Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Wednesday, April 30, 2008

SENTENÇA DE MORTE

"(...) Sentença de Morte tem todos os ingredientes de um bom filme de ação: identificação com os personagens, um vilão ameaçador, eficientes toque dramáticos e cenas muito bem filmadas."

Acesse www.cineplayers.com e confira minha crítica completa de Sentença de Morte.

Tuesday, April 29, 2008

Idade das Trevas

Sei que o Olvídio não passa de um estranho para a maioria. Mas, como é o personagem principal dessa história, tenho que apresentá-lo. Apesar do nome meio peculiar, ele é um cara legal. Bacana mesmo. Daquele tipo de gente que dá vontade de estar ao lado a toda hora. Sempre tem uma palavra de apoio, uma frase espirituosa e é parceiro para tomar uma ceva em qualquer boteco e a qualquer momento.

Só que o Olvídio nunca foi muito pegador. Na verdade, tinha até um currículo extenso, mas de qualidade baixa. Acho que nunca vi o Olvídio com uma gostosa, e tenho certeza que o Gema, o Carlão e o Beto vão dizer a mesma coisa se perguntarem isso a eles. O Olvídio costumava circular sempre com mulheres de qualidade média pra baixo. Às vezes, baixa mesmo, de admirar a coragem do rapaz.

Até surgir a Laila. Pra simplificar, ela era demais pro Olvídio.

- Olvídio, ela é demais pra ti – a gente dizia.

Mas claro que o Olvídio nem dava bola. Tava pegando uma puta duma gostosa, por que ouviria quatro marmanjos cheios de pêlos no peito?

Cara, a Laila era foda.

O Olvídio é quase meu irmão, mas acho que se ela viesse pra cima de mim eu não teria como resistir. Cabelo bem preto, liso até o meio das costas. Cinturinha fina, mas com um quadril no ponto, acompanhando uma bunda que deixaria até americano maluco. Aquela barriguinha sempre de fora, reta, e um piercing no umbigo que dava um toque de realeza. E os peitos? Nada de silicone, simplesmente porque não precisavam. E um rostinho lindo, de mulher para casar.

Em resumo, cara, a Laira era foda.

Óbvio que, com esse patrimônio cultural-histórico todo, a Laila freqüentava uma academia. Acho até que não precisava, mas ela ia. Todo dia. E, pouco depois de começar a namorar o Olvídio, surgiu o convite.

- Amor, você não quer malhar comigo?

O susto foi tanto que o Olvídio espalhou todos os sucrilhos no chão. Mas a reação dele se justifica. Eu esqueci de contar. O Olvídio odeia esportes. Dizem que odiar é uma palavra forte, mas se houvesse uma ainda mais forte, eu usaria aqui. Ele tem pavor, terror, aversão a toda e qualquer forma de exercício físico. Conhecia-o há mais de vinte anos, e nunca o vi fazer algo parecido com um esporte. Sedentário mesmo.

- Malhar? Tipo... academia? – perguntou o Olvídio, com temor nos olhos.

- É. Puxar uns pesos, fazer uns abdominais. Perder essa pancinha aqui – a Laila respondeu, apertando um pneu da coleção que Olvídio carregava consigo todos os dias.

O Olvídio não tinha alternativa. Como dizer não para uma mulher como a Laila? Não é fácil. Entendo o cara e, certamente, faria o mesmo. Aceitaria o convite também. As mulheres fazem o que querem com os homens, todo mundo sabe disso.

No dia seguinte, pela primeira vez em sua vida, Olvídio colocava os pés em uma academia. Não sabia o que fazer, claro. Olhou em volta. Teve medo. Parecia uma criança no primeiro dia de colégio, com medo de soltar a mão de sua mãe. Só que ele não era criança. E a mãe, bom, a mãe era uma garota de vinte e poucos anos atraindo olhares e estourando uma calça branca de ginástica.

- Calma, Olvídio. Não precisa ficar nervoso – disse ela.

- Não estou nervoso. É que nunca me imaginei em um lugar desses.

Um homem de aproximadamente uns trinta anos, o dobro do tamanho de Olvídio, aproximou-se dos dois. Deu um sorrisinho para Laila e indagou:

- É ele?

