Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Friday, December 18, 2009

AVATAR


AVATAR
De James Cameron. Com Sam Worthington, Zoe Saldana, Sigourney Weaver, Stephen Lang, Michelle Rodriguez e Giovanni Ribisi.


O ano era 2007. Após muitos meses de turbulenta produção, James Cameron finalmente se preparava para lançar o seu trabalho mais ambicioso. À época, contava-se que Titanic era o filme mais caro de todos os tempos e que jamais alcançaria nas bilheterias o retorno do investimento. Muitos imaginavam um desastre total e manchetes óbvias já eram criadas associando a palavra “naufrágio” ao – supunha-se – pífio desempenho da produção. Como hoje se sabe, a grande maioria estava enganada e Titanic fez história.

Ao longo dos anos, tornou-se possível analisar Titanic de forma mais distante, longe de todo o hype. Indiscutivelmente, a história do amor de Jack e Kate em meio ao naufrágio mais famoso de todos os tempos ganhou seus detratores, muitos deles apenas receosos de aplaudir um sucesso dessa escala. Titanic, porém, é um grande filme. Com problemas, sim, como momentos piegas e roteiro por vezes superficial, mas um filme que leva o espectador a uma viagem fantástica e a uma experiência única.

Pois Avatar, de certa forma, é como Titanic. Mais uma vez, a expectativa pelo produto final era alta. Mesmo que o material liberado até então não empolgasse, Cameron dizia se tratar de uma obra revolucionária, que poderia modificar o cinema daqui para a frente. Como há doze anos, muitos já asseguravam o fracasso do filme. Avatar, porém, para resumir em apenas uma palavra, é deslumbrante. Assim como Titanic, tem problemas narrativos típicos do cinema de Cameron, mas é uma obra incrível e empolgante, com grandiosidade poucas vezes igualada.

A história de Avatar se passa no futuro e leva o espectador a um planeta chamado Pandora, onde os humanos estabeleceram pequenas bases militares com o objetivo de obter um valioso minério encontrado apenas naquele solo. É lá que desce Jake Sully, militar preso a uma cadeira de rodas. Sully vai fazer parte do chamado programa Avatar, que o permite assumir o corpo de um Na’Vi, espécie habitante do local, para conhecer um pouco mais sobre os nativos. Aos poucos, Sully vai entrando em contato com a cultura e se identificando com aquele povo, ao mesmo tempo em que se apaixona por uma delas. Mas quando os militares declaram guerra aos Na’Vi, Sully precisa decidir o lado no qual quer lutar.

Muito se falou, ainda antes do lançamento, sobre a revolução tecnológica que Avatar iria causar. É difícil, no entanto, mesmo após assistir ao filme, mensurar o impacto que ele terá em produções futuras. Essa é uma daquelas afirmações que somente o tempo pode fazer. Revolucionário ou não, é inegável que se trata de uma imensa conquista e um filme espetacularmente bem feito. O CGI e a captura de performance atingem outro nível com Avatar, em um avanço nítido e claro até mesmo a olhares menos acostumados. Essa conquista fica muito clara quando se vê os personagens em tela: a fluidez de movimentos e as expressões faciais são absolutamente impecáveis. Cameron conseguiu, inclusive, eliminar os olhares vazios das criaturas, maior problema da tecnologia até hoje – pela primeira vez no cinema, os olhos de personagens gerados por computador parecem ter vida.

Ainda que este seja o feito técnico mais significativo, é impossível não se maravilhar com o mundo que Cameron e sua equipe criaram a partir do zero. Pandora é um planeta construído de forma complexa, com fauna, flora e mitologia bem desenvolvidos, em um louvável exercício de criatividade e imaginação por parte do cineasta. Desde a floresta luminescente, passando pelos “insetos helicópteros” e chegando até as fenomenais montanhas flutuantes, Pandora surge na tela com uma riqueza absoluta de detalhes, fazendo este novo mundo realmente ganhar vida. Mais do que isso, o lado técnico da produção faz o planeta vibrar com cores e formas que realmente justificam a frase-clichê sobre “levar o espectador a outro mundo”.

