Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Monday, November 29, 2010

Despedida

Em um dia como outro qualquer, Ruth estava sentada ao lado do velho marido em seu sofá bege desbotado e rasgado em diversos lugares. Assistiam, juntos, como tantas outras vezes, a um programa de auditório em uma televisão que possuíam há mais de quinze anos, aparelho para o qual a bengala do velho funcionava como controle remoto, bastando ele esticar o braço para trocar o canal.

Em um dia como outro qualquer, Ruth olhou de soslaio para o homem sentado à sua esquerda. Após décadas de cumplicidade e companheirismo, tinha a certeza de conhecê-lo como nem ele mesmo se conhecia. Ruth ainda via, além dos cabelos ralos e das rugas destacadas, o brilho nos olhos de quem encarava a vida com paixão e leveza, características que a encantaram quando era apenas uma garota.

Em um dia como outro qualquer, Ruth ergueu-se do sofá com dificuldades, sentindo em sua perna a dor que há muito a acompanhava. Percebeu o olhar do marido, questionando silenciosamente se ela precisava de ajuda. Ruth apenas fez um movimento com a mão agradecendo a preocupação do companheiro e, após algum esforço, conseguiu se firmar em pé no centro da sala.

Em um dia como outro qualquer, Ruth inclinou-se e beijou sem pressa a testa de seu velho marido. Não era mais o beijo apaixonado de adolescente, mas um gesto de gratidão por tudo o que ele a oferecera. “Está tudo bem, Ruth?”, perguntou ele. “Claro, meu velho. Só vou dar uma descansada”, ela respondeu, com a voz frágil de quem já disse ao mundo tudo o que tinha a dizer.

Em um dia como outro qualquer, Ruth caminhou vagarosamente em direção ao seu quarto. Observou a sua casa com um pequeno sorriso no rosto: a mesa de jantar onde dera tantas risadas, a estante dos livros que tanto a ensinaram, os porta-retratos com as fotos dos netos e bisnetos que haviam trazido novamente a magia da inocência à sua vida, iluminando seus derradeiros anos.

Em um dia como outro qualquer, Ruth entrou no quarto que há anos dividia com o homem que sabia de todos os seus segredos. Fechou a porta atrás de si tentando fazer o menor ruído possível. Sentou-se à beirada da cama e, com os pés, retirou os pequenos sapatos, posicionando-os ao lado do criado-mudo. Respirou fundo e, novamente enfrentando dificuldades, pôs-se em pé.

Em um dia como outro qualquer, Ruth caminhou em direção ao seu armário e abriu a porta de cor ocre. Escolheu um vestido vermelho que adorava, mas há anos não o retirava do guarda-roupas. Retirou por sobre a cabeça o outro vestido que usava, uma peça simples, verde-clara e com estampas de flores. Dobrou-o cuidadosamente e o guardou dentro do armário. Logo após, vestiu a peça vermelha, observando a si mesmo no espelho.

Em um dia como outro qualquer, Ruth tirou do armário um belíssimo sapato preto de salto alto. Calçou-os e perdeu o equilíbrio por instantes, desacostumada a eles, mas conseguiu se manter em pé. Cuidadosamente, caminhou em direção à cama e, novamente, sentou-se na beirada. Respirou fundo mais uma vez. Ofereceu um olhar repleto de ternura ao seu quarto, espaço no qual vivera grande parte de sua longa vida.

Em um dia como outro qualquer, Ruth olhou para a única foto sobre o criado-mudo. Nela, dois homens e duas mulheres sorriam abraçados. Ruth também sorriu, sozinha no quarto. Tentou lembrar-se da época em que aqueles quatro adultos eram crianças, das brincadeiras que fazia com eles, das lições que os ensinou, dos castigos que os infligiu. Não conseguiu lembrar de tudo, mas não se sentiu culpada. Ruth sabia que o tempo apagava certas memórias.

Em um dia como outro qualquer, Ruth verteu uma pequena e solitária lágrima. Sentiu orgulho das pessoas de caráter que seus filhos haviam se tornado. Agradeceu pela sorte de ter escolhido um marido que permaneceu sempre ao seu lado. E, acima de tudo, nada lamentou, tendo a certeza de que vivera exatamente a vida que poderia ter vivido.

Em um dia como outro qualquer, Ruth colocou seus óculos ao lado da foto dos filhos. Deitou-se sobre a cama, estendendo as pernas e posicionando as duas mãos sobre o peito. Ruth respirou profundamente por duas vezes e sorriu com graça. Olhava para o teto, enquanto a sua mente viajava pelo tempo.

