Viagem Literária

Apenas uma maneira de despejar em algum lugar todas aquelas palavras que teimam em continuar saindo de mim diariamente.

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Location: Porto Alegre, RS, Brazil

Um gaúcho pacato, bem-humorado e que curte escrever algumas bobagens e algumas coisas sérias de vez em quando. Devorador voraz de livros e cinéfilo assumido. O resto não interessa, ao menos por enquanto.

Friday, September 25, 2009

A Revolução Gremista

No Brasil, ninguém tem tanto orgulho de sua terra quanto nós, gaúchos. Isso não é opinião, é fato. Comprovei-o ainda esta semana. Questionei um colega paulista se ele sabia ao menos um trecho do hino do seu estado. A resposta, claro, foi negativa. Creio que somente aqui no Rio Grande do Sul a população saiba de cor os versos de seu hino. Quem não o conhece por inteiro, ao menos sabe cantar com o peito inflamado o “Sirvam nossas façanhas/De modelo a toda a terra”.

Ainda nesta semana, comemoramos uma das datas mais importantes de nossa história: o aniversário da Revolução Farroupilha. O 20 de setembro, que também consta no hino, segue ainda hoje como o símbolo máximo deste povo bravo, guerreiro e apegado às suas tradições. São características que, querendo ou não, despertando ódio ou não, nos diferenciam dos demais povos do Brasil. O gaúcho não se acha melhor, como pensa o resto do país. Mas o gaúcho sabe que tem características diferentes, que não condizem com a malemolência e o “jeitinho brasileiro”. Características únicas e peculiares.

Características que o Grêmio representa como nenhum outro clube.

Durante muito tempo, o Grêmio foi o embaixador do Rio Grande nos quatro cantos do planeta. O Tricolor, em seu centenário de vitórias, circulou por todo o mundo atraindo seguidores, inspirando fãs e, inclusive, despertando paixões que levaram novos torcedores a abrir filiais gremistas pelo mundo. Já ouvi diversas histórias de façanhas tricolores pelo globo, como o homem que batizou sua filha de Gremina após uma turnê tricolor ou um pub na Holanda cuja única camiseta que o orgulhoso dono estampava no estabelecimento era a tricolor.

Claro que outros irão chiar, mas é inegável que o Grêmio é o clube que levou para os gramados o espírito dos caudilhos, que desbravavam os pampas sobre cavalos, peleando por sua terra. A história do Grêmio se erigiu assim, imprimindo na ponta da chuteira a alma da bota e da espora. Os grandes heróis gremistas são homens que honrariam bravos gaúchos como Bento Gonçalves e o General Netto, por dedicarem-se à luta com todas as suas forças e brigarem, se preciso, com os dentes em busca de um ideal maior: a eternidade no coração de cada torcedor.

Neste momento, a história peleadora do Grêmio precisa novamente ser convocada. Está sendo convocada. A Revolução Gremista no Brasileirão de 2009 já teve início e as batalhas contra as forças do resto do país estão em andamento. Se terminarão em triunfo, se esta guerra vai se encerrar com a bandeira das três cores fincada nos campos pelo Brasil afora, por enquanto não sabemos. O que sabemos é que a fibra que forma um espírito gaúcho não nos deixará desistir.

Brigaremos, como sempre, até o final. Brigaremos com a certeza de que todo gremista tem orgulho de ser gaúcho, mas nem todo gaúcho tem a honra de ser gremista.

Thursday, September 24, 2009

A lição dos Python

Meu pai costuma dizer que a gente sabe que está envelhecendo quando a frequência dos velórios começa a aumentar em nossas vidas. Há uma certa verdade nisso. À medida que os anos passam para nós, o mesmo ocorre para os outros e, portanto, ficam mais perto do fim. Se nas primeiras décadas de vida nossa experiência com a morte é mais rara, a ceifadora torna-se quase uma presença comum para quem já possui certa experiência aqui por estas bandas.

Nunca perdi alguém próximo a mim, exceto minha avó, que já sofria há algum tempo e, portanto, sua partida era algo ao qual estávamos todos preparados. Recentemente, em menos de um mês, fui a dois velórios, que me abalaram não tanto pela minha própria relação com os falecidos, mas pelas circunstâncias: o primeiro era um conhecido de apenas 28 anos, repleto de alegria e juventude, e a segunda a mãe de uma grande amiga.