E James Cameron aproveita tudo isso para fazer de Avatar um grande filme. Ainda que o roteiro não alcance o nível do restante, o diretor, responsável por alguns dos momentos mais icônicos do cinema nos últimos trinta anos, constrói cenas realmente capazes de tirar o fôlego da plateia, pela combinação da beleza visual com o aspecto poético das composições. São momentos como o de Neytiri hesitando atirar ao perceber a presença de um espírito livre ou a união entre ela e Jake em meio aos cipós brilhosos. A mais bela cena de Avatar, porém, na qual Cameron consegue realmente atingir a magia rara e única do cinema, é aquela com Neytiri segurando Jake em forma humana em seu colo: é o momento catártico e mais emocionante de todo o filme, no qual os dois personagens – e, por consequência, a plateia – compreendem a ligação existente entre eles. Simplesmente arrebatador.

Cameron, aliás, acerta também na forma como utiliza o 3D (por sinal, as legendas funcionam muito bem e deixam dúvida sobre os motivos que levaram à demora para se fazer isso aqui no Brasil). Sim, Avatar é visualmente espetacular e deve ser visto na terceira dimensão para uma experiência ainda mais completa, porém o cineasta não faz uso do recurso como um fim por si só. Não há momentos gratuitos: quem espera mãos “saindo” da tela ou objetos sendo “jogados” em direção ao espectador vai ficar decepcionado. Em Avatar, o 3D não serve para mascarar um filme sem ideias ou qualquer valor cinematográfico, mas como forma de tornar Pandora um mundo mais real e, assim, realçar o alcance da história e da jornada dos personagens.

Falando nisso, a trama de Avatar, apesar de ser o elo mais fraco do filme, oferece o subsídio necessário para que o filme atinja os objetivos propostos. O enredo não prima pela originalidade, seguindo uma estrutura já vista em diversas outras obras, como Dança com Lobos e O Último Samurai, pelo caminho percorrido pelo herói, e Matrix e Substitutos, no que concerne o programa Avatar. As semelhanças com o filme de Kevin Costner, porém, são mais gritantes, uma vez que os Na’Vi são retratados como uma espécie de indígenas: utilizam arco e flecha, não vivem em grandes construções e possuem forte ligação com a sua terra. Quando bem utilizado, como em Dança com Lobos e aqui, este conceito batido acaba fisgando o espectador: difícil não simpatizar com a jornada de um personagem que cresce ao se sentir parte de outro povo e outro lugar, decidindo lutar por tudo aquilo que acredita ser correto, mesmo contra suas próprias origens.

E essa é a trajetória de Jake Sully, o protagonista de Avatar. Quando o filme tem início, Sully é um ex-soldado paraplégico, que aproveita a oportunidade do programa Avatar para se sentir útil novamente. Esta, aliás, é mais uma excelente ideia de Cameron, que acaba por dar outra dimensão à história. A primeira vez que assume a pele de um Na’Vi, por exemplo, é interessantíssima: Sully se sente praticamente embriagado com a possibilidade de correr e sentir novamente as suas pernas que acaba indo contra as recomendações dos responsáveis pelo programa. Ao longo da projeção, a plateia acompanha a transformação sofrida pelo personagem, que começa a fazer parte daquele povo, em uma jornada construída de maneira eficaz, gradual, fazendo com que a mudança de Sully se torne crível ao espectador.

O mesmo vale para o desenvolvimento da relação entre Sully e Neytiri. Por vezes, ela parece apressada, como se pulasse etapas. No entanto, o romance entre os protagonistas funciona em termos gerais e a plateia não somente acredita nesse relacionamento como também torce por ele, o que é fundamental para que as cenas de batalha cresçam em termos de tensão e emoção. Alguns dos momentos nos quais os dois dividem a tela são belíssimos, colaborando para superar os deslizes do roteiro e da narrativa de Cameron.

