Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Friday, October 19, 2007

TROPA DE ELITE

Então, seus fanfarrões. Tem crítica minha de Tropa de Elite em www.cineplayers.com. Acessem.

Monday, October 15, 2007

RESIDENT EVIL 3: A EXTINÇÃO

Tem crítica minha de Resident Evil 3: A Extinção em www.cineplayers.com. Acessem.

Thursday, October 11, 2007

Agressores

Parte 1

Margarete não pegava o ônibus todo dia, mas não se podia dizer que era inexperiente. Pelo menos algumas vezes por semana ela requisitava os serviços do transporte coletivo, para voltar à sua casa e passar o resto do dia na companhia dos dois filhos e do marido. Naquela quinta-feira em particular, Margarete se atrasou um pouco no trabalho. Quando chegou à parada, estava vazia. Normalmente, esperava o ônibus na companhia de bastante gente, o que dava uma sensação de segurança. Agora estava sozinha em um local pouco iluminado.

Com os músculos retesados e olhar sempre atento, Margarete esperou pelo ônibus que não vinha. Alguns minutos depois, ela recebeu companhia. Um jovem negro, de aproximadamente vinte anos, calça jeans azul, tênis branco e camiseta colorida parou ao seu lado. Trazia um embrulho na mão direita. Uma arma, pensou Margarete.

O rapaz não disse nada e não chegou muito perto, parando a aproximadamente dois metros de distância. Margarete não olhou para ele. Empertigou-se ainda mais, firmou a bolsa debaixo do braço e fixou o olhar em um ponto à frente, tentando espiar com o canto do olho. Ela estava pronta para correr. Ao menor movimento do rapaz, sairia em disparada.

Arrependeu-se de não ter chamado um táxi. Gastaria um pouco mais, mas agora estaria em segurança ao invés de correr o risco de ser assaltada por um pivete qualquer com uma arma na mão. Queria olhar para o relógio para ver quanto tempo o ônibus já demorava, porém teve receio de mostrar que carregava um objeto de valor em seu pulso. Seria apenas mais um atrativo para o trombadinha assaltá-la.

Notou que sua perna tremia. Margarete nunca havia sido assaltada. Esta seria a primeira vez. Pelo canto do olho, que continuava atento para cada movimento do jovem, viu ele se mexer. Sua mente começou a pensar em alguma maneira de fugir. Sair correndo? Gritar? Reagir? Mas não se moveu. Ficou parada, com medo, no mesmo lugar. O garoto chegava mais e mais perto. Era agora.

- Tia, sabe que horas são? – perguntou o garoto, agora bem próximo dela.

Ela não sabia o que responder. Não conseguia responder. Seu corpo não se mexia, apenas aguardando a retirada da arma que ameaçaria a sua vida. Suava frio e o coração batia como nunca.

Um ônibus parou. Margarete não viu a linha ou o destino. Encarou o transporte como salvação e pulou para dentro. Respirou fundo e, enquanto o ônibus partia, olhou pela janela. O garoto continuava na parada, olhando para ela. Ele tinha algo estranho no olhar. Ainda tinha o embrulho na mão direita.
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Parte 2

Quando Jefferson saiu do trabalho, a festa de aniversário de sua irmã caçula já havia começado. No início do dia, ela havia feito Jefferson prometer que estaria lá, que comemorariam juntos. Caminhava com velocidade em direção à parada de ônibus para não perder o próximo. Na mão direita, uma boneca – presente para a irmã comprado com seu próprio salário, embrulhada em um papel de presente.

Na parada, apenas uma mulher. Aparentava ter uns quarenta anos e estava bem vestida. Saia longa que ia até as canelas, bota e uma blusa vermelha. Os cabelos loiros caíam ao longo do corpo e segurava uma bolsa firme debaixo do braço. Ela não olhou para Jefferson e ele desistiu de cumprimentá-la. Permaneceu a alguns metros de distância, esperando o ônibus.

Só pensava na festa da sua irmã, acontecendo longe dele. Precisava saber as horas, mas estava sem relógio. Pensou em perguntar para a mulher que estava na parada, mas havia algo estranho nela. Jefferson não sabia bem dizer o que era. Ela parecia nervosa, com medo de alguma coisa. Foi quando, pela primeira vez, passou pela cabeça de Jefferson que a moça poderia estar com medo dele. Com medo de que ele a assaltasse.

Notou que ela o observava com o canto do olho, tentando disfarçar. Fixava a visão em algum ponto fixo à sua frente, mas cuidava cada movimento de Jefferson. Como sempre acontecia, ele ficou constrangido. Decidiu não perguntar as horas para não deixar a mulher ainda mais apavorada. Tentou esquecer a decepção pensando na sua irmã que o esperava.

Mas o ônibus não vinha. Passaram-se alguns minutos e nada. Jefferson começava a ficar ansioso. Olhou para a mulher e viu que ela estava um pouco mais relaxada. Parecia estar consciente de que Jefferson nada faria. Decidiu perguntar. Lentamente, aproximou-se, para não assustar a moça. Mas, a cada passo seu, ela se enrijecia novamente. Quanto mais próximo ele chegava, mais ela parecia ficar nervosa. Mas agora já tinha percorrido metade do caminho. Iria até o fim.

- Tia, sabe que horas são? – perguntou da forma mais suave possível.

A mulher não respondeu. Apertou ainda mais a bolsa sob o braço, provavelmente com receio de que Jefferson a roubasse. O corpo dela parecia tremer e Jefferson viu que ela não responderia. Quando começava a voltar para o lugar de antes, um ônibus chegou. Em um átimo de segundo, a mulher pulou para dentro do coletivo.

Antes de partir, Jefferson conseguiu cruzar seu olhar com o dela. A expressão da mulher era de puro medo. A de Jefferson era de vergonha. Não tinha culpa, mas a vergonha o dominava. Sentia-se desprezado, menor. Sentia-se rejeitado.

Algum tempo depois, estava em casa. Aproveitou a festa da irmã e, antes de dormir, ficou longos minutos se olhando no espelho. O acontecimento de poucas horas antes havia mexido com ele. Jefferson não havia feito nada, mas a mulher o tratara como um criminoso. Foi dormir pensando em muitas coisas. Foi dormir dolorido, como que agredido por algo além da sua compreensão.

*Idéia retirada de um capítulo do livro Cabeça de Porco, de MV Bill e Celso Athayde.