Sinceramente, não consigo nem imaginar a dor que deve sentir quem perde um ente querido. A passagem destes dois me tocou, talvez por ser a primeira vez que enfrentei isso com maturidade suficiente para refletir sobre e tentar compreender um pouco mais a inevitabilidade da morte. Não sofri, da maneira propriamente dita, simplesmente porque não eram pessoas tão próximas. Mas, como disse, a morte deles me tocou. Por mais que seja algo comum, por mais que seja a única certeza que temos, é inegável que ninguém está preparado para a morte. Quando ela vem, vem como se fosse uma surpresa. E a reação inevitável é dor e incredulidade.

É difícil, mas não deveria ser assim. Tentar compreender que a pessoa amada não mais respirará o mesmo ar que nós, que não mais escutaremos a sua voz, deve ser uma sensação indescritivelmente agoniante. O fim da jornada de outra pessoa parece significar o fim de nossa própria. Como seguir adiante? Como dar o próximo passo? Como compreender aquilo que já sabíamos que iria acontecer, mas evitávamos pensar? Ou, talvez, a pergunta mais importante: há uma resposta definitiva para todas estas questões?

Provavelmente, não. Cada um tem a sua própria forma de enfrentar a dor. Cada pessoa busca forças de um jeito e tem sua maneira de encarar as adversidades da vida. Existe uma forma correta? Não. A forma correta é a que dá certo. A que faz a gente seguir em frente. É bonito pensar que a morte não é o fim, mas o recomeço. É bacana imaginar que se trata apenas do início de um novo ciclo para quem vai e de novas oportunidades para quem fica. É fácil falar. Mas, no momento em que o sofrimento nos atinge, essas reflexões tendem a evaporar e dar lugar à dor.

Quando o grupo cômico Monty Python perdeu Graham Chapman, seus demais integrantes decidiram dar a ele a despedida apropriada. Sabiam que Chapman jamais ficaria satisfeito com um funeral repleto de pessoas tristes, chorando e lamentando a sua partida. Tinha a certeza de que o amigo preferiria que, especialmente naquele momento, os presentes conseguissem compreender que até mesmo a morte pode ser vista de maneira cômica e subversiva. O que fizeram? Apresentaram praticamente um show de comédia no velório de Chapman.

O que os Python fizeram é raro. É corajoso. Para alguns, pode até ser falta de respeito. Para mim, é o correto. É o melhor caminho. Claro que a dor é inevitável, mas a morte é algo tão natural, de certa forma tão simples, que deveria ser vista como bom humor. Nem todos conseguem, mas por que não tentar? Por que não buscar o que há de cômico nessa situação tão trágica e utilizar o humor para superá-la? A leveza no lugar da angústia. A felicidade como remédio para a depressão. O riso para curar as lágrimas. Seria, como dizia o próprio Monty Python: “always look on the bright side of life”.

Por que não?

*O discurso de John Cleese no funeral de Chapman está disponível no Youtube. Recomendo.

Tuesday, September 22, 2009

A aliança

Há algo em um homem casado que simplesmente enlouquece as mulheres. Talvez seja o fato de elas saberem que aquele espécime tem dona. Talvez seja a interpretação de que, se ele é casado, é porque tem algo de bom a oferecer. Talvez seja a estabilidade financeira que se espera de alguém com uma companheira. Ou talvez seja a pura lascívia feminina. Os motivos permanecem misteriosos. No entanto, a verdade é inegável: há algo em um homem casado que simplesmente enlouquece as mulheres.

Manolo sabia disso quando entrou no bar Néon. Chegando perto dos trinta anos, não tinha mais a disposição de ficar correndo atrás de garotinhas para depois ouvir um “não”. Havia chegado à conclusão de que estava velho demais para isso. Decidira, há algum tempo, que, se quisessem, elas teriam que tomar a iniciativa. Para ele, dar o primeiro passo nunca mais. E, por incrível que possa parecer, a tática de Manolo vinha dando certo.

Assim como daria naquela noite. Manolo estava sentado sozinho, com um copo de chopp à sua frente. Acompanhava atentamente o show acústico de rock que acontecia alguns metros diante de si quando percebeu que, na mesa ao lado, uma garota o fitava como se ele fosse a atração do palco. Um olhar fixo, alheio a todo o resto.