A voz do bombadão era grave, imponente. Um calafrio percorreu a espinha de Olvídio.

- Sim, é ele – Laila respondeu.

- Deixe-nos.

Ela soltou a mão de Olvídio. Ele tentou novamente segurá-la, mas em vão. Laila deu-lhe um beijo e despediu-se.

- Onde você vai? – Ovídio perguntou em desespero.

- Tenho assuntos para resolver, querido. O Paulão vai tomar conta de você.

A mão de Olvídio ainda se agitava, em um claro de sinal de ansiedade. Até que encontrou algo. Mas não era a mão de Laila. Era de Paulão.

- Vem comigo – disse, puxando Olvídio rumo ao desconhecido.

Por duas horas, Olvídio voltou no tempo. Coitado do cara. Em sua mente, não estava em uma academia. Estava na Idade Média, sendo subjugado aos sádicos deleites de um ditador sanguinário. Vlad Paulão III. Cada aparelho, um maquinário de tortura. Cada novo peso, um grilhão preso ao seu pé puxando-o rumo às profundezas do oceano. Foram os piores e mais longos minutos de toda a vida de Olvídio. E eu posso dizer com propriedade que ele já passou por umas poucas e boas.

- Te vejo amanhã, então? – Paulão perguntou ao final do treino.

Olvídio, com o resto das forças que ainda tinha, conseguiu responder com leve ironia:

- Sim, claro.

Então, Olvídio desapareceu. Sim, desapareceu. O cara sumiu por dois dias. Ninguém sabia onde tinha se enfiado. Não apareceu para trabalhar, não estava em casa. Nem Laila tinha noção de sob qual pedra Olvídio estava escondido.

Mas eu sabia. Conhecia o cara há anos, sabia como ele pensava. E conhecia nossos esconderijos.

O negócio é que o pai do Gema, quando morreu, deixou pra ele um apê no centro. Como o Gema preferia morar com a mãe, pra ter arroz e feijão na mesa e cuecas limpas no armário, o apê acabou se transformando em uma espécie de refúgio nosso. Fazíamos festas, tomávamos tragos e levávamos garotas para lá. Se eu contar o que economizamos em motel com a morte do pai do Gema, ninguém iria acreditar. Mas essa é outra história.

O fato é que fui até lá. Bati na porta, toquei a campainha, gritei. Nada. Estava desistindo quando decidi usar minha chave. Girei a tranca e entrei no apê. Como sempre, tinha roupas e latas de cerveja espalhadas pelo carpete. Como sempre, a louça na pia se acumulava. E, como sempre, Olvídio estava deitado no sofá.

Aproximei-me.

- Olvídio, aí está você! Cara, tá todo mundo te procurando. Tua mãe já avisou até a polícia!

Levemente, Olvídio mexeu a cabeça. Olhou para mim e disse:

- Ggrfstrwsm.

Claro que não entendi nada.

- Olvídio, não entendi nada. Você está bem?

Cheguei mais perto para tentar ouvi-lo. Com muito esforço, sussurrou:

- Laila. Academia.

Vendo que nada mais arrancaria dele, liguei para a Laila. Foi quando ela me explicou toda a história da academia.

Xinguei-a. Nunca me imaginei falando para uma mulher o que falei para Laila, mas despejei através da linha telefônica todos os impropérios que conhecia. Ela não poderia fazer o que fez com Olvídio. Ele confiara nela. Acreditara que ambos poderiam ter algo mais forte. E aí, contra todas as expectativa, ela aprontava isso para ele.

Olvídio, claro, não conseguia se mexer. Aos poucos, à medida que se recuperava, contou-me todo o acontecido. Como o corpo dele doía não a cada movimento, mas a cada menção de movimento. Era só o cérebro cogitar a hipótese de mexer um só músculo, este parecia dizer de volta: “Esquece, cara”.

Por uma semana, fui mãe, pai e melhor amigo de Olvídio. Só não fui namorada porque não era minha praia e, até onde sei, nem a dele. Mas cuidei do meu camarada. Ele comeu como poucas vezes o vira comer. Bebeu como muitas vezes eu o vira beber. Ao final de sete dias, estava pronto para voltar à vida. Mal sabia eu que com um plano malévolo na cabeça.

