UP – ALTAS AVENTURAS (UP)
De Pete Docter e Bob Peterson. Com as vozes originais de Edward Asner, Christopher Plummer, Jordan Nagai, Bob Peterson, Delroy Lindo e John Ratzenberger. Falar bem da Pixar é cair no lugar-comum. Desde seus primeiros curtas, o estúdio estabeleceu um novo padrão para as animações, criando histórias e personagens memoráveis, capazes de cativar o coração e garantir risadas de pessoas de todas as idades. Esse talento atingiu seu ápice ano passado, com o lançamento do ousado e belíssimo
Wall-E.
Up – Altas Aventuras é o mais recente trabalho do estúdio e, mesmo que não alcance a qualidade do filme do robozinho e de outras façanhas de John Lasseter e sua equipe, ainda assim é um filme acima da média.
A história gira em torno de Carl Fredricksen, um velhinho vendedor de balões que sempre sonhou em realizar aventuras ao lado da esposa. Por diversas razões, a tão sonhada viagem à América do Sul nunca aconteceu, e Carl encontra-se sozinho após a morte de sua companheira. Pressionado para vender a sua casa e intimado por um tribunal para se mudar a um asilo, Carl decide que ainda há tempo de partir em sua jornada, e o faz prendendo a sua casa a milhares de balões. Ele apenas não contava com a presença de Russell, um escoteiro disposto a ajudá-lo para ganhar o último emblema que falta ao seu uniforme.
Talvez o grande problema de
Up – Altas Aventuras seja o fato de que o espectador está mal acostumado com a Pixar. Espera-se sempre do estúdio mais uma obra-prima, o que, como se sabe, não é fácil. Este último trabalho, por exemplo, é repleto de qualidades, mas não há algo que o destaque a ponto de se tornar memorável. Falta a
Up – Altas Aventuras o carisma dos personagens de
Toy Story, o ritmo impecável de
Os Incríveis, o roteiro de
Ratatouille e a ousadia narrativa de
Wall-E, por exemplo. A história de Carl Fredricksen e o garoto Russell possui, sim, elementos artísticos que o tornam mais do que um mero produto – estes, porém, aparecem em menor quantidade do que nos esforços anteriores da equipe.
O correto, então, seria analisar
Up – Altas Aventuras como um filme por si só e não compará-lo com a história da Pixar. Nesse contexto, a produção é uma bela conquista cinematográfica. O roteiro dos também diretores Pete Docter e Bob Peterson é hábil ao equilibrar o aspecto humano e emocional da história com o lado da aventura, tornando o filme atraente tanto a adultos quanto a crianças. A maior conquista da direção de ambos é o desenvolvimento do protagonista e o estabelecimento de uma forte identificação entre a plateia e ele; uma tarefa difícil, levando em conta que Carl Fredricksen é um velho rabugento e que poderia gerar antipatia.
Docter e Peterson fogem desta armadilha através de pequenas soluções que ajudam a compreender o personagem como um todo, evitando uma percepção mais rasa e unidimensional. E o maior exemplo disso é a sequência que ilustra toda a história da vida de Fredricksen e de Ellie. Essa pequena montagem é nada menos que genial e pode figurar, certamente, entre as maiores conquistas da Pixar: em pouco menos de cinco minutos, e sem qualquer diálogo, o espectador sente a felicidade, a dor, o amor, as desilusões e a realidade daquele casal. É um momento magnífico e emocionante, um exemplo magistral de economia narrativa que faz a plateia compreender quem é Carl Fredricksen ao mesmo tempo em que o torna uma figura familiar e querida.
Mas o desenvolvimento do personagem não se encerra aí. Fredricksen tem um arco dramático bem definido na história que, mesmo sendo previsível, é construído de maneira eficaz e sensível pelo cineasta. Além disso, a natureza, digamos, “experiente” do personagem permite o roteiro abordar temas relevantes que, mais uma vez, mostram por que as animações da Pixar se diferenciam da grande maioria. A dor da perda, a inevitável passagem do tempo e a busca pela renovação são assuntos adultos presentes em
Up – Altas Aventuras, tratados de maneira sutil pelo roteiro, afinal, trata-se de um desenho animado para o público infantil.
E
Up – Altas Aventuras provavelmente seja o filme da Pixar que mais faça concessões às crianças desde
Carros. Isso fica claro, por exemplo, na abordagem da questão dos cachorros falantes: faria alguma diferença à trama se eles fossem cães que apenas latissem? Só para lembrar, esse mesmo problema foi contornado com maestria em
Ratatouille. Dar voz aos animais é uma forma de apelar descaradamente ao público infantil e a inserção deste elemento cria uma espécie de conflito com tom humano dado à história e aos personagens – os dois não parecem pertencer ao mesmo filme, o que causa certa estranheza e prejudica a produção.
Da mesma forma, também é inevitável constatar que
Up – Altas Aventuras é o roteiro com menos ideias originais da Pixar. Todos os filmes do estúdio são repletos de pequenas sacadas que vão se somando para formar um todo diferenciado, mas aqui elas aparecem em número reduzido. Assim, a produção raramente demonstra a criatividade única dos profissionais envolvidos na produção – ainda que existam momentos inspirados, como o combate entre os dois idosos, o despertador-sapo e a hilária cena na qual um dos personagens é arrastado por um vidro.
Mesmo que
Up – Altas Aventuras apresente estas e outras situações engraçadas, o filme não busca atingir uma hilaridade incessante. Tais gags surgem em alguns momentos específicos, sem a necessidade de fazer rir a todo momento. Por outro lado, Docter e Peterson têm o objetivo de desenvolver o aspecto dramático e emocional da história, tarefa na qual são muito bem sucedidos. O filme possui coração e alguns momentos realmente tocantes, como a já citada montagem inicial, a descoberta de Fredricksen no “Livro de Aventuras” e o belíssimo plano final. Esta cena, aliás, mostra como a obra consegue envolver o espectador: apenas assistir aquela imagem dá uma sensação perfeita de encerramento à história.
Obviamente, os aspectos técnicos do filme merecem ser lembrados. A animação é impecável, desde a fluidez dos movimentos dos personagens até a preocupação com os detalhes, como a barba de Fredricksen, que cresce no desenrolar da história. Importante ressaltar também o cuidado na própria composição dos personagens: os traços quadrados do rosto do protagonista servem como uma representação de sua personalidade dura e rígida. A mesma interpretação pode ser estendida ao gordinho Russel, que se apresenta adorável, e ao carismático cachorro Doug, cuja aparência faz contraponto com dos outros amedrontadores cães.
Claro que
Up – Altas Aventuras tem uma estrutura previsível, mas isso é de se esperar em um filme com tal proposta. No geral, é mais uma obra acima da média da Pixar, capaz de transcender gêneros e falar aos olhos e aos corações de todos. Possui seus problemas e está longe de ser uma obra-prima do nível de
Wall-E. Porém, é um esforço digno, do qual crianças e adultos certamente sairão com um sorriso no rosto.
Nota: 7.0