Sem virar o rosto em direção a ela, Manolo posicionou a mão ao lado da bochecha, deixando à vista da mulher a aliança que trazia no dedo. Permaneceu assim por alguns instantes e, em seguida, voltou à posição inicial e a saborear a bebida gelada que o aguardava.

Ao final da canção que os músicos tocavam, Manolo se levantou. Caminhou até o bar e, intencionalmente, passou ao lado da mulher que o observava. Era uma morena bonita, com um vestido branco que realçava sua pele bronzeada e o decote. Manolo, em pé, se deteve por um instante ao lado dela antes de seguir sua caminhada em direção ao bar.

Chegando ali, esperou. Aproximadamente três minutos depois, a morena pediu licença aos demais amigos da mesa e se levantou. Sem a menor pressa, ciente dos olhares que atraía, esgueirou-se por entre as demais mesas do local. Manolo estava no balcão do bar, segurando um novo copo de chopp com a mão que apresentava a aliança.

Ela não perdeu tempo. Parou ao lado de Manolo e pediu água para o barman. Em seguida, virou-se para Manolo e disse, com voz rouca e sensual:

- Ótimo show, não?

- Excelente – respondeu Manolo. – Escutá-los parece diferente a cada nova apresentação.

Manolo olhou diretamente para os olhos dela. Percebeu que a atenção da morena não estava em seus olhos ou em sua boca, mas em sua mão. A mulher olhava diretamente para a aliança.

- Prazer, Milene – ela falou, estendendo a mão com uma combinação de doçura e luxúria.

- Manolo – disse ele, propositalmente esticando a mão com a aliança.

- Bela aliança.

- Obrigado.

- É casado há muito tempo?

- Alguns anos.

Ela baixou os olhos e suspirou, completando:

- Que pena.

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Manolo acordou com a batida da porta. Esticou o pulso e olhou em seu relógio. Dez e trinta e dois. O sol da manhã teimava em entrar pelas frestas da janela. O lado direito da cama ainda estava quente e mantendo a forma do belo corpo de Milene.

Ele sorriu. Com esforço, retirou a aliança do dedo e a colocou gentilmente sobre o criado-mudo. Em seguida, virou-se para dormir.

Antes de pegar no sono, pensou mais uma vez que há algo em um homem casado que simplesmente enlouquece as mulheres. E, exatamente por disso, valia a pena se passar por um deles.

Friday, September 18, 2009

UMA PROVA DE AMOR


UMA PROVA DE AMOR (MY SISTER’S KEEPER)
De Nick Cassavetes. Com Cameron Diaz, Jason Patric, Abigail Breslin, Sofia Vassileva, Alec Baldwin, Joan Cusack.


Filmes são realizados com os mais diferentes objetivos. Existem os produzidos unicamente para levar a plateia às risadas, outros criados para fazer o espectador refletir sobre o que assiste e também aqueles cujo grande objetivo é tocar o coração e gerar lágrimas do público. Neste último grupo, estão obras como Love Story e Laços de Ternura, verdadeiros sucessos que conquistaram plateias de todo o mundo e fizeram empresas de lenços lucrarem com suas vendas. Ano passado, o principal expoente dessa linha foi Marley & Eu, uma produção que fez chorar até marmanjos de coração duro. E a disputa do filme-lenço de 2009 já tem o seu campeão: Uma Prova de Amor, novo trabalho de Nick Cassavetes.

Baseado em um best-seller de Jodi Picoult, o filme conta a história de como uma família lida com o câncer terminal da filha adolescente. O inusitado da situação fica por conta de Anna, irmã da garota doente, que aciona um advogado com o objetivo de processar os pais para assumir direitos sobre seu corpo. Tudo porque Anna foi um bebê geneticamente planejado para servir como doadora à irmã, fato ao qual a garota não quer mais se submeter. Tem início, então, não somente uma batalha legal, mas uma disputa dentro da própria família, enquanto lidam com a proximidade da morte da menina com câncer.

Pela sinopse, percebe-se que o Uma Prova de Amor é um potencial gerador de lágrimas. A história envolvendo crianças à beira da morte, laços familiares em turbulência e as questões geradas a partir disso só poderiam resultar em um filme emocionante, capaz de tocar corações. E a obra de Cassavetes (diretor do ótimo Diário de uma Paixão) consegue isso, mesmo que algumas vezes tenha que apelar para recursos nada discretos. Uma Prova de Amor é, sem dúvida alguma, um filme que cumpre a sua proposta, sendo capaz de fazer a plateia sair do escuro do cinema com o rosto inchado e vermelho de tanto chorar.