Enquanto isso, o cineasta acerta na mosca ao construir a mitologia dos Na’Vi. Seres fascinantes desde a sua compleição física, Cameron os apresenta como um povo extremamente unido e espiritualizado, cuja relação com a natureza e o mundo que os cerca é íntima – o que pode ser percebido pela ótima ideia da “ligação” entre eles e os animais. Os Na’Vi sentem a natureza, sabem que fazem parte dela e isso justifica os sacrifícios para protegê-la. Cameron aproveita esse lado da história para transmitir sua mensagem sobre o meio ambiente: ela pode ser óbvia e nada sutil, mas ainda assim é bela e faz completo sentido dentro da história. Da mesma forma, o roteiro ainda acha espaço para uma mensagem anti-guerra, inclusive criticando a política belicista norte-americana, como fica claro na frase: “Enfrentaremos o terror com o terror”.

Não obstante acertar em diversos aspectos, o roteiro possui sua gama de problemas, derrapando em certas simplicidades. Além daquelas já citadas, o texto de Cameron é limitado ao tratar tudo como se fosse preto e branco: os mocinhos e os vilões são bem definidos e, para piorar, estes últimos são tratados de forma unidimensional, sem qualquer espécie de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, alguns dos diálogos pecam pela superficialidade, enquanto a história apela mais vezes do que necessário para situações deus ex machina, nas quais os personagens são salvos de última hora por alguma intervenção.

São falhas como essa que deixam Avatar um pouco abaixo da posição que poderia ocupar na história do cinema. Ainda assim, é um grande filme, uma obra de incrível imaginação, cujas três horas passam a uma velocidade incrível. A riqueza nos detalhes e a grandiosidade da história são tamanhas que praticamente todas as cenas têm sua razão de existir. Assim como Titanic, Avatar possui alma e é realizado com tanta paixão que os problemas tornam-se pequenos perto do que é oferecido. Uma conquista magnífica e uma experiência visual e sensorial única, daquelas que apenas o cinema é capaz de proporcionar.

Nota: 8.0

Tuesday, December 08, 2009

O senhor do buquê de lírios.

Até hoje, mais de dez anos após ter recebido o seu diploma de jornalista, a lembrança mais forte que Letícia Maia tem da faculdade é a história do senhor do buquê de lírios. O pouco que soube sobre aquele homem ainda é capaz de mexer com os seus sentimentos e despertar-lhe a mais profunda compaixão.

Na época, ao menos duas vezes durante a semana, Letícia costumava sair da aula no final de tarde para alguns momentos de descontração em um pequeno bar ao lado da faculdade. Era um lugar modesto, mas aconchegante, daqueles nos quais o único garçom e o dono realmente ficavam felizes com a presença de clientes fiéis.

Reuniam-se sempre em cinco ou seis colegas, tomando cerveja. Letícia, como sempre, era a que mais falava, expressando suas firmes opiniões sobre os mais variados assuntos. Nos instantes em que dava oportunidade para os colegas, ela observava a praça que havia em frente ao bar. No final da tarde, o sol que passava por entre os galhos das árvores gerava uma visão belíssima, com seus raios dourados iluminando o local.

Hoje, quando conta a história, Letícia tem dificuldades em lembrar quando viu pela primeira vez aquele senhor. Talvez tivesse passado o olhar por ele em outras ocasiões, mas não saberia dizer. A primeira lembrança que tem é dele vestindo uma camisa cor de vinho, calça bege e sapatos impecavelmente lustrados de preto. Sentava um pouco encurvado no lado direito de um banco que havia no centro da praça. Nas mãos, mesmo à distância, perceptivelmente frágeis, um maravilhoso buquê de lírios.

Letícia não soube dizer porquê, mas a visão daquele senhor ali sentado, sozinho, vestido com esmero, realmente chamou a sua atenção.

- Que foi, Lê? – perguntou Antônia, uma de suas colegas, quando viu que a amiga estava alheia à conversa.

