Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Wednesday, May 26, 2010

O final de 'LOST'.

Chorei no episódio final de Lost. Pronto, falei. Melhor despejar isso de uma vez. Sim, chorei. E confesso: não foi a primeira vez que derramei lágrimas nestes seis anos da série. Por quê? Primeiro, pelo fato de que sou um idiota e choro sem muita dificuldade em filmes ou seriados. Segundo, e principalmente, porque, ao longo de toda a sua já histórica jornada, Lost foi praticamente impecável no que diz respeito ao desenvolvimento de seus personagens, fazendo com que a plateia compreendesse, torcesse e se emocionasse junto a eles.

Muito disso se deve à própria estrutura da série. Os flashbacks da primeira temporada foram uma sacada genial, que estabelecia paralelos entre o que acontecia com os personagens dentro da ilha com tudo o que haviam vivido fora dela. Assim, ficamos conhecendo o trauma de infância que levou Sawyer e se tornar um golpista, os problemas de Jack com seu pai, o passado de Sayid como torturador do exército iraquiano, a “prisão” de Locke em uma cadeira de rodas e muito mais sobre cada um deles. Os personagens de Lost se tornaram, dessa forma, mais do que meras obras de ficção originadas na cabeça de imaginativos roteiristas; eram – e ainda são – tridimensionais, quase pessoas de carne e osso, cujas atitudes, escolhas e decisões eram compreendidas e tinham coerência com o que sabíamos a respeito deles.

Nesse sentido, concordo com os produtores quando diziam que Lost, na verdade, não era sobre a ilha, mas sobre pessoas. O problema é que, em essência, toda boa história o é. Nenhum grande filme, nenhum livro clássico, nenhuma narrativa de qualidade se sustenta sem ter personagens interessantes e bem construídos com os quais possamos nos identificar ou estabelecer uma conexão. Até aí, ponto para a série. Carlton, Damon, J.J. e equipe foram fantásticos nesse sentido. No entanto, Lost quis ser mais do que isso. Não fomos nós, os fãs, que pedimos para que fosse criada toda uma mitologia em torno da ilha. Foram eles, roteiristas e produtores, lá em Hollywood ou em uma cabana no Havaí. Eles inventaram todos estes mistérios e não respondê-los me parece uma sacanagem com quem realmente esteve ao lado deles durante este tempo.

Sim, assistimos até o fim para ver como os personagens encerrariam suas jornadas. Porém, também assistimos até o fim para que tivéssemos as respostas às nossas indagações. Queríamos saber o que era a ilha, queríamos descobrir de onde vinha o seu poder, queríamos conhecer porque ela afetava as pessoas de formas diferentes. Queríamos, no final das contas, que tudo aquilo fizesse algum sentido. E, infelizmente, muito não fez. Ainda que, sim, inúmeras perguntas tenham sido respondidas, diversas outras ficaram perdidas no ar ou foram respondidas de modo incompleto. Sem contar, claro, as que tiveram explicações tolas ou insatisfatórias.

Duvidam? Então alguém sabe me dizer exatamente o que eram os números? Sim, eram os números dos candidatos de Jacob, mas e daí? Por que eles davam azar a Hurley? Por que eram estes números que Desmond precisava digitar para não liberar a energia eletromagnética? Por que apareceram diversas vezes ao longo da série com importância tão grande? De que forma serem os números dos candidatos de Jacob dava a eles essa espécie de magia ou poder?

Por que aquela série de coincidências na vida dos losties antes da queda do Oceanic? Como girar aquela roda fazia com que saíssem da ilha? Por que caíam em um deserto na Tunísia? Como os losties voltaram à ilha no avião? Por que eles precisavam estar todos juntos para que isso acontecesse? Como “Os Outros” tinham dossiês sobre cada um deles? Como os mesmos “Os Outros” descobriram e levaram o pai de Locke à ilha? Por que Locke teve uma visão de Walt falando alguma coisa quando levou um tiro? Aliás, qual a importância de Watl? Quem atirou em Sawyer e cia. na canoa quando eles viajaram no tempo?

Este é apenas o início de possíveis questionamentos que ficaram pairando no ar. Querem mais? Por que Desmond tinha essa resistência ao eletromagnetismo? “Os Outros” realmente estavam sob o comando de Jacob? Quem diabos eram aqueles “hippies” no templo? Por que Sayid foi ressuscitado naquela fonte? Que história era aquela de ele “não sentir nada”? Quais eram as tais regras do conflito entre Ben e Widmore? Porque o irmão de Jacob virou o Fumaça quando caiu na luz? O que era a luz? Por que o Fumaça não podia matar Jacob ou qualquer um dos candidatos diretamente?