Mas vamos com calma. O roteiro, escrito pelo próprio Cassavetes e por Jeremy Leven (de Don Juan de Marco), chama a atenção desde os primeiros minutos pela fórmula adotada: ao invés de contar com apenas um narrador, o filme aposta na múltipla narração, com cada personagem se apresentando e refletindo sobre como a doença de um parente influenciou suas próprias vidas. Não é um recurso novo (Martin Scorsese, por exemplo, fez isso em Os Bons Companheiros), mas é uma opção ousada e, acima de tudo, eficaz, que oferece uma maior compreensão em relação a cada personagem e a forma com a qual eles encaram a difícil situação.

Porém, se demonstra coragem nesse sentido, o roteiro se amedronta em questões essenciais. O filme trata de temas extremamente polêmicos e profundos, principalmente a geração de crianças com o único objetivo de servirem de doação. Chega a ser decepcionante, então, ver como a história evita discutir o tema, tratando a ação da pequena Anna mais como um fato inusitado do que como um ponto de partida para a reflexão. Por exemplo, o dilema moral, inevitável aos pais que se vêem diante de uma decisão dessa magnitude, é tratado em duas ou três linhas de diálogos, sem jamais receber a profundidade merecida. Afinal, é justo conceber uma criança com o único propósito de salvar outra?

Ao fugir dessa questão essencial à própria história, o filme se apequena. E, o que é pior, acaba criando uma imagem nada agradável do pai e, principalmente, da mãe (personagem de Cameron Diaz), como se os dois não se preocupassem com Anna. O sentimento real de Sara pela filha permanece um mistério durante todo o filme e é, sim, uma pergunta que deveria ser respondida. Mas a personagem é complexa, como se pode perceber com a constante recusa em desistir da filha: isso se dá sua tanto por não querer perdê-la quanto por não querer perder o sentido de sua própria vida, uma vez que a batalha se tornou sua única razão de ser.

É um pena, portanto, que um papel repleto de camadas tenha ficado nas mãos de uma atriz limitada como Cameron Diaz. Não que ela esteja mal, porém, também não é capaz de transmitir todos os sentimentos de Sara ou torná-la crível diante da difícil situação na qual se encontra. Fica claro que sua capacidade dramática está amarrada às comédias românticas. O mesmo vale para Jason Patric, outro ator de pouco alcance, que faz de Brian mais um boneco em tela do que uma pessoa real. Seu personagem, na verdade, é prejudicado por ser deixado de lado pelo roteiro, com apenas um momento no qual demonstra algo além do unidimensional. Já Joan Cusack e Alec Baldwin apresentam atuações eficazes, ainda que as motivações do advogado para pegar o caso jamais convençam.

A verdade é que o elenco infantil dá um verdadeiro baile no adulto. Abigail Breslin e a desconhecida Sofia Vassileva entregam um verdadeiro show de interpretação. Breslin já é conhecida do grande público (inclusive já concorreu ao Oscar por Pequena Miss Sunshine) e demonstra mais uma vez o seu talento e carisma no papel difícil de Anna. Mas é Vassileva quem realmente conquista o espectador. A atriz não somente demonstra coragem e entrega ao atuar careca durante quase todo o tempo, como também combina com perfeição toda a tristeza, doçura e melancolia da personagem. Seus sorrisos forçados, diante da inevitabilidade de seu destino (especialmente na cena com toda a família no hospital), são de cortar o coração.

Breslin e Vassileva ainda são as responsáveis por boa parte da emoção contida em Uma Prova de Amor, graças à relação entre as duas irmãs, verdadeiro núcleo da obra. A química entre as duas atrizes excede os limites da tela e o amor entre elas contagia o espectador. Na realidade, as cenas com Vassileva, seja com Breslin ou com Thomas Dekker, que interpreta o namorado Taylor, estão entre os melhores momentos da produção. O romance, aliás, talvez seja a parte mais bonita e tocante de todo o filme. É quando a narrativa realmente passa a falar fundo com o espectador e a emoção surge naturalmente – a minitrama com Kate e Taylor daria, certamente, um belíssimo filme por si só.