- Nada de mais – Letícia falou, desviando o assunto e sorrindo. – Apenas estava pensando em outra coisa.

Porém, por mais que tentasse participar do assunto que os amigos discutiam, Letícia não conseguia ficar focada na mesa. Seu olhar sempre retornava ao velhinho que, sentado praticamente imóvel, esperava pacientemente por algo que não chegava. “Deve ter o quê?”, pensava Letícia. “Uns 75 anos, talvez?”, respondia para si mesma, admirada.

A partir de então, Letícia começou a cuidar o senhor da praça. Sempre que se reuniam no bar, ela buscava o melhor lugar para ficar observando seus movimentos. Nem sempre ele estava lá, mas, quando aparecia, o ritual permanecia igual: sentava-se sempre no mesmo lugar do mesmo banco, segurando em suas mãos um buquê de lírios. A única diferença era a sua roupa. Letícia não lembrava de tê-lo visto repetir a mesma camisa.

Ainda que fascinada pelo mistério de tudo aquilo, seu espírito jornalístico pedia por explicações. Certo dia, levantou-se da mesa avisando aos colegas que iria ao banheiro e dirigiu-se a Douglas, dono do local.

- Seu Douglas, o senhor já viu aquele senhor sentado no banco da praça?

Douglas, um amável homem de meia idade, nem olhou para a praça. Já sabia do que Letícia falava e respondeu de prontidão, com um sorriso no rosto:

- Fala do senhor Matias, Letícia? Ele já é lendário por aqui.

- Lendário? – Letícia estava ainda mais interessada. – Por que lendário?

- Por causa da história dele. Ou melhor, por causa da história dele e dela.

Letícia já esquecera de seus amigos. Tinha toda a sua atenção voltada para Douglas e para a história do senhor do buquê de lírios.

- Vai me contar, não vai, seu Douglas? – ela falou, sorrindo.

Douglas sorriu em retribuição.

- Ninguém sabe direito os detalhes – começou ele. – A história que todos comentam pode não passar de boato. Mas qualquer um aqui por perto vai te falar que, há aproximadamente vinte e cinco anos, o senhor Matias conheceu uma belíssima mulher ali mesmo, naquele banco. Dizem que os dois viveram um rápido romance e que se amavam profundamente. Um dia, ela simplesmente não apareceu mais.

Letícia ouvia atenta, sem nada dizer. Douglas prosseguiu:

- Parece que, um ou dois anos depois de ela ter ido embora, o senhor Matias recebeu uma carta. Dizia: “Espere-me em nosso banco, em nossa praça, no final da tarde de sexta-feira”. Desde então, toda sexta-feira, a esse horário, o senhor Matias aparece para esperar pela mulher. Fica ali aproximadamente uma hora e, como ela não aparece, levanta-se, pega seu buquê e vai embora.

- E ele nunca falhou?

- Nunca. Já são mais de vinte anos e ele sempre aparece na sexta-feira.

- Alguém sabe quem ela é?

- Muitos a viram quando eles viveram o romance, mas ninguém saber dizer quem é a mulher.

A história do senhor do buquê de lírios encantou Letícia. Mais do que isso, a deixou inebriada. Achava fascinante a incansável esperança do senhor Matias em reencontrar a sua mulher amada. Letícia não tinha mais informações sobre a vida do homem. Porém, apenas saber que tal dedicação existia, apenas a consciência de que, em algum lugar, alguém parava a vida no sonho de reencontrar aquilo que o faria feliz, fez Letícia encher-se de admiração pelo senhor.

Decidiu que precisava descobrir o que o movia. Precisava entender porque ele não seguia adiante com sua vida ou partia em busca de um outro amor. Por que a entrega total àquela única mulher? Letícia se considerava uma mulher romântica, mas a atitude do senhor do buquê de lírios parecia extrema demais inclusive para ela. Seria possível existir um sentimento assim?