Voltávamos para casa, eu dirigindo e Olvídio ao meu lado. Conversávamos amenidades, nada relacionado à Laila, à academia ou ao tempo no refúgio. Foi quando ele me pediu para parar o carro.

- Onde? – perguntei.

- Ali – respondeu, apontando uma academia.

- Ali?

- Ali.

- Esta é a academia?

Olvídio me olhou com desprezo. Naquele momento, eu era, para ele, o menor de todos os seres. Senti que só me respondeu por respeito à nossa amizade.

- Não, não é a academia. Aquilo nunca vai ser uma academia. Aquilo é Carandiru. É um gulag. É Auschwitz.

Pulou para fora do carro. Tirou o casaco e jogou sobre o banco. Eu, claro, não sabia o que fazer. Ou melhor, não sabia o que Olvídio iria fazer. E nem adiantaria perguntar, pois ele parecia decidido. Optei por acompanhá-lo, simplesmente.

Olvídio foi direto à porta da academia e entrou. Fiquei parado sob o batente. Por alguns segundos, ele observou todo o espaço. Os aparelhos, os pesos, as esteiras, os colchonetes, mas, principalmente as pessoas. Aquele bando de malucos suando em busca de uma forma ideal.

De repente, um grito.

- Olvídio!

Era Laila. Do fundo da academia, ela avistara Olvídio parado na entrada. Veio correndo em direção a ele.

- Laila, pode parar por aí! – gritou Olvídio, com fúria em sua voz.

Ela tomou um susto e paralisou por alguns instantes.

- Como assim, Olvídio? Onde você andava? Eu estava preocupada!


- Onde eu estava, Laila? Onde eu estava? Estava me recuperando! Recuperando do que você me fez passar! Do mal que me causou!

Todos os freqüentadores da academia já observavam a cena, curiosos como qualquer ser humano.

- Que é isso, Olvídio? Do que está falando? – as lágrimas começaram a surgir no rosto de Laila.

- Você não quebrou apenas meu coração, Laila. Quebrou meu corpo inteiro.

Então, Olvídio tirou a camisa.

- Este corpo!

O choque foi geral. Ouvi gritos diversos, de espanto, de terror, de desolação. Até um “Deus o abençoe” foi ouvido. As pessoas viravam a cara. Uma mãe tapou os olhos dos dois filhos pequenos.

Enquanto isso, Olvídio mostrava sua excessiva carne. Brincava com a flacidez como uma criança se diverte com brinquedo novo. Exibia com orgulho e louvor sua forma oval. Gritava:

- Está vendo isso, Laila? Estão vendo isso, todos vocês? Isso sou eu! Essa gordura sou eu! Não preciso destes aparelhos de tortura! Não quero estes aparelhos de tortura! Levei anos para deixar crescer essa barriga. Anos de cultivo, de cuidado, de amor. E não vou me livrar dela! Ouviram? Não vou me livrar dela!

Olhou para Laila, que estava de joelhos no chão, chorando copiosamente.

- E você, Laila? Fiquei com seus Vlads e seus Paulões. Jamais colocarei meus pés aqui novamente.

Olvídio deu meia volta e saiu da academia. Passou por mim sem dizer palavra e entrou no carro. Fui atrás dele. Também nada falei. Apenas comecei a dirigir, orgulhoso do meu amigo.

Isto aconteceu há alguns anos. Ocasionalmente, em meio a umas e outras cevas, quando inevitavelmente surge o tema de mulher gostosa, tocamos no assunto.

- Lembram da Laila? – alguém pergunta.

- Ah, a Laila – respondem todos, suspirando.

Até que Olvídio se manifesta.

- É, cara. A Laila era foda.

Então, toma mais um longo gole de sua cerveja gelada e completa:

- Mas não valia a pena.