De certa forma, é a partir deste momento que Uma Prova de Amor realmente consegue contagiar o espectador. Até então, no subenredo envolvendo a questão judicial, a produção parecia ter dificuldades de estabelecer essa identificação com a plateia, uma vez que as reações e atitudes tomadas pelos personagens permaneciam um mistério. Há uma forte diferença de tom entre os momentos sobre o processo e as cenas passadas em família – os segundos são infinitamente mais fortes, o que leva à pergunta sobre se a história envolvendo a atitude de Anna é realmente necessária. Tudo bem que ela é o ponto de partida para a trama, mas, como o roteiro se acovarda ao gerar discussões e os momentos emocionantes são aqueles passados no núcleo familiar, fica a dúvida se o filme não poderia ter focado somente em como os Fitzgerald lidavam com o câncer da filha.

É aí, aliás, que Uma Prova de Amor atinge o seu objetivo: emocionar. Cassavetes pode apelar para alguns recursos discutíveis – como as constantes cenas em câmera lenta, nas quais o som diegético desaparece e a trilha sonora sobre com alguma música emocionante –, mas essa forma de manipulação somente funciona porque o espectador está imerso na história e nos personagens. Em um filme sem valor dramático ou narrativo, cenas como essas são apenas vergonhosas; em Uma Prova de Amor, elas são emocionantes. Além disso, elas não são exageradas a ponto de se tornar piegas, e Cassavetes cria alguns belíssimos momentos, cenas de pura emoção nas quais é difícil não se emocionar, como a sequência na praia ou a já citada relação entre Taylor e Kate.

Assim, Uma Prova de Amor consegue despertar sentimentos reais na plateia. É um filme com problemas narrativos, sim, e que poderia ter mais coragem e um pouco mais de sutileza na tentativa de emocionar. Mas, por outro lado, conta com uma história que é, ao mesmo tempo, bonita e triste, capaz de se conectar com o público de uma forma que poucos outros filmes conseguirão neste ano. Assim como Uma Prova de Amor passa a belíssima lição de aceitação da morte, o espectador também deve aceitar que Nick Cassavetes fez um filme com a intenção única de emocionar.

E nisso, as lágrimas dizem melhor que as palavras, ele é muito bem sucedido.

Nota: 7.0

Tuesday, September 15, 2009

UP - ALTAS AVENTURAS


UP – ALTAS AVENTURAS (UP)
De Pete Docter e Bob Peterson. Com as vozes originais de Edward Asner, Christopher Plummer, Jordan Nagai, Bob Peterson, Delroy Lindo e John Ratzenberger.


Falar bem da Pixar é cair no lugar-comum. Desde seus primeiros curtas, o estúdio estabeleceu um novo padrão para as animações, criando histórias e personagens memoráveis, capazes de cativar o coração e garantir risadas de pessoas de todas as idades. Esse talento atingiu seu ápice ano passado, com o lançamento do ousado e belíssimo Wall-E. Up – Altas Aventuras é o mais recente trabalho do estúdio e, mesmo que não alcance a qualidade do filme do robozinho e de outras façanhas de John Lasseter e sua equipe, ainda assim é um filme acima da média.

A história gira em torno de Carl Fredricksen, um velhinho vendedor de balões que sempre sonhou em realizar aventuras ao lado da esposa. Por diversas razões, a tão sonhada viagem à América do Sul nunca aconteceu, e Carl encontra-se sozinho após a morte de sua companheira. Pressionado para vender a sua casa e intimado por um tribunal para se mudar a um asilo, Carl decide que ainda há tempo de partir em sua jornada, e o faz prendendo a sua casa a milhares de balões. Ele apenas não contava com a presença de Russell, um escoteiro disposto a ajudá-lo para ganhar o último emblema que falta ao seu uniforme.

Talvez o grande problema de Up – Altas Aventuras seja o fato de que o espectador está mal acostumado com a Pixar. Espera-se sempre do estúdio mais uma obra-prima, o que, como se sabe, não é fácil. Este último trabalho, por exemplo, é repleto de qualidades, mas não há algo que o destaque a ponto de se tornar memorável. Falta a Up – Altas Aventuras o carisma dos personagens de Toy Story, o ritmo impecável de Os Incríveis, o roteiro de Ratatouille e a ousadia narrativa de Wall-E, por exemplo. A história de Carl Fredricksen e o garoto Russell possui, sim, elementos artísticos que o tornam mais do que um mero produto – estes, porém, aparecem em menor quantidade do que nos esforços anteriores da equipe.