Devido às aulas, Letícia não conseguiu voltar ao bar ou à praça durante três semanas. Quando finalmente pôde se liberar, estava disposta a falar com o impressionante senhor Matias. Queria ouvir o que ele tinha a dizer. Passou rapidamente em casa, pôs um de seus melhores vestidos e retocou a maquiagem. Queria estar bonita para quando o encontrasse. Uma história assim merecia o melhor dela.

Ansiosa, pegou um táxi até a praça. Chegara cedo demais. Jamais havia estado ali naquele horário. A beleza do local não era tão etérea quanto a do final de tarde, mas o sol mais forte iluminava toda a praça, que resplendia no colorido das flores, causando uma sensação de bem-estar em todo o seu corpo. Lentamente, caminhou até o banco.

O banco do senhor Matias. O banco onde tivera início a mais tocante história de amor que já ouvira.

Sentou-se no lado esquerdo, lembrando que o senhor do buquê de lírios escolhia sempre o outro.

E aguardou.

Para sua surpresa, percebeu que estava nervosa. O olhar não parava em lugar algum, como se procurasse incessantemente alguma coisa. Olhava as pessoas, crianças, jovens, adultas e idosas, passeando despreocupadamente, sem saber que a poucos passos dali uma grande história ocorria há mais de vinte anos. Uma história que, Letícia pensava, precisava ser conhecida.

Decidiu que escreveria sobre ela. O amor do senhor Matias não podia se perder com o tempo. Mesmo que ainda fosse apenas uma estagiária no jornal, ela escreveria a história para apresentar ao editor. Se ele topasse publicar, ótimo. Se não topasse, pensaria em outra forma de torná-la pública. O senhor do buquê de lírios merecia isso.

Subitamente, deu-se conta de que já passava do horário no qual o senhor Matias sempre chegava. A luz se tornava dourada em torno da praça, envolvendo-a naquela névoa única do pôr-do-sol. Os olhos de Letícia encontraram os de Douglas no outro lado da rua, em frente ao bar. Ele, que já havia compreendido o que ela fazia ali, virou as palmas das mãos para cima, como se também não entendesse a ausência do idoso.

Letícia suspirou e baixou a cabeça. Ficou assim por longos minutos, tentando compreender o que acontecera. Durante mais de vinte anos, Matias nunca deixou de sentar-se naquele mesmo banco, com um buquê de lírios, esperando a mulher que tanto amou. Letícia ficou com medo de que algo pudesse ter acontecido a ele. Um homem frágil, de idade já avançada, poderia muito bem ter passado mal ou sofrido um acidente.

Então, porém, sorriu. Sorriu porque compreendeu. Sorriu porque entendeu a lição do homem do buquê de lírios. Se ele mantivera durante todo esse tempo a esperança, por que ela, Letícia, a perderia em poucos minutos?

Respirou fundo e baixou a cabeça mais uma vez. Quando a levantou, o nervosismo havia passado. Enxergava tudo de maneira diferente. Acompanhou os últimos raios de sol buscando espaços por entre as folhas das árvores. De maneira quase mágica, terminavam diretamente no lado direito do banco.

Sorriu novamente, levantou-se e começou a caminhar. Foi embora refletindo sobre uma ideia que acabara de surgir em sua mente: que o amor só existe para quem vive a esperança de encontrá-lo.

Monday, December 07, 2009

(500) DIAS COM ELA


(500) DIAS COM ELA - (500) DAYS OF SUMMER
De Marc Webb. Com Joseph Gordon-Levitt, Zooey Deschanel, Geoffrey Arend, Chloe Moretz e Clark Gregg.


ATENÇÃO: ESTE TEXTO CONTÉM DETALHES IMPORTANTES DA TRAMA. RECOMENDA-SE A LEITURA APENAS A QUEM JÁ ASSISTIU AO FILME.