Saturday, April 26, 2008

Supermercado Brasil

Pense em um grande supermercado. Faça de conta que este supermercado é o único que você pode freqüentar. Para sobreviver, você precisa comprar nele. Precisa gastar boa parte do seu dinheiro ali, para que tenha de volta recursos essenciais à vida. O preço que você paga por cada mercadoria é alto e, para piorar, aumenta com freqüência absurda. Quanto mais se paga, porém, menos se tem. Os produtos estão cada dia mais escassos, a carne vem estragada, o pacote de arroz vem pela metade.

Enquanto isso, os caras que mandam no mercado surgem de ternos novos, dirigindo carros zero quilômetro e bronzeados por viagem a praias paradisíacas. Parece que todo o dinheiro que você paga vai para eles, porque você não tem nada de retorno. Aquilo pelo qual você paga é cada vez pior. Ainda assim, não dá pra evitar. É o único supermercado e, se não comprar ali, não há como sobreviver.

Para quem ainda não conseguiu compreender a analogia, o Brasil é o nosso supermercado. Os preços das mercadorias, os impostos. As mercadorias, direitos básicos como segurança, saúde e educação. Os donos do supermercado, claro, os políticos. Nós, bem, nós continuamos sendo o povo, aquele com o qual ninguém se preocupa quando não há necessidade de votos e que é largado à vida para que dê um jeito de se virar.

Dizem que o brasileiro tem memória curta, mas acho que todos ainda vão se lembrar da polêmica recente em torno da CPMF, a tal da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira. Como diz o próprio nome, provisória. Claro que, quando chegou a data limite proposta para o final dessa taxa, nossos amigos donos do supermercado Brasil quiseram prorrogar, dizendo que o dinheiro arrecadado com a CPMF faria falta, principalmente à saúde, e que teria que ser criado outro imposto.

Pois bem. Por algum milagre, o imposto foi extinto. E, por algum milagre, o Brasil nunca arrecadou tanto em impostos. Só em março, foram R$ 51 bilhões, 7% a mais em relação ao mesmo mês no ano passado. De janeiro a março, quase R$ 162 bilhões foram arrecadados em “contribuições” do bolso do trabalhador. Sim, R$ 162 bilhões, com “b” de bola mesmo. Vai me dizer que a CPMF faria falta?

Não entendo nada de economia e contabilidade, mas é muita grana. Isso só em impostos. Apenas naquele valor que teoricamente pagamos para ter acesso a itens essenciais para a cidadania. Temos? Acho que a resposta é clara. Então, para onde vai todo esse dinheiro? Onde vai parar a porcentagem de nosso salário que pesa em nossas contas todo mês?

Aí abrimos o jornal e assistimos o noticiário para sermos informados que R$ 5 milhões de reais foram gastos com o tal do cartão corporativo em finais de semana (finais de semana!), que políticos utilizam dinheiro público para alugar jatinhos e passear com a família e que outros sustentam a amante com a mesma grana. E a minha saúde, a minha educação, a minha segurança, as mercadorias pelo qual paguei e espero retorno, acabam ficando para depois.

O Brasil é o país que mais arrecada com impostos em todo o mundo. Aceitaria pagar tudo isso numa boa se nosso Sistema de Saúde não deixasse pessoas morrerem na fila. Pagaria com boa vontade se as crianças não largassem escola para entrar no tráfico. Contribuiria até mais se tivesse a certeza de que garotinhos de seis anos não serão arrastados por quilômetros no asfalto.

Mas eu pago por tudo isso e depois tenho que pagar ainda mais, com planos de saúde, para colocar grades na minha casa e por nada baratas escolas particulares. Gastos que, teoricamente, estariam nos impostos, mas acabam saindo do limitado salário de cada brasileiro. Um povo que sofre, mas continua acordando às 4h da manhã para trabalhar todo dia. Um povo ainda honrado, valoroso, mas, infelizmente, talvez por cansaço, talvez por decepção, cada vez mais inerte.

Um povo cada vez mais passivo dentro deste supermercado. Cada vez mais parado. Ao contrário do dinheiro, que continua saindo do bolso sabe-se lá com qual destino.

Friday, April 25, 2008

Cego.

Apenas o final do dia
Fazia-o ansiar
Pois, logo que dormia
Sonhando, voltava a enxergar.