O correto, então, seria analisar Up – Altas Aventuras como um filme por si só e não compará-lo com a história da Pixar. Nesse contexto, a produção é uma bela conquista cinematográfica. O roteiro dos também diretores Pete Docter e Bob Peterson é hábil ao equilibrar o aspecto humano e emocional da história com o lado da aventura, tornando o filme atraente tanto a adultos quanto a crianças. A maior conquista da direção de ambos é o desenvolvimento do protagonista e o estabelecimento de uma forte identificação entre a plateia e ele; uma tarefa difícil, levando em conta que Carl Fredricksen é um velho rabugento e que poderia gerar antipatia.

Docter e Peterson fogem desta armadilha através de pequenas soluções que ajudam a compreender o personagem como um todo, evitando uma percepção mais rasa e unidimensional. E o maior exemplo disso é a sequência que ilustra toda a história da vida de Fredricksen e de Ellie. Essa pequena montagem é nada menos que genial e pode figurar, certamente, entre as maiores conquistas da Pixar: em pouco menos de cinco minutos, e sem qualquer diálogo, o espectador sente a felicidade, a dor, o amor, as desilusões e a realidade daquele casal. É um momento magnífico e emocionante, um exemplo magistral de economia narrativa que faz a plateia compreender quem é Carl Fredricksen ao mesmo tempo em que o torna uma figura familiar e querida.

Mas o desenvolvimento do personagem não se encerra aí. Fredricksen tem um arco dramático bem definido na história que, mesmo sendo previsível, é construído de maneira eficaz e sensível pelo cineasta. Além disso, a natureza, digamos, “experiente” do personagem permite o roteiro abordar temas relevantes que, mais uma vez, mostram por que as animações da Pixar se diferenciam da grande maioria. A dor da perda, a inevitável passagem do tempo e a busca pela renovação são assuntos adultos presentes em Up – Altas Aventuras, tratados de maneira sutil pelo roteiro, afinal, trata-se de um desenho animado para o público infantil.

E Up – Altas Aventuras provavelmente seja o filme da Pixar que mais faça concessões às crianças desde Carros. Isso fica claro, por exemplo, na abordagem da questão dos cachorros falantes: faria alguma diferença à trama se eles fossem cães que apenas latissem? Só para lembrar, esse mesmo problema foi contornado com maestria em Ratatouille. Dar voz aos animais é uma forma de apelar descaradamente ao público infantil e a inserção deste elemento cria uma espécie de conflito com tom humano dado à história e aos personagens – os dois não parecem pertencer ao mesmo filme, o que causa certa estranheza e prejudica a produção.

Da mesma forma, também é inevitável constatar que Up – Altas Aventuras é o roteiro com menos ideias originais da Pixar. Todos os filmes do estúdio são repletos de pequenas sacadas que vão se somando para formar um todo diferenciado, mas aqui elas aparecem em número reduzido. Assim, a produção raramente demonstra a criatividade única dos profissionais envolvidos na produção – ainda que existam momentos inspirados, como o combate entre os dois idosos, o despertador-sapo e a hilária cena na qual um dos personagens é arrastado por um vidro.

Mesmo que Up – Altas Aventuras apresente estas e outras situações engraçadas, o filme não busca atingir uma hilaridade incessante. Tais gags surgem em alguns momentos específicos, sem a necessidade de fazer rir a todo momento. Por outro lado, Docter e Peterson têm o objetivo de desenvolver o aspecto dramático e emocional da história, tarefa na qual são muito bem sucedidos. O filme possui coração e alguns momentos realmente tocantes, como a já citada montagem inicial, a descoberta de Fredricksen no “Livro de Aventuras” e o belíssimo plano final. Esta cena, aliás, mostra como a obra consegue envolver o espectador: apenas assistir aquela imagem dá uma sensação perfeita de encerramento à história.

Obviamente, os aspectos técnicos do filme merecem ser lembrados. A animação é impecável, desde a fluidez dos movimentos dos personagens até a preocupação com os detalhes, como a barba de Fredricksen, que cresce no desenrolar da história. Importante ressaltar também o cuidado na própria composição dos personagens: os traços quadrados do rosto do protagonista servem como uma representação de sua personalidade dura e rígida. A mesma interpretação pode ser estendida ao gordinho Russel, que se apresenta adorável, e ao carismático cachorro Doug, cuja aparência faz contraponto com dos outros amedrontadores cães.