A comédia romântica é um dos gêneros mais populares do cinema. Em todo o mundo, pessoas se unem para assistir a história de casais que, quase inevitavelmente, terminam juntos no final. Não importa que a fórmula seja sempre a mesma: rapaz conhece a garota, rapaz perde a garota, rapaz recupera a garota. Esta clássica – e cansada – estrutura é um ponto de conforto para estúdios e cineastas, que temem ousar para não correrem o risco perder a fórmula e, por consequência, os milhões de dólares. O que, usualmente, faz uma comédia romântica funcionar ou não é a química entre o casal. São raros os filmes nos quais algo além disso é oferecido.

(500) Dias com Ela é um deles. A obra aborda 500 dias na vida de Tom Hansen, um romântico escritor de cartões comemorativos. O primeiro dia da história contada aqui é aquele no qual ele conhece Summer, sua mais nova colega de trabalho. Fascinado com a garota, Tom aos poucos começa a se aproximar dela, o que acaba virando uma espécie de relacionamento. O problema, para ele, é que a moça não está disposta a oficializar essa relação, o que acaba gerando problemas entre os dois.

A trama, no entanto, não se desenrola de forma cronológica e previsível como essa sinopse pode levar a entender. Desde o início, uma narração deixa claro que não se trata de uma história de amor comum como a que os cinemas estão acostumados a receber. O diretor Marc Webb e os roteiristas Michael H. Weber e Scott Neustadter estão mais dispostos a brincar com as expectativas da plateia do que oferecer aquilo que ela espera. (500) Dias com Ela é um filme repleto de pequenas ideias que, somadas, acabam resultando em uma obra original, divertida e, como toda comédia romântica deve ser, simplesmente adorável.

A grande sacada do filme é a forma com a qual subverte as regras do gênero. Quando (500) Dias com Ela tem início, o espectador encontra Tom em um momento depressivo, logo após ter encerrado o relacionamento com Summer, que considerava ser a mulher da sua vida. Ele afirma categoricamente: “Não quero esquecê-la, quero recuperá-la”. Logo em seguida, o filme leva a plateia de volta até o “dia 1”, quando Tom e Summer se conheceram. Neste momento, parece que (500) Dias com Ela seguirá a seguinte estrutura: o público acompanhará o início do romance entre os dois para, no ato final, presenciar a forma com a qual Tom convence a garota a voltar para ele.

Nada, porém, poderia ser mais equivocado. Em primeiro lugar, os roteiristas Weber e Neustadter apostam em uma narrativa não-linear, utilizando-se de diversas idas e vindas no tempo. Assim, a plateia é convidada a montar, junto a Tom, o emaranhado de lembranças sobre o relacionamento, colocando-se lado-a-lado com o personagem na busca por tentar montar o quebra-cabeça. Nesse sentido, o recurso utilizado por Webb de colocar os cartões com os respectivos dias nos quais os fatos aconteceram passa de apenas um exercício de estilo para se tornar uma ferramenta extremamente adequada e útil para a total compreensão do filme – sem contar que ela é utilizada de forma criativa, como quando o cineasta usa uma única imagem para ilustrar diversos dias, como se o cotidiano de Tom não tivesse saído daquilo durante o período.

Aliás, esse é um exemplo do estilo através do qual (500) Dias com Ela é realizado. Marc Webb utiliza diversos recursos para contar a sua história e ilustrar os sentimentos dos personagens. São inserções de desenhos animados, filmes dentro do filme, dessaturização de cores, telas divididas e diversos outros, o que imprime maior dinamicidade à obra e fluidez à narrativa. Por vezes, fica a sensação de que este é o tipo de filme que Jorge Furtado faria caso fosse um cineasta norte-americano: uma história juvenil, criativa, repleta de sacadas e com várias referências à cultura pop.