Wednesday, April 23, 2008

Humanos, demasiadamente humanos.

Tem louco para tudo. Sabemos disso. Basta ler algumas notícias nos jornais que fica claro como a capacidade humana de surpreender não deixa de, bem, surpreender. Tento imaginar, por exemplo, o que pode levar um padre, um homem entregue a Deus e à religião, acordar um dia decidido a se amarrar a balões com gás hélio e sair voando por aí com o objetivo de entrar para o Livro dos Recordes.

Alguém consegue entender o que se passava na cabeça daquele cidadão? Talvez tenha levado muito ao pé da letra coisas como “subiu aos céus” e decidiu fazer o mesmo. O fato é que o caso do padre maluco e voador é só mais um exemplo dessa máquina fascinante, complexa e perturbadora que é o ser humano. Essa história, não fosse real e provavelmente tivesse causado a morte do religioso, seria digna de uma comédia pastelão, de um episódio do Chaves. O acontecimento é tão estapafúrdio que é difícil segurar o riso quando se ouve falar nisso.

Ok, posso estar sendo um pouco insensível com o padre fascinado com o mito de Ícaro, mas, de certa forma, senti até um pouco de alívio com essa notícia. Por quê? Simplesmente porque desviaram um pouco a atenção do caso sensacionalista envolvendo a morte da pequena Isabella. Não queria escrever nada sobre o assunto, até porque a mídia está dando cobertura muito mais que exagerada ao caso, mas acabei sentindo necessidade de colocar aqui algumas opiniões.

E, convenhamos, também não há como ficar mudo diante de cenas vergonhosas como a da turba em frente à delegacia pedindo justiça sem saber dos fatos, de crianças que nem sabem o que acontece segurando cartazes condenando os suspeitos (sim, até que provem o contrário, eles ainda são suspeitos) e da própria mídia julgando-os como culpados. Revista Veja, teu nome é irresponsabilidade!

Tá certo que tudo aponta para o pai e a madrasta, mas eles ainda não foram acusados formalmente. O que mais me surpreende não é o caso em si. Por mais monstruoso e incompreensível que seja, o assassinato de Isabella, sabemos, não é algo tão incomum assim. Isso acontece diariamente, com pais abandonando bebês em sacolas, crianças tirando a vida de outras crianças e tudo aquilo que sabemos que acontece, mas temos medo de admitir.

O que interessa tanto no caso é que, desta vez, o hediondo crime não ocorreu em uma favela dominada pela selvageria e falta de condições. Foi em um prédio da classe média, com uma família “aceita” pela sociedade. Foi um assassinato cometido por mim, por você e por aqueles do nosso meio. Os principais suspeitos são pessoas com as quais poderíamos ser amigos, convidar para um churrasco e bater papo sobre futebol e cinema.

Esta é a verdadeira razão do assassinato de Isabella estar ganhando tanto destaque. A multidão de imbecis que se amontoa em frente à delegacia para xingar o casal Nardoni não passa de conseqüência. Estes, sim, fazem parte de outra camada da sociedade, mais ignorante, e que viram nisso uma chance de aparecer na televisão. Nada mais que isso. É gente que, se estivesse frente a frente com Alexandre e Ana Carolina, certamente ficaria calada, mas em meio à multidão saciam a sede de sangue posicionando-se como verdadeiros justiceiros, defensores da moral e da ética sem nem ao menos saber o que isso significa.

Justiça. Justiça não é assumir o papel de capataz e condenar o casal a ser linchado publicamente. Eles já perderam uma filha. A vida deles já mudou para sempre. Justiça é deixar que tenham um julgamento idôneo, baseado em evidências, não em pré-julgamentos. Eles podem até ter cometido o crime, mas não cabe a mim, a você e muito menos a quem acampa naquele circo que virou o caso condenarem os dois. “Olho por olho, o mundo vai ficar cego”, dizia Gandhi.