Em um dia como outro qualquer, Ruth fechou os olhos pela última vez.

Era um dia como outro qualquer.

Tuesday, November 16, 2010

FIlmes de Outubro

Terror na Antártida (Whiteout) – Canadá/EUA/França, 2009
De Dominic Sena. Com Kate Beckinsale, Gabriel Macht, Tom Skerritt e Coumbus Short.
Por vezes, quando dá espaço às dificuldades provenientes do local, o filme dá mostras de que poderia ser interessante. Pena que o péssimo roteiro, previsível e esquemático, jogue por terra (ou gelo, no caso) qualquer potencial.
Nota: 5.0

Esquadrão Classe A (The A-Team) – EUA, 2010
De Joe Carnahan. Com Liam Neeson, Bradley Cooper, Jessica Biel, Patrick Wilson, Sharlto Copley e Quinton ‘Rampage’ Jackson.
Em nenhum instante o filme tenta ser sério e é exatamente aí que mora o seu charme. Divertido, exagerado e até tosco, principalmente no que se refere aos efeitos especiais. Entrega o que se propõe.
Nota: 6.0

À Procura de Eric (Looking for Eric) – Inglaterra/França/Itália, 2009
De Ken Loach. Com Steve Evets, Eric Cantona, Stephanie Bishop e Gerard Kearns.
Até a metade, é um ótimo filme, com Loach montando mais um retrato realista (ainda que com toques de fantasia e humor) da classe operária britânica. Mas o cineasta parece não saber como encerrar a história, apostando em um terceiro ato forçado e irreal.
Nota: 6.0

Arca Russa (Russkyi Kovcheg) – Rússia/Alemanha, 2002
De Aleksander Sokurov. Com Sergei Dontsov, Mariya Kuznetsova e Leonid Mozgovoy.
Sem dúvida alguma, o plano-sequência de noventa minutos é uma realização monumental, que impressiona em seus quesitos técnicos. Por outro lado, trata-se de um filme cansativo e distante, que jamais envolve o espectador. Interessante, claro, mas apenas isso.
Nota: 6.0

Quem Tem Medo de Virginia Woolf? (Who’s Afraid of Virginia Woolf?) – EUA, 1966
De Mike Nichols. Com Elizabeth Taylor, Elizabeth Taylor, George Segal e Sandy Dennis.
Cruel, intenso, dramático, inteligente. Excelentes diálogos, atuações memoráveis de Taylor e Burton, direção precisa. Uma interpretação nada agradável ou otimista sobre a natureza destrutiva dos relacionamentos e as desilusões provocadas pela vida. Grande, grande filme.
Nota: 9.0

As Diabólicas (Les Diaboliques) – França, 1955
De Henri-Georges Clouzot. Com Simone Signoret, Vera Clouzot, Paul Meurisse e Charles Vanel.
Uma verdadeira aula sobre o que é um suspense bem realizado, com um roteiro repleto de reviravoltas e personagens bem construídos. A direção de Clouzot é impecável, criando uma atmosfera angustiante que sufoca até os assustadores instantes finais. Brilhante.
Nota: 8.5

Tropa de Elite 2 – Brasil, 2010
De José Padilha. Com Wagner Moura, André Ramiro, Milhem Cortaz, Irandhir Santos, Tainá Muller e Seu Jorge.
Padilha justifica esta sequência ao não apostar apenas na repetição do que deu certo no original, mas fazendo a história evoluir. Porém, mais do que isso, é uma obra complexa em sua narrativa e executada com precisão, capaz de entreter e indignar. Wagner Moura, novamente, comprova ser o melhor ator da sua geração.
Nota: 9.0

Conquista Sangrenta (Flesh + Blood) – Espanha/EUA/Holanda, 1985
De Paul Verhoeven. Com Rutger Hauer, Jennifer Jason Leigh, Tom Burlinson e Jack Thompson.
O enredo é previsível e, por vezes, a artificialidade incomoda, mas Verhoeven demonstrava coragem em sua estreia nos EUA ao não deixar de lado o sexo, a violência e a selvageria da época que retrata. Um filme que tem mais a oferecer do que parece.
Nota: 7.0