E é impossível escrever sobre (500) Dias com Ela sem comentar algumas das “brincadeiras” de Webb. O cineasta constrói algumas cenas que não apenas funcionam isoladamente, mas se encaixam de maneira orgânica à trama, mesmo que a natureza indique que o contrário irá ocorrer. É o caso, por exemplo, da cena musical e dos filmezinhos aos moldes da nouvelle vague e O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman, perfeitos em sua homenagem ao cinema e na forma como representam o estado de espírito de Tom naquele instante. Mas o momento mais inspirado de Webb talvez seja a cena na qual ele apresenta, ao mesmo tempo, a presença do personagem em uma festa, separando a tela entre suas expectativas para o evento e o que realmente aconteceu. Além de ser divertida e uma ótima ideia em termos visuais, ela leva o espectador para mais perto do personagem, deixando ainda mais claro os sentimentos dele em relação a Summer.

Este, por sinal, é um dos méritos da direção de Marc Webb. O diretor emprega, sim, uma série de artifícios visuais em sua história, mas nenhum deles é gratuito ou chama a atenção por si só. Pelo contrário, têm função definida dentro de um contexto, ajudando a levar a trama adiante e construindo identificação entre o casal e a plateia. O já citado recurso da não-linearidade, por exemplo, além de funcionar para estabelecer a confusão das memórias de Tom, ainda permite Webb criar algumas rimas visuais interessantes, contrapondo cenas idênticas em momentos diferentes dos personagens: é difícil não se divertir quando o cineasta utiliza exatamente os mesmos planos de Zooey Deschanel em dois momentos distintos, um com o protagonista dizendo o que gosta em Summer e outro, após o fim da relação, com ele afirmando que odeia exatamente o que antes amava.

Mas, para realmente dar certo, uma comédia romântica precisa fazer a plateia acreditar no relacionamento daqueles personagens. (500) Dias com Ela atinge esse objetivo principalmente pela presença de Joseph Gordon-Levitt e Zooey Deschanel. Ele, um ator interessante que vem demonstrando talento através de uma série de filmes independentes, compõe Tom com uma mistura de leveza e ingenuidade, tornando-o vulnerável e extremamente divertido. Deschanel, por sua vez, segue uma atriz adorável e competente, acertando ao manter o tom misterioso da personagem. E Webb demonstra, aqui, mais uma vez, saber o material que tem em mãos, não se cansando de explorar os grandes e chamativos olhos azuis da atriz – as roupas azuis dos figurantes na cena musical, aliás, é uma referência de como o personagem está encantado com a beleza desse olhar.

O mais importante, porém, é o fato de que ambos funcionam maravilhosamente quando estão juntos em tela. A química entre o casal é perfeita e a aproximação entre os dois é realizada de forma crível e gradual. A plateia realmente tem motivos para acreditar na paixão daquelas duas pessoas, o que faz com que torcer pelo final feliz do casal se torne muito mais fácil. Assim, o público é completamente envolvido na trama e nem mesmo os pequenos deslizes da trama chegam a incomodar, como é o caso da irritantemente evoluída irmã de Tom ou das inevitáveis piadinhas envolvendo os personagens coadjuvantes, outra característica comum do gênero.

E o destino do casal é mais uma opção de coragem de Marc Webb e dos roteiristas, o que também acaba ajudando para diferenciar (500) Dias com Ela da grande maioria dos filmes do gênero. Ao invés de fazer a plateia apenas acompanhar as dificuldades deles até ficarem juntos ao final, o filme prefere uma abordagem mais realista e original, surpreendendo o espectador pela intransigente dureza com a qual se encerra. (500) Dias com Ela não é uma obra sobre um casal que se conhece para viver feliz para sempre, mas apenas uma história sobre duas pessoas que passaram um tempo juntos e aprenderam muito com isso. De certa forma, é a história de um ex-relacionamento e não do verdadeiro amor, o que é extremamente raro de ver no cinema: para Summer, Tom não passou de mais um caso antes de conhecer seu homem ideal e, ainda que ele tivesse outra esperança, o relacionamento teve que ser assim também para ele.