Em um mundo ideal, a gente se afastaria um pouco. Daríamos espaço para que fosse realizado um trabalho competente e justo. Mas não vivemos em um mundo ideal. Vivemos em um mundo de pessoas fracas, de seres capazes de realizar qualquer coisa para aparecer. Gente que precisa de catarses como essa para liberar sua besta interior. E, no fundo, deixemos de ser hipócritas, gente como nós, que assiste ao desenrolar dos fatos com olhos grudados na telinha. Nada mais que seres humanos. Complexos, únicos e surpreendentes. Como aquele padre que se perdeu em meio às nuvens do litoral catarinense.

Monday, April 07, 2008

Pancho.

Era uma manhã como qualquer outra. Parecia ser, pelo menos. Estava eu sentado em frente ao computador, tentando dar algum nexo para as palavras e frases que surgiam na tela ao movimentar de meus dedos, quando o colega que senta ao meu lado recebe uma ligação. Do outro lado da linha, nosso chefe. O motivo da ligação, uma visita que receberíamos naquele início de dia.

- O Roner ligou dizendo que o Pancho González vem aí falar com a gente – disse o colega.

O que se pode pensar após uma informação dessas? Duas coisas brotaram na minha mente. Primeiro, que o chefe enlouqueceu e acreditava estar trazendo para a agência um personagem de desenho animado, daqueles cujas pernas viram rodinhas quando corre rápido e é esmagado até ficar da finura de um papel sem se machucar. Já a segunda coisa que pensei foi: que nome!

Senhoras e senhores que ainda insistem em ler o que escrevo, afirmo aqui com toda a credibilidade que construí em meus anos de brincadeira com as palavras e com a ainda reduzida experiência que tenho sobre esta terra: nunca houve e jamais existirá um nome com mais carisma, imponência, criatividade e unicidade que Pancho González. Nunca. Não há para Lord Byron von Clausewitz III, para Wedyslley Silva ou para Tiririca. Pancho González é o nome no qual todos os outros deveriam se inspirar.

Nunca gostei de Silvio. É verdade, nunca fui muito com a cara do meu nome. Nem acho que pareço um Silvio. Este é um nome de adulto, de empresários bem-sucedidos e respeitados pela sociedade. Como Darci, por exemplo. Jamais se conheceu uma criança ou um jovem chamado Darci. Todos os Darcis nasceram com quarenta e dois anos de idade. É o que deveria acontecer com os Silvios. Eu, no papel que me cabe de guri brincalhão e idiota, não sou Silvio de verdade.

E tem mais um motivo pelo qual nunca gostei de meu nome: a falta de criatividade. Sou Silvio Júnior. Sim, meu pai também é Silvio. Querem saber o pior? Meu pai é Silvio Neto. Meu bisavô era Silvio, meu pai é Silvio e eu sou Silvio. Vai ser plagiador assim em outro lugar. Com tantos nomes por aí, por que colocar tanto Silvio em uma mesma família? Para um cara que trabalha com criatividade todo dia como eu, isso chega a ser ofensivo.

Mas tudo bem. Foi o nome que meu pai e minha mãe escolheram e sou conhecido por ele, ainda que a maioria das pessoas que convive comigo não o utilize para se dirigir a mim. Sou um Silvio, mas um Silvio querendo ser Pancho. De preferência, González. Poderia ser Bermudez. Pancho Bermudez. Erico Bermudez, quem sabe.

Estes nomes têm a minha cara. Certo, não uso sombrero, não deixo bigodinho ralo e não tenho pele parda, mas são nomes que combinam humor, atitude e leveza na forma de ver a vida. Ao mesmo tempo, são nomes imponentes, de pessoas que qualquer um gostaria de conhecer. Nomes que geram respeito, que fariam as mulheres suspirar apenas ao ouvirem a musicalidade da união daquelas letras e que levam Joões, Eduardos a Brunos a uma luta contra sua própria inveja.

Pancho González, ao final, era o diretor de criação de uma agência de propaganda chilena. Não era uma figura particularmente excêntrica e, mesmo talentoso, ainda não conseguia justificar ser dono de um nome desses. Talvez ninguém conseguiria. Pancho González é um nome metafísico, uma alcunha transcedental, um apodo acima do céu, da terra e de tudo o que supõe a nossa vã filosofia.

Mas chega de escrever. Estou indo ao cartório.