para o meio das balas a níveis absurdos de tensão. Ninguém – repito, ninguém – filma um tiroteio como Michael Mann. Na verdade, ninguém filma qualquer coisa como Michael Mann. Mesmo com alguns deslizes, seus trabalhos são obras sempre únicas, repletas de visão e talento. E Inimigos Públicos, desde já, é um dos melhores.
Nota: 8.5
Nota: 8.5