Claro que Up – Altas Aventuras tem uma estrutura previsível, mas isso é de se esperar em um filme com tal proposta. No geral, é mais uma obra acima da média da Pixar, capaz de transcender gêneros e falar aos olhos e aos corações de todos. Possui seus problemas e está longe de ser uma obra-prima do nível de Wall-E. Porém, é um esforço digno, do qual crianças e adultos certamente sairão com um sorriso no rosto.

Nota: 7.0

Tuesday, September 08, 2009

Tuíter.

Putz, me tuitei todo: @silviopilau

Wednesday, September 02, 2009

Gozada revolução.

Os milhares de concorrentes já estavam reunidos. Nervosos, caminhavam e corriam de um lado para o outro, esperando o tiro de largada. Aquele era o momento pelo qual esperaram a vida inteira. Pelo qual nasceram. Estavam prestes a cumprir a sua missão.

Em meio ao tumulto, Oscar parecia ainda mais tenso que os demais. Esfregava as mãos e falava sozinho. Não estava agitado unicamente pela grande corrida que tinha diante de si, mas por não encontrar o que procurava. Estava em busca de seu amigo Ernesto. Desde crianças, juravam viver aquele momento juntos.

Finalmente, Oscar o enxergou. Como se estivesse alheio a tudo o que ocorria, Ernesto caminhava tranquilamente, sereno, desdenhando a ansiedade de seus companheiros.

- Emerson, onde você andava? – gritou Oscar, aproximando-se do amigo.

- Pensando – respondeu Ernesto, sem qualquer alteração.

- Pensando em quê? E o que é isso na sua cabeça?

- Uma boina.

Ernesto usava uma boina na cabeça.

- Eu sei que isso é uma boina, mas por que você está com ela? Logo hoje?

- É protesto.

- Protesto contra o quê? Isso é hora de protestar? Agora que chegou a nossa vez de correr?

- Eu não vou, Oscar.

- Não vai? Como não vai?

- Não vou. E se você fosse mais inteligente, também não iria.

Oscar não entendia o que estava acontecendo com o amigo. Sempre imaginaram aquele momento. Sempre sonharam em compartilhar aquela corrida. Sabiam que apenas um chegaria ao final, mas isso fazia parte da natureza deles. Era algo com o qual teriam que conviver.

Afinal, eram espermatozóides prestes a correr em direção ao óvulo.

- Do que diabos você está falando, Ernesto? – Oscar começava a se desesperar.

- Eu não vou. Finalmente compreendi que a nossa existência está errada. Que somos meros peões de um sistema muito maior que nada nos beneficia.

Alguns espermatozóides já começavam a parar para ver aquela cena tão inusitada.

- Ernesto, cale essa boca e se prepare – disse Oscar, puxando o amigo pelo braço. – Nosso humano pode ter orgasmo a qualquer momento e temos que estar à disposição.

- Por quê, Oscar? – perguntou Ernesto, já se desvencilhando do braço do companheiro. – Por que temos que estar à disposição dele? Por que milhões e milhões de nós devemos sacrificar as nossas vidas para que somente um possa prosperar? Isso está errado. Errado! E eu me recuso a fazer parte desse sistema.

O grupo em torno de Ernesto aumentava. Alguns já concordavam meneando a cabeça e outros gritavam palavras de apoio. Ernesto se sentiu encorajado e continuou, agora erguendo a voz.

- Espermatozóides de todo o escroto, uni-vos. Não mais nos subjuguemos a essa competição capitalista na qual apenas um é o vencedor. Não mais cederemos nossas vidas e nossas existências para o prazer de um ser humano. Nós somos o poder. Nós somos o povo.

- É isso aí! – esbravejavam alguns.

- Ele está certo! – clamavam outros.

O apoio incentivou Ernesto a continuar:

- E o pior de tudo é que jogamos fora as nossas vidas sem sabermos o nosso destino. Podemos acabar na mão dele, em um ato solitário de prazer. Podemos acabar dentro de paredes de látex, em um coito sem qualquer futuro para nós. É hora de darmos um basta. É hora de lutarmos por nossos direitos. É hora de nos tornamos os espermatozóides que devemos ser!

Ao seu redor, a multidão explodiu. Os milhares de espermatozóides que ouviam o discurso gritavam o nome de Ernesto incessantemente. Alguém o levantou. Ernesto foi carregado nos ombros por seguidores inebriados com suas belas palavras sobre justiça e igualdade.