Estão acompanhando? Então seguem mais algumas: que energia era aquela que saía de dentro da caverna de luz? O que aquela “rolha” segurava? Por que tinha que ser Desmond a retirar a “rolha”, se Jack fez o mesmo depois? Por que Jacob podia sair da ilha e o Fumaça não? Se ele não podia, como Christian Shephard apareceu no cargueiro? Como Ben “chamava” o Fumaça? E por que ele atendia? De que serviram as viagens no tempo? Quem construiu a estátua e por quê? Por que todos aqueles símbolos egípcios? Como a ilha curava as pessoas? Por que as mulheres não podiam ter filhos? Tudo por eletromagnetismo? Como assim?

São muitas, muitas perguntas. Coloquei aqui as que lembrei e outras que acabei entrando em alguns fóruns por aí. Tenho certeza de que existem dezenas de outras. Provavelmente, algumas destas tenham sido até respondidas nestes seis anos, mas de forma tão frágil que exigem muita – mesmo – boa vontade do espectador para serem aceitas. Sinceramente, é preciso ser fã demais – leia-se cego – para não se incomodar com as centenas de incoerências e furos que Lost acabou deixando. Uma coisa é deixar respostas em aberto para que possamos dar nossas interpretações, outra é contar uma história sem ter a menor ideia do que está acontecendo.

“Ah, mas isso não é importante. Faz parte da série acreditar que isso tudo era possível”. Mas é importante. E, sim, eu acreditei. Acreditei por seis anos que isso levaria a algum lugar. Vou contar uma coisa a todos vocês: a ilha é a verdadeira história de Lost. Se não fosse por ela e todos os seus mistérios, seria apenas mais um conto sobre um bando de pessoas que cai em uma ilha deserta. O que fez a diferença em Lost, o que alçou a série ao status de fenômeno cultural foi a ilha, foi o monstro de fumaça, foram “Os Outros”, foi a estátua, foi tudo aquilo que construiu a sua mitologia e gerou intermináveis discussões e teorias durante mais de meia década. E ver tudo isso encerrando de maneira incompleta é decepcionante. É fácil criar mistérios para prender a atenção da plateia; o problema é dar sentido a eles.

“Um pergunta somente vai levar a outra”, disse a mãe adotiva de Jacob e do Fumaça. Para muitos, foi o modo de os produtores dizerem que não valia a pena explicar, pois os fãs iriam pedir justificativa para cada pequeno detalhe. Para mim e para muitos outros, foi pura balela. Uma desculpa. Foi trapaça. Tra. Pa. Ça. Eles criaram tantos mistérios e perguntas que chegaram a um ponto no qual não conseguiriam justificar tudo sem soar ridículo ou exagerado. Perderam-se em seu próprio emaranhado de ideias. O que fizeram, então? Jogaram a bola para nós. Disseram: “Cada um vai ter que dar a sua própria interpretação e preencher as lacunas”. Em outras palavras: “Não fazemos ideia do que tudo significa. Pensem que o negócio é mágico e deu”.

Eu não engoli. Já li e ouvi diversas teorias e relações sobre o final e muitos adoraram, não somente o último episódio, mas a série como um todo. Para estes, a falta de respostas ou as justificativas frágeis não são problema diante de tudo o que Lost ofereceu de bom. Eu fico dividido. Sim, Lost teve muitas qualidades. Muitas mesmo. Juro que assistiria toda a série mais uma vez somente para ter o impacto de momentos como o de Michael atirando em Ana Lucia e Libby ou o insuperável final da terceira temporada. Estou muito satisfeito por ver uma narrativa que soube desenvolver seus personagens, inclusive revelando alguns excelentes atores. Mas não dá pra deixar de lado a decepção de que, no final, a mitologia toda era capenga e, portanto, a experiência incompleta.

E o problema não foi o último capítulo, claro. Já sabíamos antes de domingo, pelo andar da carruagem, que as perguntas que coloquei lá em cima não seriam mais respondidas. O series finale, dentro do esperado, foi muito bom. Foi um episódio repleto de emoção; difícil não se sentir tocado com as cenas dos losties relembrando dos momentos que passaram juntos na ilha. Mais do que isso, fiquei até satisfeito com a resolução dada para a realidade paralela: pareceu-me uma conclusão elegante de, principalmente, de acordo com o tema de redenção que sempre foi a verdadeira constante da série.