É dessa forma madura que Marc Webb encerra um filme que se esperava ser básico. Obviamente, a forma com a qual apresenta a sua história, através de uma linguagem videoclíptica e do humor, torna a obra acessível ao público mais jovem, o que justifica seu sucesso. (500) Dias com Ela, porém, tem mais pretensões, nas quais é extremamente bem-sucedido. É um filme que não respeita as regras do gênero ao qual deveria estar inserido e ousa apresentar originalidade e novas ideias. E, por isso, merece ser lembrado não apenas como uma comédia romântica juvenil, mas um grande filme por si só.

Nota: 8.0

Thursday, December 03, 2009

Carta ao Presidente

Caro Presidente Duda Kroeff

Tenho certeza de que o senhor está acompanhando todas as manifestações sobre a partida de domingo. De um lado, estão os colorados, indignados com a possibilidade de entregarmos o jogo e de torná-los vices, mais uma vez. De outro, estamos nós, gremistas, ansiosos pela oportunidade de sacanear o grande rival, mesmo que a custo de uma derrota de nosso próprio clube.

Não preciso explicar este cenário ao senhor. Como homem inteligente, sei que o senhor tem consciência de tudo o que está em jogo. E entendo as declarações que deu afirmando que o Grêmio jamais entrará para perder. É necessário falar isso, compreendo. Faz parte da politicagem e, de certa forma, também é uma maneira de se preservar, evitando represálias dos tribunais, que estão de olhos abertos para qualquer sinal de corpo mole.

Mas, cá entre nós, sei que o senhor também quer a vitória do Flamengo. Ao menos, é o que espero de um gremista. E o senhor é gremista, não é? A diferença é que nós podemos gritar isso para quem quiser ouvir, o senhor não. Nós podemos expor aos quatro ventos que, no domingo, não queremos vencer. O que importa é tão-somente não deixar nosso maior rival levar para casa o quarto título do Campeonato Brasileiro.

Presidente, agora é a sua hora. Melhor do que ninguém, o senhor sabe que não está bem cotado junto à torcida gremista. O ano de insucessos e os erros cometidos na temporada fizeram com que a nação tricolor encerrasse o ano com um pé atrás em relação a toda a diretoria. Pois bem, senhor Presidente, essa é a chance de redenção. Esse é o momento de fazer a torcida voltar para o lado de vocês. Façam o que ela pede.

O senhor, os demais diretores, os jogadores e a comissão técnica estão sempre falando diante dos microfones que o Grêmio só existe por causa da torcida. Dizem que os seguidores são o maior patrimônio do clube. Então, escutem-na. Escutem-nos. Não queremos o Inter campeão. Principalmente às nossas custas. Gremista algum quer carregar consigo, por toda a vida, a culpa de saber que o maior rival ganhou um título nacional por nossa causa.

Honra? Dignidade? Tudo isso é muito bonito, mas não cabe aqui. Os colorados estão apelando para estes valores como se isso tivesse alguma coisa a ver com o que vai acontecer domingo. Não tem. Os gremistas só não querem ver o Inter campeão. Simples. Seria exatamente igual se o cenário fosse inverso. Nada relacionado a honra e dignidade. É pura e simplesmente, a divertida, honesta e abençoada rivalidade.

Afinal, sabemos todos que uma das principais razões para o futebol ser tão bonito e apaixonante é essa rivalidade. É a competitividade, a emoção, a provocação entre duas torcidas. Sem o Inter, o Grêmio não seria tão grande, e vice-versa. Sem a disputa – saudável e sem violência, sempre –, o futebol perderia muito de sua graça. Peço, Presidente, que o senhor faça jus a essa rivalidade que move o coração de milhões e milhões de gaúchos.

Dirijo essa carta ao senhor porque sei que, ao final, a decisão será sua. Como a maior autoridade do clube, cabe ao senhor bater o pé em relação ao time que vai entrar em campo. Tem gente por aí dizendo que, devido ao retrospecto gremista longe do Olímpico, toda a polêmica é gratuita, pois não ganharíamos do Flamengo com o time titular. Eu digo: por que arriscar?

Presidente Duda Kroeff, espero que, como gremista, o senhor tome a decisão que toda a torcida espera.