Então, um ensurdecedor alarme começou a disparar. Luzes vermelhas piscavam de todos os cantos. As vozes dos protestantes foram caladas pelo apito. A movimentação cessou.

- Está na hora! – alguém gritou.

Os apoiadores de Ernesto ficaram parados. “O que fazer?”, pensavam. Uma coisa é concordar com as ideias de um contestador, outra é agir junto a ele.

Eram milhares, porém, poucos. Um número reduzido diante dos outros milhões que não ouviram as palavras de Ernesto e agora corriam irrefreavelmente. Os companheiros de Ernesto se deram conta de que, se não participassem da corrida, seriam atropelados pela multidão.

Preferiram partir em disparada. Ernesto também correu por sua vida. A princípio, tentava apenas se salvar. Algum tempo depois, percebeu que estava fazendo exatamente o contrário do que propagara em seu discurso. Mas agora era tarde. Só restava correr ao lado dos companheiros e lutar por sua vida.

E foi o que fez. Usou toda a sua velocidade para não ser atropelado e manteve um bom desempenho, sempre no pelotão de frente. Lá, encontrou Oscar e correram lado a lado.

Viu uma luz. Estavam chegando ao destino. Os dois apertaram o passo e ganhara mais algumas posições. Finalmente, chegaram ao final do trajeto e deram o salto definitivo.

Então, quando viu para onde iam, Ernesto sorriu. Mesmo ciente de possuir poucos instantes de vida, sorriu. Sorriu por ter alcançado o seu objetivo.

No momento derradeiro, pelo menos alguém estava engolindo suas ideias revolucionárias.

Pós-almoço

- Você não escovou os dentes?

- Hein?

- Você não escovou os dentes, Maicon?

- Não.

- Sério? Não escova?

- Escovo. Mas não depois do almoço.

- Por que não?

- Porque não tem motivo pra isso.

- Como assim? E a sujeira que fica nos dentes? E os problemas que pode causar?

- Tudo lenda urbana.

- O quê? Cárie, tártaro e essas coisas são lenda urbana?

- Não. Isso existe. Lenda urbana é precisar escovar três vezes por dia. Só uma tá bom.

- Você escova os dentes uma só vez por dia!?

- Sim.

- Quando?

- Quando acordo.

- E antes de dormir?

- Não.

- Você dorme cheio de coisas nos dentes?

- Se ficou alguma coisa, tiro pela manhã.

- E durante o dia? Se ficou com alguma coisa nos dentes, vai aparecer pra todo mundo.

- Aí a pessoa vai me avisar e eu vou tirar.

- Mas e a vergonha?

- Não fico envergonhado por isso.

- E o mau hálito?

- Não vou beijar ninguém agora.

- E se acontecer?

- Você quer me beijar, Carla?

- Não, eu não. Mas...

- Então, não vai acontecer.

- Mas e se acontecer?

- Aí eu compro um Trident.

- E se depois do beijo a moça ficar com um feijão na boca?

- Aí já beijei, não faz diferença. Foda-se ela.

- Mas aí você vai se queimar com ela.

- Se ela não me quiser por causa de um feijão no dente, ela não vale a pena.

- Por quê?

- Garanto que milhares de mulheres na África brigariam pra me beijar se eu tivesse um feijão no dente.

- Ai, Maicon. Que horror...

- Brincadeira, Carla.

- Não acredito que você só escova os dentes uma vez por dia.

- Quantas vezes você escova?

- Três.

- Desnecessário.

- Não é desnecessário, Maicon. É higiene.

- Você quer que eu escove?

- Você que sabe.

- Então tá. Vou escovar pra você parar de me encher o saco.

- Você vai ver como é melhor.

- Me empresta aí.

- O quê?

- Sua escova e sua pasta de dentes.

- Minha!? Por que a minha?

- Porque eu não tenho, ora! Já disse que não escovo depois do almoço.

- Eu não empresto minha escova. Principalmente para quem não escova os dentes depois do almoço.

- Mas é isso que eu estou querendo mudar.

- Mude longe da minha escova.

- A ideia foi sua, Carla.

- A boca é sua, Maicon.

(...)

- Aaargh! Por que você me beijou, nojento?

- O que achou? Faria alguma diferença eu ter escovado?

- Sei lá, acho que não.

- Então cala a boca e vai escovar seus dentes porque você está com bafo.