Mother – A Busca pela Verdade (Madeo) – Coréia do Sul, 2009
De Joon-Ho Bong. Com Hye-Ja Kim, Bin Won e Ku Jin.
O cineasta demonstra novamente ser capaz de trazer originalidade a um filme de gênero, em uma narrativa consistente e muito bem pensada. É o terceiro ato, porém, que faz de Mother uma produção acima da média, levando à pergunta: “O que eu faria?”
Nota: 7.5

Rastros de Ódio (The Searchers) – EUA, 1956
De John Ford. Com John Wayne, Jeffrey Hunter, Vera Miles, Ward Bond e Natalie Wood.
Em certos aspectos, o filme envelheceu mal, como na subtrama do casamento de Pawley. Por outro lado, segue uma das grandes obras do cinema norte-americano, com uma construção de personagem ambígua (principalmente para a época), pontuada por belíssimas imagens da câmera de Ford. Um grande filme, com justo valor histórico.
Nota: 8.0

Julie e Julia (Julie & Julia) – EUA, 2009
De Nora Ephron. Com Meryl Streep, Amy Adams, Stanley Tucci, Chris Messina e Mary Lynn Rajskub.
Separadas, as duas histórias são bem comuns e até estereotipadas. A montagem paralela ainda consegue torná-las levemente mais interessantes, mas o que realmente torna o filme agradável são as interpretações de Amy Adams e, principalmente, Meryl Streep.
Nota: 6.0

A Jovem Rainha Vitória (The Young Victoria) – Inglaterra/Estados Unidos, 2009
De Jean-Marc Vallé. Com Emily Blunt, Rupert Friend, Paul Bettany, Miranda Richardson, Jim Broadbent, Thomas Kretschmann e Mark Strong.
Mesmo que pareça, por vezes, apressado, o roteiro é bem feito a ponto de amarrar e compactar as histórias. Um filme agradável, belissimamente fotografado e, até certo ponto, instrutivo.
Nota: 7.0

Bravura Indômita (True Grit) – EUA, 1969
De Henry Hathaway. Com John Wayne, Glen Campbell, Kim Darby, Robert Duvall e Dennis Hopper.
Ainda que seja um de seus melhores papéis, o Oscar a Wayne parece um exagero. De qualquer forma, é um filme que entretém do início até o final, com personagens interessantes e bons momentos. A questão é: o que os Coen vão fazer na refilmagem?
Nota: 7.5

Violência Gratuita (Funny Games) – Áustria, 1997
De Michael Haneke. Com Susanne Lothar, Ulrich Mühe, Arno Frisch e Frank Giering.
De onde vem a nossa fascinação pela violência? Haneke apresenta a sua visão, representada no significativo plano da televisão repleta de respingos de sangue. Um filme tenso, complexo e ousado. Devastador em praticamente todos os sentidos.
Nota: 9.0

Um Lugar ao Sol (A Place in the Sun) – EUA, 1951
De George Stevens. Com Montgomery Clif, Elizabeth Taylor, Shelley Winters e Anne Revere.
O “american dream” entrando em choque com a realidade. Estrelas no auge da forma, momentos de pura magia, romance maior que a vida. Uma das mais perfeitas definições de um clássico do cinema norte-americano.
Nota: 9.0

Num Céu Azul Escuro (Tmavomodry Svet) – República Tcheca/Inglaterra/Alemanha /Dinamarca/Itália, 2001
De Jan Sverák. Com Ondrej Vetchý, Krystof Hádek, Tara Fitzgerald e Charles Dance.
A boa recriação de época e as belas cenas aéreas contrastam com a história fraca, inverossímil e sem personagens marcantes. O final ainda traz certa dignidade à trama, mas nada que faça o filme sair do lugar-comum.
Nota: 6.0

Atividade Paranormal 2 (Paranormal Activity 2) – EUA, 2010
De Tod Williams. Com Sprague Grayden, Katie Featherston e Micah Sloat.
Está longe de ser um filme ruim: a tensão é bem construída e os sustos são realmente eficazes, nada gratuitos. Mas não deixa de ser uma sequência desnecessária, uma vez que nada apresenta de novo em relação à produção original.
Nota: 6.0

Um Louco Apaixonado (How to Lose Friends & Alienate People) – Inglaterra/2008
De Robert B. Weide. Com Simon Pegg, Gillian Anderson, Jeff Bridges, Kirsten Dunst, Megan Fox e Danny Huston.
A energia de Simon Pegg não é suficiente para superar o material com piadas requentadas e história absurda. Há, pelo menos, algumas alfinetadas na cultura das celebridades norte-americanas, mas falta ousadia para uma crítica mais incisiva
Nota: 5.0