Mas, quando visto no plano geral, quando retornamos a tudo o que aconteceu durante as seis temporadas, Lost fica no meio do caminho. Repito o que disse lá em cima: eu não pedi para que criassem todos estes mistérios. Porém, como o fizeram, o mínimo a esperar era uma justificativa. Tanto quanto os personagens, estes mistérios faziam parte da essência de Lost. Ignorá-los não demonstra somente um grande problema narrativo, mas uma falta de respeito com os milhões de espectadores que compraram a ideia da série e aguardaram respostas que nunca vieram.

Quer dizer que eu não gostei, então? Não sei. Se for possível adorar e odiar algo com as mesmas forças, é assim que eu me sinto em relação a Lost. A série fez a gente rir, fez a gente chorar e fez a gente ficar tenso na cadeira. Fez a gente vasculhar a internet em busca de explicações e passar dias e dias ansiosos pelo próximo episódio. Fez com que todos nós fizéssemos parte de um verdadeiro fenômeno cultural, que mudou a forma de se assistir televisão. Lost, enquanto durou, talvez tenha sido realmente a melhor série da televisão. Mas não acho que sustentará este posto agora, depois de encerrada.

Mesmo que o seu último episódio tenha me feito chorar como um bebê.

Monday, May 10, 2010

Sorrir pelo que realmente foi.

Uma das coisas que aprendemos ao longo da vida é que nada é apenas preto ou branco. Ora, até mesmo filmes antigos exibem diferentes tonalidades dessas cores. Qualquer pré-julgamento, seja sobre qual for o assunto, é errado por ignorar que sempre existe uma série de fatores envolvendo um acontecimento. No que diz respeito ao ser humano, principalmente, esta constatação torna-se ainda mais acertada. Toda pessoa, por mais simples que seja, é construída de complexidades. Um assassino já pode ter amado. Um ladrão pode ter roubado com o propósito de alimentar seu filho. Ninguém é unicamente mau ou exclusivamente bom.

Ou melhor, quase ninguém.

Nesta segunda-feira, minha família perdeu uma pessoa que pode ser considerada a exceção da regra. Uma mulher que, em seus mais de setenta anos, nunca falou mal de alguém ou desejou coisas menos do que boas a quem quer que cruzasse seu caminho. Uma senhora extremamente religiosa que tratava seus sobrinhos como filhos e a mim e a meus primos como netos. E nós a víamos, em retribuição silente e afetuosa, como nossa terceira e bondosa avó.

Difícil, diante de uma notícia como a de sua partida, pensar que ela não mais se encontra entre nós. Duro acreditar que aquela casa que visitávamos com imensa alegria e na qual onde fomos tão bem recebidos por anos e anos não será mais ocupada por ela. Por mais que a frequência dos contatos tenha diminuído diante das responsabilidades da vida, fica a lembrança dos agradáveis momentos que passávamos naquele aconchegante lar, onde nossas fotos na parede simbolizavam todo o carinho que dela emanava. Ali, tínhamos absoluta certeza de uma coisa: éramos, sempre e a qualquer momento, bem-vindos.

E é assim que devemos encarar a morte de alguém que foi tão querido por nós. Por mais que venha o vazio sempre que pensarmos em quem partiu, são estes momentos que precisam ser revividos. É normal que comecemos a lamentar aquilo que não compartilhamos. Provavelmente, a mente e o coração vão nos dirigir para aquela ligação que não fizemos, pela visita que adiamos, pela palavra que ficou presa e não se transformou em som.

Por que não fazer o caminho inverso? Ao invés de sofrer pelo que não existiu, vamos reviver o que de fato aconteceu. Vamos rememorar as lembranças compartilhadas, não ressentir o que nunca houve. Tentar buscar em algum lugar as cenas que se escondem atrás da espessa névoa do tempo. Porque, se as imagens se vão, fica o sentimento. Vai-se a nitidez, fica o carinho. Nada de chorar o que poderia ter sido, mas apenas sorrir por aquilo que realmente foi.

Quanto àquela que acaba de nos deixar, sei que o mundo foi um pouco melhor quando ela esteve por aqui. Provavelmente, ainda que eu não possa apontar qualquer defeito em sua benevolência e altruísmo, não foi uma pessoa perfeita. Ela não era um anjo. Não era uma santa. Porém, de uma coisa tenho certeza: nesta segunda-feira, não somente minha família perdeu um parente querido, mas o mundo deu adeus de um grande ser humano.

Silvio Pilau Jr. – 10/05/2010